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Casos de autismo em mulheres aumentam nos últimos anos

Diagnóstico tardio em pessoas do sexo feminino é mais comum e vem sendo estudado

Por Camila de Paula e Paloma Ruiz

O autismo em mulheres tem se tornado um assunto em ascensão nos últimos anos devido ao aumento de casos que vem sendo registrados. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) em mulheres possui um diagnóstico mais complicado e devido a essa situação é comum que pessoas do sexo feminino recebam um diagnóstico tardio.

O psicólogo Cristiano Weiss explica que a ideia de que o autismo ocorre mais em meninos pode dificultar o diagnóstico em meninas (Foto: Arquivo Pessoal)

O psicólogo e especialista em neuropsicologia, Cristiano Weiss, explica que os perfis mais leves de autismo são mais difíceis de serem identificados, como é o caso das mulheres. Segundo o psicólogo, o espectro é dividido em dois domínios: o domínio A, de comunicação e interação social, e o domínio B, que trata de padrões repetitivos e estereotipados. Weiss esclarece que pelo fato de as meninas serem menos atingidas pelo domínio B muitas são diagnosticadas tardiamente, no final da adolescência ou já adultas.

“A questão social é o que faz muitas meninas autistas passarem despercebidas na infância, pois elas camuflam seus sintomas e possuem a capacidade de observar e imitar as pessoas a sua volta, mesmo que causem sofrimento nelas”, explica Weiss.

O psicólogo, que realiza pesquisas focados em adolescentes e adultos com TEA, diz que a ideia geral de que o autismo ocorre mais em meninos dificulta o diagnóstico em meninas pois as pessoas normalizam esse tipo de comportamento, quando na realidade elas fazem um grande esforço para se controlarem e pertencer a um grupo. “Elas têm essa dificuldade da interação social e da conexão, mas elas tentam fazer parte porque não querem que descubram que são diferentes, e isso tem uma sobrecarga muito alta”, afirma.

Em 2019, estatísticas publicadas por cientistas do Reino Unido indicavam uma proporção de aproximadamente 10 homens com autismo para uma mulher. Porém, em novas pesquisas divulgadas no mesmo ano pelo país, sugerem que a proporção real entre homens e mulheres autistas poderia estar mais próxima de 3 para 1. Já estudos publicados pelo periódico americano Journal of Autism and Developmental Disorders em 2020, a proporção entre homens e mulheres autistas pode ser de 1,8 para 1 – bem abaixo do que se pensava.

Weiss atribui essas constantes mudanças de estáticas e o aumento de casos de mulheres autistas com o fato de haver mais estudos nas questões sensoriais e de hiper-reatividade que não eram tão valorizadas antes em manuais de diagnóstico. “Começou a se estudar muito mais as questões de meninos e meninas, as diferenças de como o autismo se manifestam neles, então os casos de autismo em mulheres estão aumentando justamente por mais conhecimento e estudo”, finaliza.

Gabriela Neuber: “Com o diagnóstico a mulher pode se entender e parar de se culpar” (Foto: Arquivo Pessoal)

A neuropsicóloga e mestre em Neurociência e Comportamento Autista, Gabriela Neuber, esclarece que o diagnóstico tardio é geralmente acompanhado de muito sofrimento dependendo de como a mulher foi criada. “Ela pode ter um diagnóstico tardio, mas tiveram boas experiências em famílias ou cuidadores que souberam lidar com a pessoa e com as dificuldades dela, independentemente de ter um nome ou não, mas nem sempre esse é o caso”, explica.

Neuber diz que a maioria das mulheres prefeririam receber o diagnóstico mais cedo para se entenderem e lidarem com a situação, conseguindo intervir em momentos do desenvolvimento. “Com o diagnóstico a mulher pode se entender e parar de se culpar, sem ser taxada por outros rótulos que não possuem relação com a condição de autista”.

O Brasil não tem dados concretos sobre a prevalência do autismo entre a população, muito menos a diferença da condição entre homens e mulheres. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não possui nenhum censo sobre autistas no país. A neuropsicóloga afirma que isso impacta muito na formação dos profissionais e no entendimento que a população tem a respeito do assunto. “Muitos autistas adultos vão em psicólogos para fazer um acompanhamento e, por vezes, os profissionais não sabem o que fazer com aquele paciente autista, principalmente quando o caso é com mulheres”, afirma.

A historiadora Michelle Garcia, de 39 anos, foi diagnosticada com autismo em fevereiro deste ano, quando estava com 38 anos. Ela começou a desconfiar do próprio diagnóstico quando seu filho de 6 anos também foi diagnosticado com autismo. “Eu comecei a pesquisar sobre o assunto e a seguir autistas adultos para ter uma ideia de como seria a vida do meu filho no futuro, mas aí eu comecei a me ver nesses autistas, muitos comportamentos que eu tenho iguais a eles”, conta. “Fui atrás de uma psicóloga que me deu o laudo de autismo e eu me senti aliviada, foi como se antes eu tivesse que fingir ser outra pessoa e agora eu podia ser eu mesma”.

A historiadora Michelle Garcia fala sobre a dificuldade de encontrar perfis que falem sobre o autismo em meninas e mulheres

Garcia fala que sempre agiu diferente de outras pessoas, mas que tentava se reprimir pois não conhecia muito sobre o autismo. A historiadora afirma que preferiria ter recebido o diagnóstico antes, mas que mesmo ele tendo chegado tardio beneficiou nas suas relações interpessoais. “O laudo permitiu as pessoas me conhecerem e saberem quem eu sou”.

Michelle Garcia: “O laudo permitiu as pessoas me conhecerem e saberem quem eu sou” (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo Garcia, sua infância, adolescência e juventude foi um pouco solitária por conta da sua dificuldade de fazer amizades. “Eu não tinha muitos amigos porque sempre fui muito direta, nunca menti para agradar alguém, só que isso me gerou frustrações”, diz. Ela conta que não era levada a sério em alguns de seus momentos de crise por conta do autismo e que passar por tudo isso foi uma experiência difícil.

“A gente vai usando estratégias para as pessoas não perceberem e conseguir sobreviver na sociedade”, afirma Garcia. “Eu me coço tão forte que machuca, então sempre coloco uma calça para ninguém ver, uso batom para esconder os lábios machucados, me forço a olhar nos olhos da pessoa que estou conversando e é uma coisa muito difícil pra mim”.

A historiadora possui um perfil do Instagram para contar suas experiências e ajudar as pessoas que querem aprender mais sobre o autismo. Garcia usa uma linguagem leve para falar sobre o espectro e os diferentes tipos de vivências que um autista pode levar. “O autismo tem vários níveis de suporte, cada um com suas dificuldades e formas de manifestação, é muito importante as pessoas aprenderem isso para se ajudarem e ajudar aqueles que podem ter autismo”, finaliza.

Orientação: Prof. Gilberto Roldão

Edição: Luiz Oliveira


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