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“O brasileiro recebe pílulas diárias de medo” 

No Café Filosófico, Cristina Rauter diz que desigualdade fragiliza o tecido social do país 

Por Caroline Adrielli 

A sociedade brasileira está longe de explorar totalmente sua potência coletiva e de cultivar afetos positivos devido às desigualdades sociais que fragilizam os grupos que compõem o tecido social do país. A afirmação é da psicóloga e filósofa Cristina Rauter, professora da Universidade Federal Fluminense, que gravou na quinta-feira (11) sua participação para o Café Filosófico, no auditório da CPFL-Campinas. 

Em sua palestra, Cristina referiu-se a um estudo feito pelo World Inequality Lab (Laboratório das Desigualdades Mundiais) em 2021, que apontou o Brasil como um dos países com maior desigualdade social e de renda do mundo. Segundo a professora, fatores como a polarização política, a violência que gera o medo e as desigualdades sociais são afetos negativos, que diminuem o poder de organização e de promoção de debates sobre melhorias no Brasil. 

Segundo ela, a diferença entre as classes sociais é o principal fator que promove a não identificação dos sujeitos, o que leva a sociedade a perder sua potência coletiva e se tornar mais individualista. “A vida coletiva é constituída pelos afetos de semelhança. Quando acreditamos que alguém é semelhante a nós, tendemos a nos contagiar com os afetos dessa pessoa. Quando os homens concordam entre si, eles são mais fortes, e essa dimensão do coletivo torna a possibilidade de agir e pensar melhor. É isso que potencializa os afetos”, explicou a filósofa.  

Cristina: “Será que o brasileiro vai ser um povo triste? Quanto tempo vai durar essa tristeza e esse medo?” (Foto: Caroline Adrielli) 

Além das desigualdades que acarretam a falta de identificação, a desorganização da sociedade também comprometeria o potencial dos indivíduos. “O filósofo [Baruch] Spinoza diz que as sociedades são mal organizadas. Portanto, é necessário encontrar uma maneira de organizá-las em grupos, no sentido de que sejam mais ativos, capazes de produzir algo, de se unir para reivindicar algo e que não sejam apenas seres passivos e sujeitos aos afetos tristes – como a violência e o medo. Quando estamos o tempo todo expostos aos afetos tristes na vida social, é aí que os homens se dividem e perdem a potencialidade”, afirmou a docente.  

Ao analisar outro conceito de Spinoza sobre potência coletiva, que sugere que todos os governos lideram através dos afetos, a filósofa disse acreditar que o Brasil é governado mais pelos afetos negativos. 

“Os governos têm capacidade de produzir tristeza e alegria, eles fazem a gente ter esperança e fazem a gente ter medo. Acredito que nosso país governa mais pelo medo. O comportamento da polícia, a quantidade de mortes por arma de fogo e a situação das prisões, tudo isso aponta para que sejamos a terceira maior população carcerária do mundo”, ponderou. 

De acordo com a filósofa, esses fatos são disseminados e bombardeiam a população diariamente, tanto pela vivência na sociedade brasileira quanto no consumo da mídia. “Vivemos em um país em que todos os dias recebemos pílulas diárias de medo. Se você ligar a televisão, o rádio e outros meios você vai receber uma certa carga de fatos violentos. Esse noticiário da realidade também gera muitos afetos tristes”, completou. 

Segundo as ponderações de Cristina, os afetos negativos são gerados e disseminados por diversos meios, com poder de promover ideias tristes, o que diminui a potência coletiva e leva os indivíduos a se tornarem submissos e acomodados. Entretanto, ela ressalta que os afetos são instáveis, e esse estado de tristeza coletiva há de acabar um dia. 

“Será que o brasileiro vai ser um povo triste? Quanto tempo vai durar essa tristeza e esse medo? É para sempre?”, indagou a estudiosa em sua palestra, para ponderar que “os afetos são instáveis, e isso pode ser uma qualidade”. Recorrendo novamente a Spinoza, disse que essa vantagem existe, pois “os afetos não podem durar para sempre, eles dependem do estado do nosso corpo. Então, muita coisa que temos medo hoje, amanhã podemos não ter”. 

Segundo a filósofa, existem maneiras de driblar esses afetos negativos e explorar a potência da multidão, como fazem os grupos terapêuticos e os que se organizam de maneira política. A presença sutil de aproximações positivas na rotina revela não só a instabilidade dos afetos, mas também abriria espaço para uma perspectiva de um futuro promissor. 

“Hoje o brasileiro tem medo de sair na rua nas grandes cidades devido à violência, mas quando chega o carnaval, todos vão para as ruas comemorar. Esse é um exemplo claro de como as instabilidades afetivas se apresentam a nosso favor minuciosamente”, comentou. 

Aqui, a íntegra do Café Filosófico com Cristina Rauter. 

Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti 

Edição: Ana Ornelas 


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