Consumo

Para fugir da apelação ao cobrir o jornalismo policial

Cobertura jornalística de qualidade busca prevalecer, mas especialização vive sob sérias e intensas polêmicas éticas

Por: Fernanda Alves, Giovana Viveiros, Luca Guerra, Sofia Furtado, Roberta Mourão e Víctor Freitas

O jornalismo policial é uma das especializações mais conhecidas dentro e fora da profissão. Apesar de garantir engajamento relevante nas redes sociais e boa audiência na televisão, o segmento é rodeado de críticas relacionadas ao sensacionalismo, à banalização da morte e da violência, ao linchamento virtual, à condenação popular e inúmeras outras questões. O exemplo de que essa visão é uma realidade é que, ao buscar as palavras “jornalismo policial” no Google, a ferramenta de pesquisa sugere o adjetivo “sensacionalista” como complemento.

Para o cientista social Gustavo Higa, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), a narrativa da violência no jornalismo remonta à década de 1960, na época das reportagens policiais, principalmente no rádio. “O problema é que havia uma dramatização dos casos policiais nas reportagens, era uma questão quase novelesca que prendia a atenção do ouvinte ou telespectador”, afirmou.

Para Higa, os discursos disseminados em programas policiais têm estreita relação com o populismo, prática política caracterizada por falas apelativas. (Crédito: Skype)

Entre 1983 e 1984, anos finais do Regime Militar no Brasil, a pauta dos direitos humanos foi um dos pilares na articulação da transição democrática. Enquanto partidos progressistas tinham como proposta políticas de direitos humanos e reformas institucionais, houve uma reação em relação à segurança pública diante da temática. “Na época, o sistema de justiça criminal começou a ganhar popularidade. Diante disso, algumas pessoas começaram a reagir e a se opor a essas políticas públicas. Dentro da imprensa, especialmente nos rádios, começaram a denunciar essas iniciativas voltadas aos direitos humanos como discursos coniventes com criminosos, como se fossem ‘passar a mão’ na cabeça deles”, explicou Higa.

Segundo o cientista social, esse movimento contra as políticas públicas voltadas aos direitos humanos resultou em uma inversão de valores dentro da mídia. “Muitos radialistas e colunistas ganharam popularidade de repercussão política por dizerem ‘veja onde vamos parar, estão querendo passar a mão na cabeça de bandidos’, e até ‘querem levar políticas de humanização para humanos que não são direitos, que não são humanos’. Todo esse discurso permanece ainda hoje, mas repercutiu bastante na época”.

Segundo a professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), jornalista e pesquisadora do CNPq Márcia Amaral, o termo ‘sensacionalismo’ ficou atrelado ao jornalismo por conta da violência em coberturas policiais com a publicação de fotos chocantes, distorções, mentiras e linguagem com palavrões e gírias. O sensacionalismo faz com que o telespectador acredite que está por dentro do assunto, o que o motiva a querer saber o desfecho da tragédia. Essa relação de proximidade garante a repercussão da mídia e a audiência.

Para Higa, os programas de jornalismo policial de hoje estão diretamente relacionados aos discursos dos anos 80. “Essa retórica que usa o medo, crime, a violência e a segurança pública como eixo de discussão ganhou repercussão na época, elegeu pessoas, ganhou fãs. Programas como Brasil Urgente e Cidade Alerta são, de alguma forma, herdeiros simbólicos desse grupo dos anos 80”.

Para Heitor Freddo, apresentador do Brasil Urgente Campinas, na Band Mais, o programa policial exige uma série de responsabilidades, já que a notícia e a verdade são matérias-primas do jornalismo. “Estamos lidando com vítimas, com ocorrências com detalhes pesados que não precisam ser transmitidos para o telespectador e suspeitos que ainda têm o direito de se defender. O jornalismo policial exige apuração, mas também um bom senso de quem faz, do que é notícia e do que não é. Também considero fundamental que o jornalista da área estude direito penal e o código civil brasileiro”, disse Freddo, que trabalha com jornalismo policial desde 2011.

