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“Por amor, não venha me visitar”, pedem mães

Elas relatam os medos e angústias após dar à luz em meio a pandemia

Rafaela nos braços dos pais, Roberto e Carla, após um parto complicado que precisou usar o fórceps (Foto: Arquivo pessoal)

 

Por Fernanda Nagliati e Isabela Matias

Kelly Cristina de Souza Dias, 37 anos, descobriu em julho de 2019 que estava grávida de duas semanas. Os planos para o nascimento do primeiro filho eram cercá-lo dos avós, tios, primos e amigos. No entanto, Kelly deu à luz ao Pyetro 10 dias após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar que o mundo enfrentava uma pandemia. Ou seja, as visitas deixaram de ser algo seguro para a saúde pública.

Era manhã do dia 20 de março de 2020, quando Kelly escutou o chorinho de Pyetro pela primeira vez, após quatro horas de trabalho de parto na Maternidade de Campinas. “Quando peguei ele no colo e olhei para aquele ser tão pequenininho, eu não acreditava que tinha saído de mim”, comenta Kelly com a voz embargada no choro.

Mas os dias seguintes não foram dos melhores. Pyetro foi diagnosticado com a síndrome de Pierre Robin, uma doença rara que se caracteriza por anomalias faciais, como mandíbula diminuída, queda da língua para a garganta, obstrução das vias pulmonares e fenda no palato. Ficou seis dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), quase dois meses de internação na ala infantil e já passou por quatro cirurgias.

Os cuidados, mesmo já tomados por conta das restrições do hospital frente ao coronavírus, foram ainda mais redobrados com Pyetro para evitar complicações respiratórias. “Nós ficamos ainda mais isolados com o isolamento social, meus pais foram conhecer o meu filho meses depois, mas grande parte da família só o conhece por fotos. Penso em como seus olhinhos vão brilhar ao descobrir que o mundo é cheio de pessoas, e que até existem outros bebês como ele”, relata Kelly.

O medo de Kelly dentre tantas outras mães não é à toa, já que o Painel de Excesso de Mortalidade no Brasil divulgado pela organização de saúde Vital Strategies, no início deste ano, registrou no país a morte de ao menos 899 bebês com menos de um ano, em 2020.

Kelly Cristina ao lado do Pyetro, na Maternidade de Campinas, minutos após o trabalho de parto (Foto: Arquivo pessoal)

À angústia, somada à solidão, foi vivenciada também pela advogada Carla Proença Costa de Souza, de 34 anos. As contrações que começaram na manhã do dia 05 de junho de 2020 se intensificaram na madrugada do dia 06 após 48 horas de trabalho de parto, Rafaela veio ao mundo direto para o aconchego dos braços de Carla, na Maternidade São Luiz, na grande São Paulo. O parto normal planejado durante toda a gestação não foi como o imaginado, por complicações a equipe médica precisou utilizar o fórceps, um instrumento cirúrgico que auxilia em partos difíceis, por esse motivo a recuperação de Carla foi um pouco mais lenta e delicada.

“Mesmo meu marido estando em todos os momentos, senti falta dos meus pais, pois sempre sonhei com eles presentes neste dia tão aguardado por todos nós”, conta Carla. Seus pais que testaram positivo para a Covid-19 estavam isolados em casa, mas para surpresa da filha e neta, eles foram mascarados até a maternidade e estacionaram o carro embaixo da janela do quarto onde elas estavam internadas. No terceiro andar o choro não pode ser contido e a troca de olhares foi o mais próximo que conseguiram fazer naquele momento.

Sem visitas, nos meses seguintes a família continuou em quarentena e as conversas com familiares e amigos se restringiram ao celular. “Mas, só no sexto mês que minha filha começou a entender que existem mais pessoas no mundo do que somente seus pais, um bebê que nasceu em uma bolha e é amada por muita gente que ela desconhece”, comenta Carla.

Giovanna, pela primeira vez, amamentando Teresa após o parto domiciliar, em Mogi das Cruzes (Foto: Arquivo pessoal)

Já para a modelo e influenciadora digital Júlia Pereira, 34 anos, a notícia da gravidez veio com uma grande preocupação, em março de 2020 ela testou positivo para a Covid-19. “Comecei sentindo um mal estar, cansaço e enjoo e atrelei eles aos sintomas da gravidez, no entanto, nos dias seguintes fui perdendo o paladar e o olfato, por isso meu médico sugeriu que eu fizesse o teste”, conta Júlia.

No Brasil, as grávidas e puérperas vem sofrendo mais com o impacto do coronavírus. Segundo um estudo realizado por especialistas brasileiros e publicado no jornal científico International Journal of Gynecology e Obstetrics, o país concentra 77% das mortes de gestantes e puérperas, comparado com o restante do mundo. Ou seja, das 160 mortes de gestantes em todo o mundo entre o início da pandemia até junho, 124 foram no Brasil. O 2.º lugar é dos EUA, com 16 óbitos.

