Destaque

Paraskatistas ganham visibilidade no cenário nacional

Com diferentes vivências, Rafael, Nando e Ítalo sonham com as Paralimpíadas

Por Julia Facca e Oscar Nucci

Nos dias 23 e 24 de outubro foi inaugurado no skatepark do Sport Club Corinthians Paulista, na Zona Leste de São Paulo, o Circuito ParaskateTour, o primeiro campeonato brasileiro de skate voltado exclusivamente ao skate adaptado, o qual contempla pessoas com deficiência física.

O evento foi realizado pela Prefeitura da Cidade de São Paulo com apoio da Confederação Brasileira de Skate (CBSk) e organização da Associação de Skate Universitário, e apesar de pioneiro no Brasil, o paraskatista Rafael Alentejo, 30, conta que os atletas do skate adaptado não são recentes no país.

“Os eventos oficiais nasceram ontem, praticamente, mas os paraskatistas no Brasil existem há bastante tempo. O primeiro foi o Og de Souza, que não tem as duas pernas, nos anos 80. Ele já participou de campeonatos mundiais e tem grande relevância no meio. A partir dele começaram a surgir outros”, relata.

Nascido no Rio de Janeiro, aos 18 anos, Rafael já praticava skate antes de sofrer um acidente quando estava indo a uma pista com seus amigos e decidiram cortar caminho por uma ferrovia e foram atropelados por um trem. “O trem jogou a gente longe. No hospital tiveram que amputar minha perna esquerda e depois de um ano do acidente eu voltei a andar de skate com a minha prótese”, relembra.

O paraskatista conta ainda que muitas pessoas culparam o skate por seu acidente e não entendiam porque ele continuou praticando o esporte. “Não foi o skate, foi uma besteira. E mesmo que fosse, sabe? Você sofre acidente de carro e não deixa de andar de carro. Se a gente deixar de fazer as coisas por medo de se acidentar, deixamos de viver”, explica.

Mais de uma década depois, contrariando a crença de muitos que duvidaram de sua capacidade, o atleta conseguiu fazer seu nome no cenário do paraskate e se tornou campeão brasileiro em 2016 pelo Brasileiro de Skate e vice-campeão latino em 2018 pelo Oi STU Open, além de ter conquistado o pódio em diversos campeonatos consagrados.

Segundo Rafael, entretanto, as competições só passaram a ser mais inclusivas há pouco tempo e ainda não contam com subdivisões dentro da categoria do paraskate, o que já o levou a competir contra pessoas com deficiência visual em alguns campeonatos.

Um deles foi seu conterrâneo, Nando Araújo, 27, que nasceu cego e possui apenas 20% de visão em um dos olhos. O carioca entrou em contato com o skate pela primeira vez na infância através de um jogo de videogame do Tony Hawk, skatista americano conhecido mundialmente, e aos cinco anos ganhou seu primeiro skate.

Depois de um tempo afastado do esporte que sempre esteve presente em sua vida, o atleta voltou a se dedicar ao skate há poucos anos atrás, se guiando pelas pistas com auxílio de sua bengala, e nunca mais parou.

Quanto à inclusão nos campeonatos, Nando conta que em 2018 participou do Half Pipe e foi a única pessoa com deficiência da modalidade: “Nunca me impediram de competir com a galera que enxerga e que não tem nenhuma deficiência. Eles são inclusivos, mas estão começando a colocar a categoria do paraskate só agora”, explica.

De acordo com o paraskatista, sua maior dificuldade ao começar no skate foi o julgamento das pessoas que não acreditavam que ele seria capaz de praticar o esporte por conta da deficiência visual. Mesmo assim, o atleta conquistou patrocínios para investir em sua carreira.

Nando ainda destaca que o julgamento faz com que muitas pessoas com deficiência visual que conhece tenham receio de andar de skate.“Eles têm muito medo e, realmente, é um esporte perigoso, mas eles podem sim andar de skate”, acredita.

Para o curitibano Ítalo Romano, 31, o apoio e incentivo de quem o cercava foi essencial. Após perder as pernas aos 11 anos tentando pegar rabeira em um trem, ganhou seu primeiro skate de um amigo: “Foi uma peça fundamental na minha carreira. Meus pais não tinham condição, então foi uma injeção de energia”, lembra.

Da esquerda para a direita: osparaskatistas Rafael Alentejo, 30; Nando Araújo, 27; e Ítalo Romano, 31, em ação. (Foto: @queijoraladofilmes/@leoscottskt/ @italoromanoskate)

Além disso, explica que descobriu que era possível praticar o esporte depois do acidente ao ver Og de Souza em um programa de TV andando sentado no skate. “A hora que eu vi aquilo falei: ‘Se ele pode, eu também posso’. Eu me senti livre em cima do skate e saí da cadeira de rodas. Optei pelo skate como meio de locomoção e ferramenta de trabalho”, explica.

