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Violência política de gênero em Vinhedo desperta debate

Cassação de vereadora foi interpretado como um caso do tema e estimulou contestação em coletivos

Por: Laura Nardi e Sophia de Castro

A cidade de Vinhedo se tornou palco de discussões em torno da questão da violência política contra a mulher com o advento de um episódio envolvendo a cassação por denúncia de quebra de decoro parlamentar de uma das três vereadoras do município, Chris PC (MDB). A denúncia, aceita em fevereiro com dez votos favoráveis e três contrários, aponta que a vereadora teria usado indevidamente o plenário para ataques contra outros vereadores e o atual prefeito Dr. Dario Pacheco (PTB). O caso repercute até os dias de hoje dentro da tribuna e fora dela, visto que o processo ainda não foi finalizado pela Justiça, gerando controvérsias e movimentando reações por parte da população, que enxerga o processo como perseguição e violência política de gênero, trazendo a pauta à tona.

Clarice Nicolau, do coletivo Aurora Mulheres, durante a sessão de pedido de abertura de comissão processante para cassar o mandato da vereadora Chris PC (Foto: Instagram/@claricefnicolau)

Uma das iniciativas que mobilizou o tema na cidade foi o coletivo Aurora de Mulheres, criado a partir da problemática da dignidade menstrual, que, segundo Clarice Nicolau, ativista e membro-fundadora do coletivo, estava com dados alarmantes, fazendo com que pessoas que menstruam deixassem de estudar ou exercer suas funções por não terem condições de comprar um absorvente. O coletivo esteve envolvido nas discussões em torno da cassação do mandato da vereadora Chris PC, a partir de divulgações nas redes sociais e atos dentro e em frente à Câmara Municipal. “Nosso Coletivo é suprapartidário, mas não nos abstemos de casos injustos e com acusações não comprovadas ligadas a um sistema machista e conservador” relatou Clarice. Além disso, foi defendido pelo coletivo que a quebra de decoro só pode ser julgada quando existe um Código de Ética interno, o que não ocorre na Câmara de Vereadores Municipal de Vinhedo.

Alicia enfatiza a falta de representatividade em Vinhedo “Quando olhamos para a Câmara de Vinhedo e vemos 10 homens, maioria deles brancos, mais velhos e héteros é muito difícil, a gente olha para isso e não se sente representado” (Foto: Instagram/@a.aliciamendonca)

O Coletivo Consulta Pública também possui voz ativa nas movimentações acerca do tema da violência política de gênero dentro do município. Iniciado em 2020, ele foi criado a partir de uma insatisfação de um grupo de amigos com a política da cidade, com o intuito de criar debates com os candidatos nas eleições municipais daquele ano e levar conhecimento e educação política à população de Vinhedo. “Surgiu como uma ideia de ser uma ponte entre a academia e a sociedade” comenta Alicia Mendonça, graduanda em Gestão de Políticas Públicas na USP e membro do coletivo. Luana Santos, mestranda em Linguística pela UNICAMP e membro do CCP desde 2022, comenta que apesar de o coletivo não agir como um jornal ou uma mídia eles assumem um pouco deste papel. “Nós acabamos atuando bastante neste espaço para poder levar essa informação que não chega nas pessoas”, relata.

Movimentação organizada em frente a Câmara Municipal no dia da votação da cassação do mandato da vereadora Chris PC (Foto: Instagram/@coletivoconsultapublica)

O coletivo agiu e continua agindo, a partir da conscientização a respeito da violência política contra a mulher, sobre o que é e quais as formas de combater, além de incentivar uma maior participação de mulheres na política. No caso da cassação do mandato da vereadora Chris PC, o coletivo atuou da mesma forma, a partir da divulgação de informações sobre o episódio, uma vez que muitas pessoas não entendiam o que estava acontecendo. Segundo a avaliação de Alicia, a falta de uma mídia independente na cidade faz com que as informações se percam: “Vinhedo tem um meio de comunicação muito vinculado ao governo e, neste caso, uma das coisas que pesaram muito foi a ausência de um veículo independente. O nosso trabalho foi informar as pessoas do processo, o CCP esteve presente desde a primeira denúncia”. 

Para Marcela Moreira, é importante garantir que essa lei se efetive e garanta punições para quem comete essas violências políticas de gênero (Foto: Arquivo Pessoal)

De forma idêntica, Marcela Moreira, socióloga, professora e ex-vereadora pelo PSOL em Campinas, enfatiza a importância de se utilizar os meios de comunicação para uma maior visibilidade das violências que as mulheres enfrentam na política, para assim buscar uma motivação mais ampla da sociedade contra essa questão: “É importante aproveitar esses meios para mobilizar as mulheres a se conscientizarem dos seus direitos e se sentirem incentivadas, empoderadas e acolhidas para que possam ocupar os espaços de poder”. Para ela, também é necessária a maior divulgação da Lei 14.192/2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas. “É importante o conhecimento dessa lei, e pensar que foi graças a mobilização das mulheres e principalmente das mulheres que estão em espaços de poder que sofrem essas formas de violência que garantiu a aprovação desse projeto”, afirma.

