Destaque

Um jornalismo para superar preconceitos contra trans

Segundo repórter e especialista da comunicação Gabriel Belic, imprensa brasileira ainda é hostil ao lidar com o assunto

Por Letícia Almeida e Oscar Nucci

Um levantamento inédito realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que no Brasil, 1,9% da população – cerca de 4 milhões de pessoas – são transexuais. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), no ano de 2022 foram registradas 151 mortes de pessoas trans, sendo 131 delas por assassinato, tornando o Brasil, pelo 14o ano consecutivo, o país que mais mata pessoas trans no mundo.

Vítima de múltiplas violências estruturais e sistêmicas, essa parcela da população segue sendo sub representada na mídia de forma geral, inclusive  no jornalismo, que insiste em retratar suas vivências de forma negativamente estereotipada, dando ênfase em seu sofrimento e desrespeitando suas subjetividades. É comum que pessoas trans e travestis tenham seu nome e pronomes desrespeitados por jornalistas, além de serem retratadas como pessoas violentas e sem perspectivas, como conta Gabriel Belic, jornalista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e repórter do Estadão Verifica, núcleo de checagem do jornal O Estado de S. Paulo.

Gabriel é um homem trans e enxerga que de alguns anos para cá, tivemos uma melhora na cobertura de corpos dissidentes – que são aqueles que fogem da heterocisnormatividade e outros padrões estéticos impostos pela sociedade-   e pautas sociais no geral, incluindo a pauta trans, mas que falta representatividade de corpos dissidentes dentro do jornalismo, sobretudo, nos grandes conglomerados de mídia. Essa ausência de pessoas trans dentro das redações compromete a cobertura jornalística, visto que ninguém melhor do que elas mesmas para contar sobre suas vivências. “Enquanto a gente não estiver inserido na imprensa, no jornalismo, eu acho que essa representatividade da comunidade nunca vai ser o suficiente”, disse Gabriel.

Apesar da melhora, nota-se uma lentidão nos avanços. Ainda é possível encontrar matérias recentes que desrespeitam os pronomes de pessoas trans, além de não desenvolverem pautas que deveriam ser abordadas sobre esse grupo. Gabriel comenta que um grande equívoco cometido pela mídia, de modo geral, é olhar para a comunidade trans e enxergar nela uma parcela da população que está condenada a sofrer eternamente. “As pautas sobre os corpos trans são muito voltadas para esse olhar negativo, de como é uma comunidade sofrida, como essas pessoas são tristes, miseráveis porque vivem no corpo errado. Inclusive, a mídia foi muito responsável por criar essa narrativa de que pessoas trans nasceram no corpo errado. O que seria um corpo certo?”, analisa o jornalista.

Gabriel ainda comenta que esse reforço de estereótipos feito pela mídia contribui para a construção de uma imagem negativa das pessoas trans e travestis. Para ele, apesar dessas narrativas de sofrimento sensibilizarem muitas pessoas, elas não são as únicas existentes e é preciso mostrar isso. “A nossa vida não é só isso, a vida das pessoas trans não é só isso. As pessoas trans também são felizes, também são capazes de ter os seus empregos, de estudar, se formar na faculdade, fazer mestrado e doutorado. Eu acho que falta essa representatividade também, para que outras pessoas trans vejam e pensem que a vida também é possível para elas”.

Confira mais um trecho da entrevista com Gabriel Belic.

Christian Negrini é um DJ que não só trabalha pela região de Campinas, mas também é padrinho da Parada LGBT de Vinhedo. Conhecido como Cris Negrini, o DJ ainda tem o título de Mister Trans. Para ele, a mídia é responsável pela forma em que a sociedade vê não só as pessoas trans, mas a comunidade LGBTQIAP+ como um todo.

“Muitas vezes a mídia só mostra o que eles querem. Só mostram vivências nas quais eles pegam pedaços de argumentos e montam suas próprias histórias soltando na mídia para as pessoas verem. Falta espaço, faltam histórias de verdade”, comentou o DJ sobre a representatividade nas redações jornalísticas.

Veja mais um trecho da entrevista com Cris, no qual ele fala sobre a importância de o jornalismo brasileiro dar espaço para pessoas trans.

As pessoas que “acontecem de dia também”

Maura Âmbar é formada em Artes Visuais com extensão em Cinema e Filosofia. Ela também foi aluna do curso de pós-graduação da Unicamp na matéria “Introdução aos Estudos em Linguagens e Tecnologias”, onde produziu o artigo “A linguagem como reflexo social: A importância da linguagem e da tecnologia diante do não pertencimento social da pessoa LGBTQIA+”.

Sobre a imagem e a representação das pessoas trans na mídia, Maura reflete: “A gente sempre teve na mídia, na comunicação, a ideia da pessoa trans como um tabu, um mistério. Desde os jornalismos antigos, que mostravam travestis na rua. E, felizmente, isso vem evoluindo. Hoje você vê o bom jornalismo, que é pautado em ciência, entendendo a realidade da pessoa trans, da travesti, e trazendo informação ao invés de trazer como uma mística, como um ‘olha o que acontece a noite com essas pessoas’. Essas pessoas acontecem de dia também. Essas pessoas vão além da prostituição”.

A mulher trans que já dirigiu dois documentários e um curta metragem ainda ressaltou que apesar de existir um progresso no tratamento do jornalismo brasileiro com pessoas trans, saindo desse imaginário calcado na violência e prostituição, ainda há muito que se evoluir: “Tem muito o que progredir ainda, porque a gente tem muito jornalista que ainda está com a cabeça antiga de não entender o que é uma pessoa trans e difamar e acabar levando para um lado completamente intragável, quando a função do jornalismo é informar pautado em ética e ciência. Vejo progresso, mas acho que tem que progredir mais”.

Maura que também escreveu um livro infantil e é docente na Pós-graduação em Suicidologia: Prevenção e Posvenção, Processos Autodestrutivos e Luto da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, ainda comenta sobre o imaginário social que se tem sobre as pessoas trans: “Espero que esteja em desconstrução, porque ainda existe este imaginário de não pessoa, de que ela é uma não pessoa, que ela é um objeto de sexo, de showbusiness ou um objeto a ser descartado. Porque é uma vida que não deveria estar viva, como disse Judith Butler. Esse imaginário precisa ser pautado em ciência e informação de qualidade para que essas pessoas possam ser tratadas como seres humanos”.

Confira aqui mais um trecho da entrevista com Maura, em que ela fala sobre os impactos da falta de representatividade trans no jornalismo.

Entrevistas realizadas por Brener Pompeo, Oscar Nucci e Valdeiza Todero.
Edição e revisão: Caio Alexandre dos Santos Trabalho realizado sob orientação do Professor Artur Araujo.

Orientação: Prof. Artur Araújo 

Edição: Suelen Biason


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