Ciência
Técnica de edição genética cria bezerros com pelos curtos, melhorando bem-estar e adaptação da espécie ao clima tropical
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“controle”, bezerro que não foi editado. Nota-se a clara diferença na pelagem entre os
animais (Foto: Rubens Neiva-Embrapa)
Por: Pedro Rabetti e João Victor Fortunato.
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Pela primeira vez no Brasil e na América Latina, nasceram bezerros geneticamente editados por meio de uma técnica de alta precisão. O trabalho é fruto da colaboração entre a Embrapa e a Associação Brasileira de Angus, e tem como objetivo tornar o gado da raça Angus mais resistente ao calor, um desafio crescente nas regiões tropicais do país.
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A edição foi realizada com a técnica CRISPR/Cas9, conhecida como “melhoramento genético de precisão”. Trata-se de uma ferramenta inspirada em um sistema natural presente em bactérias, que funciona como uma tesoura genética guiada: ela é capaz de localizar um ponto específico do DNA e, ali, fazer alterações. No caso dos bezerros, os cientistas inseriram uma mutação que já existe naturalmente em raças de gado mais adaptadas ao calor.
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A alteração foi feita ainda no estágio embrionário, usando um processo chamado eletroporação de zigotos. Nessa etapa, aplicam-se pulsos elétricos muito leves sobre o embrião, o que permite que a ferramenta genética entre na célula e faça a edição necessária, sem causar danos.
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Por que mudar o gene do pelo?
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O gene editado é ligado ao receptor da prolactina, substância que, entre outras funções, influencia o tipo de pelo do animal. Com a mutação, os bezerros desenvolvem pelos mais curtos e lisos, facilitando a troca de calor com o ambiente e reduzindo os efeitos do calor intenso, como queda na fertilidade, menor ganho de peso e doenças.
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Dos cinco bezerros que nasceram, pelo menos dois apresentaram a mutação esperada. Segundo Luiz Sérgio de Almeida Camargo, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, exames confirmaram que a edição foi eficaz em mais de 90% dos folículos pilosos dos animais, resultando nos pelos curtos desejados.
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Edição genética é o mesmo que transgênico?
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Não. Enquanto o organismo transgênico recebe genes de outras espécies, a edição genética apenas modifica o material genético do próprio animal. No caso dos bezerros, não houve adição de material externo. A mutação foi inspirada em raças que já passaram por esse processo naturalmente, ao longo de gerações, em regiões quentes.
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A avaliação legal de cada caso é feita pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), que define se o organismo editado será tratado como transgênico ou não.
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Qual o impacto para a pecuária?
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Além de reduzir o sofrimento dos animais em regiões quentes, a técnica pode trazer melhorias significativas para a produtividade da carne de alta qualidade. A ideia é manter os atributos da raça Angus — como sabor e maciez — aliados à capacidade de suportar melhor as altas temperaturas do Brasil.
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Essa inovação também contribui para tornar a pecuária mais sustentável. Animais com maior bem-estar crescem mais saudáveis, têm melhores taxas reprodutivas e exigem menos recursos para se manter produtivos.
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O que será feito a seguir?
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Os cientistas agora vão acompanhar os bezerros ao longo de seu crescimento para verificar se a característica de resistência ao calor realmente se confirma em ambientes de alta temperatura. Também será avaliado se a mutação genética será passada para os filhos desses animais, o que indicaria que a alteração pode se espalhar de forma natural nos rebanhos.
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Outro aspecto importante será verificar se a edição ocorreu apenas no ponto desejado do DNA, sem alterações indesejadas em outras regiões do genoma.
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Quem participa do projeto?
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O projeto é conduzido por diversas unidades da Embrapa (Gado de Leite – MG, Gado de Corte – MS e Pecuária Sul – RS), com apoio de instituições como a Associação Brasileira de Angus e Ultrablack, CNPq, Fapemig, Sebrae e Casa Branca Agropastoril.
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Segundo Mateus Pivato, diretor-executivo da Associação Brasileira de Angus, a iniciativa posiciona o Brasil na liderança da biotecnologia agropecuária e responde à crescente demanda por práticas mais éticas, produtivas e adaptadas às mudanças climáticas.
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Edição: Nicole Heinrich
Orientação: Artur Araujo
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