A socióloga acrescenta que uma das formas da violência de gênero ser combatida é um trabalho preventivo em locais de encontro e sociabilidade, como sindicatos, igrejas e escolas. Nayla de Souza (PDT), uma das três vereadoras eleitas de Vinhedo, compartilha da mesma percepção e, no ano passado, apresentou dois projetos de lei para combater a violência contra a mulher. O primeiro visava a educação sobre a Lei Maria da Penha nas escolas públicas do município e o segundo institui a fixação em banheiros femininos placas/cartazes com informações de números telefônicos de emergência, criando o selo “Aqui combatemos a violência contra a mulher”. Aliás, ambos os projetos têm como coautora a vereadora Chris PC. Segundo disse, os vereadores reprovaram argumentando que o projeto era inconstitucional, mesmo com o parecer jurídico ponderando o contrário. “Foi muito duro pra mim, porque foi esfregar na minha cara que, de fato, a pauta sobre os direitos das mulheres não é importante e os homens fazem o que eles querem porque o poder tá com eles, eu senti que eles queriam muito mostrar isso”, revela. No dia 19 de maio, a vereadora protocolou o Projeto de Lei nº 66/2022 que propõe a criação de um Programa Municipal de Enfrentamento à Violência Política de Gênero, que está atualmente sendo analisado pela Câmara.

Nayla de Souza está cumprindo seu primeiro mandato na Câmara Municipal de Vinhedo, sendo eleita com mais de 900 votos no ano retrasado. Inclusive, foi um dos três votos contra a cassação da vereadora Chris PC. “A Chris foi eleita por mais de 800 pessoas, e como ela perde um mandato, que é uma coisa tão legítima e importante, de uma forma tão leviana assim?”, questiona. Para ela, essa cassação também teve a função de dar um recado para quem tem uma posição diferente dentro da Câmara, se tratando de um jogo político junto a um caso de violência política de gênero.

Nayla de Souza: “Quando a gente tá dentro da política, a gente vê coisas que são desestimulantes, e permanecer tendo motivação é um desafio muito grande, o maior deles” (Foto: Arquivo Pessoal)

Para a Socióloga Marcela Moreira, “uma mulher que fala, que intervém e que defende suas ideias nessa sociedade machista, patriarcal e misógina, vão ser chamadas de autoritárias, de histéricas, de tentar impor ideias enquanto estão questionando”.  Em quase um ano e meio de atuação, Nayla conta que casos como os citados acima de desmoralização do trabalho dela infelizmente são regulares na Câmara Municipal. Ela diz que nem consegue quantificar quantas vezes atitudes como essa aconteceram, porque, de fato, é muito recorrente durante a transmissão de sessões e também nos bastidores. Alguns casos contam com constantes interrupções de sua fala no ambiente parlamentar, impedimentos para manifestar sua opinião, difamação com o fim de destruir a sua reputação, desqualificação de sua competência e até proibição de se sentar à mesa com outros vereadores homens.

A vereadora diz que a violência política desestimula a participação feminina na política. Esse ambiente hostil e violento faz com que mulheres passem por situações extremas, de terem a sua imagem exposta e deturpada com fake news e até casos mais grotescos que utilizam imagens dos filhos dessas mulheres e ameaças a eles para destruírem a reputação das candidatas. “Qual mulher vai querer participar de um espaço que é dessa forma, qual mulher vai querer sujeitar a sua vida privada e a sua família a passar situações como essas? É desgastante”, reclama.

Porém, mesmo declarando ver aspectos desestimulantes na política, principalmente na política para as mulheres, Nayla vem trabalhando com muito foco para aumentar a participação política feminina na cidade, apoiando outras candidaturas, incentivando a atuação de coletivos públicos e iniciativas feministas, e compartilhando suas lutas no plenário, uma vez que justamente a sub representatividade das mulheres na política foi um dos motivos para a sua carreira política em 2016. “Contudo, enquanto a gente não tiver mais mulheres na política, é muito importante estar ao lado das mulheres que estão eleitas ocupando esses cargos”, finaliza. 

Formas que a Marcela Moreira defende serem eficazes para combater a violência de gênero na política (Foto: Sophia de Castro)

Orientação: Prof. Gilberto Roldão

Edição: Sophia de Castro


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