Ítalo ficou conhecido no cenário do paraskate após aparecer em 2011 no Caldeirão do Huck, participando de um dos maiores desafios do skate ao descer uma megarrampa de 27 metros de altura e se tornar o primeiro skatista sem as duas pernas a realizar o feito.

Conforme conta, sua aparição no programa o permitiu servir de exemplo para outros atletas como Og foi para ele: ”​​Pensei em desistir, mas brasileiro não desiste nunca”, brinca. “Foi muito legal mostrar que o skate não tem limites. Muitas pessoas assistiram e eu acabei inspirando de alguma forma essa nova juventude do skate sentado.”

O skate nas Paralimpíadas

Mesmo tendo diferentes tipos de deficiência física, os três atletas têm em comum o sonho de representar o skate nas Paralimpíadas, mas nada indica que isso ocorrerá em breve visto que ainda não há previsão para que o esporte passe a fazer parte do circuito paralímpico. 

Para Rafael, os prêmios são consequência de seu trabalho e não seu objetivo, mas ainda assim as Paralimpíadas estão dentre suas metas: “Eu tenho um grande desejo de um dia participar, mas provavelmente o skate não vai ser introduzido na próxima edição. Até lá meu objetivo é sempre andar de skate, melhorar como atleta e me divertir”, explica.

De mesma maneira, Nando prioriza continuar praticando o esporte: “Meu sonho de estar andando de skate já está acontecendo. Se eu for nas Paralimpíadas acho que é mérito meu, mas o importante é andar de skate. Quando eu boto o skate no pé é uma sensação sem explicação. Eu nunca imaginei andar de skate e isso já é muito especial”, diz.

Já Ítalo, apesar de se sentir realizado com suas conquistas no skate e dedicar a maior parte de seu tempo atualmente ao vôlei sentado e ao tênis de cadeira de rodas, também almeja participar do evento. “É o sonho de qualquer paratleta participar. Se conseguisse fechar minha carreira no skate pegando as Paralimpíadas seria maravilhoso”, acredita.

Em entrevista para a Rádio CBN (https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/356604/1-etapa-do-circuito-paraskate-tour-e-realizada-nes.htm), o Presidente da CBSk, Eduardo Musa, disse que já existe um movimento para incluir o skate nos jogos paralímpicos de 2028, mas que é mais provável que isso só aconteça em 2032, porque os esportes são definidos cerca de sete anos antes do evento.

Outro indicativo de que o paraskate ainda tem pouca visibilidade no Brasil é o fato de não haver uma associação oficial para a modalidade, o que a Professora Renata Russo, responsável por ministrar as aulas de Educação Física para Pessoas com Deficiência na Faculdade de Educação Física da PUC-Campinas, explica dificultar o apoio ao esporte.

“Precisamos de iniciativas maiores. É necessário para que a gente consiga ter, não só um melhor rankeamento nas Paralimpíadas, mas para que as pessoas com deficiência tenham as mesmas oportunidades. Há poucos incentivos e associações relacionadas a essa questão. Infelizmente ainda tem muita coisa a ser feita”, diz.

Já em entrevista para o Portal Digitais, o presidente e cofundador da Associação de Skate Universitário, Marco Ferragina, disse acreditar que no curto prazo é possível que surja uma entidade representativa para a categoria, algo necessário para a organização e gestão esportiva do paraskate.

“O skate como um todo ganhou muita projeção com as Olimpíadas de Tóquio. A nível de mercado eu entendo que o investimento das empresas também tende a aumentar por conta dessa exposição. Isso abre muitas portas para novos adeptos e, consequentemente, para o paraskate também”, completa.

Rafael Alentejo (esquerda) e Ítalo Romano (direita) participaram do Circuito Paraskate Tour em São Paulo. (Foto: Arquivo pessoal/Julia Facca)

Ainda, segundo Ferragina, o Circuito Paraskate Tour atraiu em sua primeira etapa, paraskatistas de seis estados diferentes: “Era uma demanda que estava adormecida porque nunca tinha tido algo exclusivo para eles. Mesmo sendo realizado em São Paulo o evento já teve alcance a nível nacional”, revela.

Enquanto isso, os paraskatistas aguardam a oportunidade de participar dos jogos Paralímpicos e incentivam outras pessoas com deficiência a se aventurarem em cima do skate.

“O ‘não’ a gente já tem, só vamos saber tentando. Muita gente desacreditou de mim, mas eu decidi que ia andar de skate. Depois de ter aprendido a andar com a prótese, eu procurei gente igual a mim e isso me deu mais gás. O impossível só é impossível até que alguém vá lá e faça, só é impossível porque ninguém fez ainda”, finaliza Rafael.

Orientação: Prof. Gilberto Roldão

Edição: Alanis Mancini


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