Cultura & Espetáculos

Cultura indígena resiste dentro do cenário urbano

Censo aponta que aproximadamente 380 mil nativos vivem em meio aos centros urbanos do Brasil

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Por: Alanis Ferreira

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No último festival de Gastronomia e Arte Indígena, realizado em março de 2022, no Espaço Cultural CIS Guanabara da Unicamp, os visitantes puderam conhecer a cultura de mais de 20 etnias indígenas e ter acesso a expressões culturais e venda de artefatos nativos. No entanto, na vida diária do povo indígena, a atenção não é voltada para a valorização da sua cultura e a preservação do que foi passado entre gerações é feita por nativos e etno-historiadores, muitas vezes sem apoio governamental.

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De acordo com o Censo 2010, existem cercas de 305 etnias indígenas no Brasil, e aproximadamente 380 mil vivem na área urbana. Nesse âmbito, o arqueólogo e historiador, Edson Luis, explica que o processo civilizatório, eventualmente, faz com que determinadas etnias percam sua identidade material e lingüística. “É como se o indígena se apropriasse de uma materialidade que não é da cultura dele para poder sobreviver”.

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Edson criou a galeria de artefatos indígenas Ameríndia, que preserva a arte de mais de 150 etnias, com a intenção de preservar a materialidade e trazer a história dos povos nativos. “Através do vestígio material, a gente sugere um padrão de comportamento e cotidiano, então as peças que tenho são carregadas de uma herança cultural muito grande”, afirma o arqueólogo.

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Os artefatos produzidos por esses povos ainda são um ponto de sobrevivência da cultura em meio à cidade e a venda desses materiais garante o sustento do coletivo e ponto de cultura EtnoCidade. De acordo com a indígena da etnia Guarani Mbya e presidente do coletivo, Lu Ahamy, o ponto de cultura tem a missão de dar acolhimento e apoio para o indígena em contexto urbano, sendo ele acadêmico, morador ou itinerante.  “Tem um choque de cultura quando o indígena chega em Campinas e o EtnoCidade faz essa ponte, fazendo o acompanhamento de estudantes, crianças, mulheres e pais”, afirma Lu Ahamy. O coletivo fica localizado na própria casa de Ahamy e essa é uma das dificuldades de mantê-lo, fato que também demonstra como a sobrevivência é feita pelos próprios povos que se unem.

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Foto: Alanis Ferreira
Lu Ahamy afirma que o preconceito é falta de conhecimento (Foto: Alanis Ferreira)

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“Através da organização pública, não conseguimos nenhum espaço público para o coletivo, mesmo que seja obrigatório. A lei diz que se houver certa quantidade de indígenas na cidade deve haver uma casa de acolhimento, mas ela não é cumprida”. A casa de Lu já chegou a abrigar 30 indígenas em situação de vulnerabilidade em relação ao meio urbano.

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A língua

A extinção das línguas originais também é um fator que contribui para a perda da cultura. “Para extinguir uma etnia não é necessário matar os indivíduos, é só separá-los. Eles não vão mais falar a língua, não vão mais viver nas terras tradicionais, vão se miscigenar com outros grupos, aí você mata a etnia, mas eles continuam vivos”, explica Edson Luis.

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Além dessa temática complexa não receber devida atenção, o ambiente da cidade também pode ser hostil e preconceituoso para a sobrevivência da cultura dos povos originários. “Não pode acender o petinguá porque parece algo ilícito, um amigo andando com o cocar foi abordado por “traficar animais”, professores torcem o nariz para a criança que não fala português, a gente percebe a intolerância, a discriminação”, ressalta Lu Ahamy.

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A população tem a tendência de mistificar a história indígena e olhar para a cultura como uma religião, o que desvaloriza toda a trajetória dos povos nativos. “Como seria um indígena contar como lenda a história de uma mulher que concebeu uma criança sem ser tocada fisicamente? Eu não tenho o direito de mistificar isso, então por que mistificam os nossos encantados?”, afirma Ahamy.

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Foto: Alanis Ferreira
A galeria de arte indígena Ameríndia recebe visitas de colecionadores e apreciadores da arte (Foto: Alanis Ferreira)

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A valorização da cultura indígena pode ir muito além da preservação de artefatos. A questão da visibilidade e do estudo sobre a diversidade brasileira favorece a quebra de paradigmas e preconceitos. O sociólogo e coreógrafo, Alessandro Oliveira, trabalha com o EtnoCidade para as manifestações artísticas dentro da cidade e afirma que ao compreenderem a forma de viver dos indígenas, entenderão formas brilhantes de organizar a vida. “Acho que no fundo, os indígenas têm na mão a chave da salvação do planeta. É burrice um órgão publico como a prefeitura ignorar a possibilidade de uma cidade ser pensada e investida com os pensamentos que os indígenas têm”, afirma o artista. No espaço urbano, a valorização se torna difícil desde a falta de reconhecimento dos povos existentes na cidade.

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Para a quebra de equívocos e estereótipos, é necessário o conhecimento e formas de acesso à cultura, como museus, memoriais e acervos. Lu Ahamy lembra que trazer a presença indígena em espaços educacionais é essencial para a ressignificação e construção de uma nova visão sobre os valores e a essência da cultura indígena. “A importância das expressões culturais é a visibilidade, o direito sobre respeito e convivência dentro do contexto urbano. Porque eu não vou deixar de ser indígena pelas pessoas, isso é a importância.”

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Orientação e edição: Prof. Adauto Molck

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