Heitor Freddo trabalha há mais de uma década no jornalismo policial e já apresentou dois dos mais tradicionais programas de TV do segmento: o Balanço Geral (Record) e o Brasil Urgente (Band). (Crédito: Roberta Mourão)

É importante estabelecer um limite entre a notícia e a opinião, mas isso costuma ser desrespeitado por apresentadores como Sikêra Junior, atual apresentador do programa Alerta na TV A Crítica, em Manaus, e que apresentou o Alerta Nacional na RedeTV entre 2020 e 2023. Com a atenção que recebia de todo país, debochava de vítimas da polícia com a expressão “CPFs cancelados” e até comemorava algumas mortes.

Freddo explica que é perigoso não separar o fato da opinião. “Muitos apresentadores tentam trazer a opinião pessoal antes dos casos terem conclusão e isso é um perigo, já que ao longo da investigação o caso pode ter outros desdobramentos e às vezes a opinião não é necessária. É importante evitar aquela opinião barata, opinião simples que pode até ser do apresentador, mas que não precisa ir ao ar”.

O jornalista alerta para a generalização negativa do jornalismo policial e afirma que erros acontecem em todas as áreas do jornalismo, mas que no policial a fiscalização do público é mais intensa. “Penso que existem excessos e eles precisam ser discutidos, analisados e cobrados pela sociedade. O que não pode é rotular todo o jornalismo policial. Tem muita gente fazendo esse tipo de jornalismo no Brasil inteiro com preocupação e compromisso com a verdade. Não podemos colocar tudo no mesmo patamar”, afirmou.

Irresponsabilidade no jornalismo policial

O Caso Eloá, de 2008, é um dos mais famosos do jornalismo policial e ganhou notoriedade nacional após a cobertura de forte apelo sensacionalista e a romantização do crime na busca pela audiência. Eloá Pimentel, de 15 anos, foi sequestrada pelo ex-namorado e mantida em cativeiro em um apartamento por cinco dias, antes de ser morta após a invasão da polícia.

Sonia Abrão, apresentadora do A Tarde é Sua, chegou a entrevistar o sequestrador durante as negociações, o que atrapalhou a investigação e foi considerado irresponsável. “Sonia Abrão faz um programa de entretenimento e se meteu a fazer jornalismo policial sem ter os cuidados que um profissional da área deve ter. Foram três pessoas que entrevistaram o sequestrador: Sônia Abrão, uma repórter da Globo e a Record. Duas vezes a Ana Hickmann [da Record] pediu a ele um tchauzinho pela janela. Além disso, o Cidade Alerta na época era apresentado pelo Milton Neves, que também não é do jornalismo policial. As pessoas que realmente são da área tiveram o cuidado que eles não tiveram, mas quem leva a fama [de irresponsabilidade] é o jornalismo policial”, comentou Freddo sobre o caso.

A importância e responsabilidade que o jornalismo policial carrega são claras, mas acabam ofuscadas pela abordagem sensacionalista e criminosa. Para o jornalista, a notícia não é apenas responsabilidade do apresentador. “Eu acho que todos os envolvidos têm a mesma responsabilidade. Cada um vai querer dar uma versão e é importante saber ouvir todas as versões e filtrar o que é a notícia. O apresentador é o último filtro, é quem vai deixar ou não a coisa passar no fim das contas, mas a responsabilidade é igual”, explicou.

Freddo acredita que profissionais do jornalismo policial precisam ter um cuidado maior ao noticiar os fatos e que esse comportamento deve ser cobrado além da editoria. “A cobrança tem que ser em cima de quem não tem a responsabilidade, e não do jornalismo policial como um todo. O programa policial é uma orientação para sociedade: muitas pessoas deixam de cair em golpes ou evitam passar por um local com alto índice criminal porque viram na televisão. Existe um papel social no jornalismo policial e quando ele é bem-feito, tem que ser respeitado”, finalizou o apresentador do Brasil Urgente Campinas.

Orientação: Prof. Artur Araújo 

Edição: Suelen Biason


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