Frente à dimensão de casos entre grávidas e puérperas, o Ministério da Saúde incluiu, em 13 de abril de 2020, gestantes e mães com recém nascidos (que deram à luz nos últimos 45 dias) no grupo de risco de complicações por Covid-19.

De acordo com pesquisa realizada pela Universidade Federal do Piauí, as mulheres grávidas e puérperas representam uma população de alto risco durante os surtos de doenças infecciosas; a principal justificativa são as alterações fisiológicas e mecânicas que ocorrem nessas fases que aumentam a vulnerabilidade para infecções em geral, podendo levar ao desenvolvimento de sintomas mais graves, como insuficiência respiratória grave.

Felizmente para Júlia os sintomas foram leves e ela pode dar o primeiro de vários beijos e abraços em sua pequena Suzanne no dia 08 de novembro na Maternidade Pró-Matre, hospital da rede particular de São Paulo que ofereceu um acompanhamento e os cuidados necessários durante e após o parto. “É um alívio ver meu bebê bem e saudável, mas é inevitável ficar apreensiva diante de tantos casos, por isso, continuamos isolados mesmo depois de pouco mais de um ano de pandemia”, diz Júlia.

Júlia e seu esposo Neto ao lado da filha Suzanne, na maternidade Pró-Matre, na capital paulista (Foto: Arquivo pessoal)

Sem atenção médica, Shirley Neves Oliveira, de 31 anos, que descobriu a gravidez em fevereiro do ano passado, preferiu não se arriscar e optou pelo convênio médico depois de poucos meses com o pré-natal iniciado no Sistema Único de Saúde (SUS). “Como tive essa opção, eu não pensei duas vezes para trocar o atendimento durante minha gestação, o que de certa forma me deixou mais tranquila”, relata Shirley.

Na manhã do dia 20 de outubro de 2020 já internada na Maternidade do Instituto de Assistência ao Servidor Público Estadual (Iamspe), na capital paulista, as contrações por indução começaram e depois de algumas horas de trabalho de parto, às 19 horas, ela conheceu pela primeira vez Malcolm por meio do olhar cheio de lágrimas, o sorriso escondido atrás da máscara não pode ser evitado diante da emoção que estava vivendo.

A falta de afeto presencial de familiares e o medo de contrair o vírus impediram que a felicidade fosse completa. “Sempre gostei de viver rodeada de pessoas e o medo de ser contaminada fez eu e meu companheiro, evitar sair de casa e receber visitas, pensando na vida do serzinho que é luz em pleno caos em nossas vidas”, diz Shirley emocionada.

Para a psicóloga e psicanalista Anna Mehoudar, autora do livro “Da Gravidez aos Cuidados com o Bebê” e diretora do Grupo de Apoio à Maternidade e Paternidade (Gamp), a pandemia fez com que muitos casais se unissem para viver cada momento dessa nova fase juntos, já que, “com mais tempo em casa o pai principalmente foi tentando encontrar o seu papel e fazer parte da gravidez desde muito cedo, um fato que contribui para a relação harmoniosa na família”, explica.

Após horas em trabalho de parto, de máscara, Shirley se emociona ao conhecer Malcolm (Foto: Arquivo pessoal)

Sob a tensão frente à pandemia, a jornalista e autora do livro infantil “Mamá é da mamãe”, Giovanna Balogh, de 39 anos, driblou o estresse e o medo de entrar em um hospital ao optar pelo parto em casa, em Mogi das Cruzes, interior de São Paulo. Com acompanhamento de duas enfermeiras obstetras, Teresa chegou ao mundo no dia 08 de maio de 2020, às 14 horas, dentro de seu quarto e rodeada do amor que transbordava do coração dos pais e dos irmãos que estavam ansiosos por seu nascimento. 

Para a enfermeira obstetra e doula, Priscila Salvador, os partos domiciliares cresceram muito durante a pandemia, “acredito que o medo da contaminação fez com que muitas mães optarem por um parto em casa, antes perguntavam se parto domiciliar é um risco, depois da pandemia vão perguntar se parto hospitalar é um risco”, comenta.

Giovanna, no entanto, lamenta que sua mãe não tenha conseguido estar presente. “Quando eu tive meus dois outros filhos, minha mãe foi ficar comigo. Para a chegada de Teresa era um momento que eu tinha imaginado viver juntas, mas infelizmente não foi possível”, relata.

Os meses estão passando e para desbravar o mundo Pyetro, Rafaela, Suzanne, Malcolm e Teresa, assim como tantas outras crianças nascidas na pandemia ainda vão precisar esperar um tempinho fazendo um pedido: “Por amor, não venha me visitar”.

 

Orientação: Prof. Gilberto Roldão

Edição: Patrícia Neves


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