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Historiadores resgatam história oculta de Americana

Estudo feito por grupo de pesquisadores traz à tona informações do período escravocrata do município

Fazenda Salto Grande, conhecida como Casarão, sediada na cidade de Americana, fez parte do cenário escravocrata da cidade (Reprodução: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

Por: Giovanni Feltrin

A narrativa sobre a formação do núcleo urbano de Americana sempre foi muito difundida entre as pessoas e atrelada à imigração européia e norte-americana.

É através de um esforço colaborativo para iluminar os cantos obscuros da história do município, sobretudo do período rural e escravista, que o grupo autônomo Historiadores Independentes de Carioba (HIC) escreveu o livro “Americana-SP, uma história entre rios: das sesmarias a Salto Grande”. O lançamento aconteceu em agosto, na Câmara Municipal da cidade.

Composto por quatro membros – Elizabete Carla Guedes, Gabriela Simonetti Trevisan, Jefferson Luis Bocardi e Mariana Spaulucci Feltrin – o grupo HIC foi fundado em 2016 e, desde então, dedica-se à pesquisa sobre a história da região de Americana, com ênfase no período do século XIX, momento o qual imperava a escravidão e consolidava-se o núcleo rural no território atual da cidade. 

Grupo autônomo Historiadores Independentes de Carioba (HIC) se dedicou durante sete  anos em pesquisa sobre o século XIX (Foto: Giovanni Feltrin)

De acordo com Jefferson Luis, o livro, que levou cerca de sete anos para ser finalizado, surgiu a partir de alguns questionamentos sobre o fato de não existir um debate efetivo sobre os registros que contam a história do passado escravocrata de Americana. “Onde estão os sujeitos que foram silenciados na história de Americana? Eles não estão nas páginas da história oficial da cidade. Esse silenciamento é estratégico.

Assim como na história do Brasil, se escolheu não falar desses sujeitos que foram fundamentais para a construção do poder econômico de tantas famílias que, ainda hoje, vivenciam desse acúmulo de riquezas com o trabalho de pessoas que foram escravizadas. Falar de Salto Grande é trazer esses sujeitos à tona”, afirma o historiador.

A pesquisa feita tem como foco a Fazenda Salto Grande e revela discrepâncias que estão relacionadas à propriedade do local. Além disso, os historiadores abordam, de forma minuciosa, a acumulação de riqueza pelas famílias que eram proprietárias da fazenda e a exploração do trabalho escravo.

O livro também evidencia a heterogeneidade da população subjugada, apresentando uma nova perspectiva acerca da formação da cidade de Americana, de forma a preencher as lacunas existentes na história da cidade.

Livro reconta o passado escravocrata da cidade de Americana (Foto: Giovanni Feltrin)

Como base para os estudos, foram utilizados diversos arquivos e fontes históricas que, em sua grande maioria, estão armazenados no Centro de Memória Unicamp (CMU), devido ao fato de Americana ter feito parte de Campinas até 1924. O Arquivo Público do Estado de São Paulo, na capital paulista, também foi consultado. 

Jefferson Luis relata que em Americana nunca foi desenvolvido um trabalho que questionasse as imagens que foram produzidas sobre a cidade, e que esse foi um ponto trabalhado no livro. “As imagens não são meras ilustrações, nos livros de história a imagem fala muito, às vezes até mais do que o próprio texto”, afirma. A produção também conta com um mapa das sesmarias de Salto Grande e as fazendas ao seu redor, criado por Vanessa Mazzer.

Memória e política – A assinatura da Lei Áurea, realizada pela Princesa Isabel em 1888, significou o fim da utilização da mão de obra escrava no Brasil. Em termos práticos, porém, o que se sabe é que nunca existiu uma preocupação da monarquia brasileira em estabelecer políticas públicas que inserissem a população recém liberta ao mercado de trabalho tradicional, tampouco houveram iniciativas dedicadas a garantir a cidadania ao povo que nos mais de 200 anos anteriores foram reduzidos a condição de escravos. 

O reflexo da escravidão se perpetua nas estruturas sociais que, ainda hoje, seguem reproduzindo violências e silenciando a história daqueles que ajudaram a construir o país que conhecemos. “O que a gente percebeu foi um silenciamento e como houve a exclusão sistemática dessa população [negra], até dos ambientes de formação política, de cidadania, que é uma desigualdade que a gente encara até hoje. Se a gente olhar, por exemplo, para os cargos públicos em Americana, são pessoas quase todas brancas. Cadê essa representatividade? Porque tivemos uma população negra e temos uma população gigantesca na região e a gente tem uma sub-representação dessas pessoas nos cargos públicos e dentro da memória da cidade”, afirma Gabriela Trevisan, historiadora do grupo HIC.

Gabriela também relata que o município de Americana não está excluído do processo de escravização que aconteceu em âmbito nacional, porém, o tema é negligenciado na história da cidade. Como complemento, a pesquisadora reforça que, embora o historiador olhe para o passado, a preocupação dele sempre será com o presente.

Orientação: Profa. Rose Bars

Edição: Marina Fávaro


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