Destaque
Ataques de quadrilhas na região pressionam custos das empresas e terminam chegando até o bolso do consumidor
.

.
Por Bianca Bernardes e Marcelo Chiconato
.
Campinas integra um dos principais polos logísticos e industriais do país. Localizada em posição estratégica no interior paulista, a cidade também faz parte de um problema crescente: o roubo de cargas nas estradas. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), a Região Metropolitana de Campinas (RMC) é a segunda mais afetada por esse tipo de crime no estado, atrás apenas da Grande São Paulo.
.
Embora muitas vezes tratados apenas como casos policiais, os roubos de carga têm consequências profundas para a economia regional. Um estudo publicado em 2023 na revista Journal of Transportation Security revelou que esse tipo de crime afeta diretamente o desempenho econômico das regiões atingidas. Os autores, Temidayo Aransiola, Vania Ceccatoe Luiz A. A. Pereira, analisaram estatísticas de criminalidade e indicadores econômicos em municípios paulistas entre 2001 e 2017, e comprovaram que o aumento dos roubos de carga leva à redução da atividade econômica local, especialmente no setor de serviços e comércio.
.
O estudo aplicou modelos matemáticos para mostrar que existe uma relação de causa e efeito: quanto mais frequentes os roubos, menor o crescimento econômico da região. Essa relação é chamada de cointegração, ou seja, os dois fenômenos caminham juntos ao longo do tempo. Entre as hipóteses testadas pelos pesquisadores está a de que o crime afasta investimentos e encarece a operação logística, o que impacta negativamente empresas e consumidores.
.
Esses dados se confirmam na prática. De acordo com a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística, mais de R$ 1,2 bilhão foram perdidos em roubos de carga no Brasil somente em 2024. Na RMC, os trechos mais visados incluem a Rodovia Anhanguera, além das rodovias Bandeirantes, Dom Pedro I e Santos Dumont.
.
Para o economista Pery Shikida, especialista em economia do crime, há múltiplos fatores que tornam o roubo de cargas uma atividade lucrativa para o crime organizado: “A decisão de migrar para o crime passa pela cobiça, mas também pela certeza da impunidade. Em alguns estados, a taxa de insucesso das quadrilhas é inferior a 5%, e os ganhos chegam a ser 13 vezes maiores do que no mercado legal.”
.

.
Na outra ponta, empresas do setor de transporte precisam investir pesadamente em segurança. Segundo Edson Roberto Beraldo, do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas de Campinas e Região (SINDICAMP), os gastos com segurança chegam a consumir até 15% do faturamento de algumas transportadoras. Isso inclui rastreadores, escoltas armadas, sensores, bloqueadores e centros de monitoramento. Mesmo com essa estrutura, dispositivos ilegais chamados jammers — que bloqueiam os sinais de rastreamento — dificultam a recuperação das cargas. “Esses custos acabam repassados ao consumidor”, explica Beraldo. Além disso, há aumento no valor dos seguros e restrições logísticas, como rotas obrigatórias, horários controlados e limitação de paradas.
.
Os reflexos são amplos: fabricantes perdem mercadorias, varejistas enfrentam desabastecimento e as seguradoras reduzem a cobertura para produtos de alto valor ou elevam os prêmios. O impacto chega ainda ao consumidor final, que paga mais por mercadorias em decorrência do risco embutido no frete.
.
Outro problema apontado por Shikida é o escoamento de produtos roubados para o mercado paralelo: “Quem compra muitas vezes sabe que o item é fruto de roubo, mas o preço mais baixo leva à conivência. Isso enfraquece o mercado formal e fragiliza a ética coletiva.”
.
Apesar de avanços como a implantação da muralha digital em Campinas — sistema de monitoramento por câmeras com leitura de placas — e o trabalho conjunto entre polícias e guardas municipais, especialistas consideram que medidas isoladas não bastam. “O Brasil precisa de uma política pública que trate o roubo de carga como crime econômico, e não apenas como caso de polícia. É preciso cruzar dados de segurança, transporte e economia para entender como o crime afeta a produtividade regional”, defende Shikida.
.
O estudo citado reforça essa necessidade: segundo os autores, o combate eficaz ao roubo de cargas depende de articulação intersetorial, responsabilização efetiva e políticas de prevenção baseadas em evidências econômicas.
.
Edição: Nicole Heinrich
Orientação: Artur Araujo
Veja mais matéria sobre Destaque

Como uma feira ajudou 7 mil mulheres a mudar suas vidas
Iniciativa busca ampliar renda, oferecer capacitação e dar visibilidade a mulheres em situação de vulnerabilidade social

Ataques em escolas são analisados em pesquisa da Unicamp
Pesquisa destaca existir uma forte ligação entre o sofrimento emocional, o discurso de ódio online e a violência extrema

Mercado de bebês reborns movimenta até US$ 350 milhões
Produção artesanal, polêmicas nas redes, lucros, projetos de lei e questões legais marcam o tema em Campinas e no Brasil.

Pesquisa científica encontra alternativa a agrotóxicos
Estratégia sustentável desenvolvida na Unesp e na Embrapa emprega inimigos naturais em lavouras de feijão,

Corpus Christi em Salto reúne fiéis em tradição e arte
A partir das 6h da manhã, fiéis das paróquias de Salto se reúnem para montar os tapetes coloridos que decoram o trajeto da procissão.

Parque dos Jacarandás é natureza convidando ao lazer
Parque em Santa Bárbara d’Oeste é um convite para sair de casa, se movimentar, respirar ar puro e aproveitar o que a cidade tem de melhor.