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Psiquiatra quer mais educação por diversidade

Giancarlo Spizzirri, professor da USP, sugere que formação médica também inclua saúde de não binários

Por Julia Facca

Um médico que tenha estudado as singularidades das pessoas de orientação sexual não binária –ou seja, que não se identificam com o sexo masculino nem com o feminino– tem melhores condições para elaborar diagnósticos mais precisos no atendimento a este grupo social. A afirmação é do psiquiatra Giancarlo Spizzirri, professor e membro do grupo multidisciplinar de assistência a pessoas transgênero do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo, que participou nesta quinta-feira, 30, da gravação do Café Filosófico no auditório da CPFL.

“Está cada vez mais documentado, por meio de estudos científicos, que o estigma, preconceito e discriminação resultam no que vem sendo nomeado como estresse de minoria, que causa sofrimentos como depressão e ansiedade”, observou o psiquiatra ao citar estudos que apontam que ao menos 5% da população não se sente representada no modelo cis-heteronormativo tradicionalmente adotado.

De acordo com Spizzirri, “além da discriminação na sociedade geral, o estigma pode contribuir para situações de abuso e negligência nas relações interpessoais das pessoas que compõem as minorias sexuais e de gênero. Isso pode levar a ainda mais sofrimento psicológico. E esses sintomas não são inerentes à pessoa, são induzidos socialmente por conta de toda a discriminação, falta de entendimento e compreensão que acompanham todas as identidades que não fazem parte do modelo binário”, explicou.

Segundo Spizzirri, a caminhada a ser percorrida é longa e exige a educação dos profissionais de saúde desde o início da formação acadêmica. Durante sua experiência profissional no Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP, ao longo de mais de 15 anos, muitos estudantes da área participavam do programa em busca de mais informações sobre gênero e sexualidade diante da falta de abordagens sobre o tema nos cursos de saúde que frequentavam.

Spizzirri: “Cada especialidade deveria se apropriar desse tema e da diversidade no que difere entre homens, mulheres e as minorias” (Imagem: YouTube)

“Os que foram educados sabiam fazer a anamnese, ou seja, a entrevista, melhor com os pacientes durante as consultas para identificar as queixas. Se não soubessem tratar, poderiam ao menos encaminhar o indivíduo para outro profissional. A gente precisa que as escolas voltadas para a saúde, independente da área, implementem em seus cursos a formação em sexualidade humana. Mas não pode ser uma formação direcionada apenas a um momento e um módulo. Tem que ser ao longo do curso todo, cada especialidade deveria se apropriar desse tema e da diversidade no que difere entre homens, mulheres e as minorias”. disse o médico.

Em sua palestra, o psiquiatra discutiu a importância do acolhimento familiar para aqueles que se identificam como membros da comunidades LGBTQIAP+ e que se afastam da heteronormatividade. “A educação tem muitas camadas. A família tem um papel muito importante. Aquelas pessoas que têm suporte familiar em relação às suas questões identitárias sofrem muito menos, na minha experiência. É essencial principalmente quando seus filhos têm questões referentes à orientação sexual e gênero que não se enquadram no modelo binário”, comentou.

Spizzirri ponderou que gênero é uma construção multidimensional que inclui aspectos psicológicos, sociais e comportamentais que envolve reconhecer como o indivíduo se percebe. Neste contexto, há ainda a expressão de gênero, relacionada à forma como a pessoa manifesta essa percepção através da linguagem, comportamento e vestimenta. “Vale ressaltar que como é uma construção social, o gênero pode variar de sociedade para sociedade, assim como também pode mudar ao longo da vida de um mesmo indivíduo”.

Já a sexualidade ou orientação sexual –disse o pesquisador– é um conceito mais amplo, que engloba a atração afetiva, sexual e romântica, se estendendo por diversas identidades sexuais como heterossexual, homossexual, pansexual, bissexual e assexual, entre outras.

O psiquiatra lembrou que o sexo, o gênero e a expressão de gênero, assim como a orientação sexual, se entrelaçam e se sobrepõem com diversos outros aspectos identitários de uma pessoa, entre eles raça, etnia, escolaridade, idade, religião, situação socioeconômica e naturalidade.  Todos esses aspectos compõem a sexualidade humana”, pontuou.

 
Spizzirri: “Todas as variações de gênero e orientações sexuais são igualmente saudáveis” (Imagem: YouTube)

Como sugestão para aqueles que buscam informações confiáveis sobre o tema, o psiquiatra recomenda os portais do Ministério da Saúde, bem como das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde, que disponibilizam cartilhas voltadas para a comunidade LGBTQIAP+. Outra fonte importante de dados seriam instituições e organizações não-governamentais (ONGs) especializadas no assunto, como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a Aliança Nacional LGBTI e o Grupo Gay da Bahia.

Segundo um levantamento realizado pela primeira vez em 2019, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil conta atualmente com 2,9 milhões de pessoas de 18 anos ou mais que se declaram gays, lésbicas ou bissexuais. Por outro lado, o Relatório de Mortes Violentas de LGBT no Brasil, produzido pelo Grupo Gay da Bahia, aponta que 300 pessoas da comunidade morreram de forma violenta no país em 2021, classificação que inclui 276 homicídios relacionados à homofobia e transfobia, e 24 suicídios.

Ainda este ano, o Brasil figurou pela 14ª vez consecutiva como a nação que mais mata pessoas travestis e transexuais, conforme divulgado pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. Hoje, a idade média do grupo é de 35 anos, em decorrência das violências físicas, psicológicas, sexuais e verbais que sofrem.

Como aponta Spizziri, enquanto mulheres têm 4 vezes mais chance de reportar violência sexual em comparação aos homens cisgênero, ou seja, aqueles que se identificam com seu sexo biológico, o número chega a 15 vezes para pessoas não binárias e 25 vezes para pessoas trans.

“A parte que me cabe é continuar atendendo essas pessoas, mas principalmente educando. Precisamos muito da educação. Todas as variações de gênero e orientações sexuais são igualmente saudáveis, e o caminho mais sensato para entendermos essas questões é ouvindo essas pessoas. Tudo isso acontece muito por conta dos movimentos sociais e estudos que dão maior visibilidade e compreensão. O que está por trás do preconceito é falta de entendimento”, finalizou Spizzirri.

Aqui, acesso à íntegra do Café Filosófico com o psiquiatra Giancarlo Spizzirri

Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti

Edição: Melyssa Kell


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