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Ensinar crianças a plantar é chave para consumo consciente

Especialista Leila Oliveira alerta para importância de se conhecer a origem dos alimentos                                                                                                           

Por: Fernanda Machado

A pedagoga e pesquisadora Leila Oliveira: “relação com o alimento e com a terra tornariam as crianças mais responsáveis no futuro” (Crédito: Arquivo pessoal)

“As crianças estão cada vez mais afastadas da natureza, não aprendem a plantar, cuidar e regar, elas estudam ética e preservação ambiental só no campo teórico, nas salas de aula, quando, na realidade, a relação com o alimento e com a terra as tornariam adultos mais responsáveis no futuro”, explicou a pedagoga e pesquisadora Leila Oliveira Costa ao apontar a necessidade de mudanças nos paradigmas do modo de consumo na sociedade contemporânea. Segundo ela, as ações deveriam partir das escolas com a implantação de unidades agrícolas. “Estamos condicionados a obter os alimentos facilmente no supermercado, mas, aqui no Brasil, é possível estimular nossas crianças a produzirem seus próprios alimentos e assim despertar uma consciência relativa aos hábitos alimentares”.

De acordo com o Panorama Regional da Alimentação e Segurança Nutricional na América Latina e Caribe 2020, um estudo conduzido por várias agências vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU) – incluindo a Alimentação e Agricultura (FAO – em inglês Food and Agriculture Organization) –, o número de pessoas ameaçadas pela insegurança alimentar em algum grau tem crescido na América Latina. Em 2019, cerca de 191 milhões eram afetados por uma insegurança moderada ou severa, aproximadamente um terço da população. O baixo crescimento alcança 27,6% nos territórios mais atrasados da região, enquanto o sobrepeso infantil médio é de 7,6%, valor acima da média global, que é de 5,6%. No caso do Brasil, a região Sul do país é a que apresenta os maiores índices, com 7,87%.

 

Da infância para a vida inteira

Para a pedagoga Leila, que é mestre e especialista em Educação de 0 a 3 anos, a subnutrição impacta na saúde e na aprendizagem como um todo. “Os primeiros anos de vida são a base do que seremos depois, então é importante que a criança consuma alimentos ricos em proteínas, vitaminas e sais minerais, pois eles atuam no desenvolvimento cognitivo”. Além disso, a pesquisadora afirma que uma alimentação adequada contribui para um bom funcionamento do cérebro, sendo responsável por substâncias que atuam, por exemplo, na formação da mielina, importante elemento do sistema nervoso.

Segundo Leila, que estuda alimentação há 12 anos, uma outra questão decorrente dos maus hábitos alimentares é o adoecimento precoce da população. “O jovem infarta cada vez mais cedo, entre 18 e 21 anos, também há uma grande probabilidade de desenvolver problemas como diabetes, obesidade, anorexia e bulimia”, ponderou ao analisar os desdobramentos causados pela subnutrição. “É uma questão que impacta desde o sistema educacional, com alunos que desenvolvem dificuldades para aprender, até a saúde pública, aumentando gastos com medicamentos e sobrecarregando hospitais. Portanto, é um problema estrutural que atinge toda a economia do país”, explicou.

Ainda no que diz respeito a aspectos financeiros, a pedagoga – que coordenou projetos junto à Fundação FEAC, em Campinas – observa que não existe necessariamente uma associação direta entre pobreza e subnutrição. “Há uma relação muito forte entre a fisiologia e a questão afetiva e cognitiva. Não basta investir na qualidade da comida, é preciso olhar a maneira e o cuidado com que o alimento é oferecido e a criança come. A subnutrição é um fenômeno humano da geração moderna e não tem classe social, os alimentos processados e ultraprocessados passaram a fazer parte da nossa dieta. Em alguns lugares, crianças pobres comem até melhor que as ricas”, concluiu.

 

A valorização de alimentos não-saudáveis e o poder da propaganda 

“Uma alimentação boa não é necessariamente uma alimentação cara”. É o que afirma a pediatra Dra. Cristiane Florentino de Souza, ao ressaltar que existem possibilidades em relação às escolhas que uma família faz na hora de ir ao supermercado. Segundo a médica, que atende na Unidade Básica de Saúde Jardim Amélia Quintal, em Paulínia-SP, as necessidades de carboidratos e proteína vegetal podem ser supridas pelos alimentos contidos nas cestas básicas.

A pediatra Dra. Cristiane Florentino: “é possível comer bem sem gastar tanto dinheiro” (Crédito: Arquivo pessoal)

Pós-graduada na Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), Cristiane critica o fato de a mídia brasileira veicular pouca ou nenhuma propaganda de alimentos naturais, o que influencia diretamente no nosso comportamento em relação às preferências por produtos processados. Para ela, seriam fundamentais políticas públicas no sentido de divulgar conteúdos que valorizem e expliquem a importância de uma alimentação saudável, além de mostrar que é possível comer bem sem gastar tanto dinheiro.

De acordo com a pediatra, existem famílias que priorizam determinado tipo de alimento em detrimento de outros. “O pai assiste o comercial do iogurte infantil cheio de elementos químicos e acha que ele equivale a um bife, porque na embalagem está escrito que é enriquecido com tal vitamina ou mineral”, disse. Cristiane acredita que esses produtos industrializados, repletos de carboidratos, podem ser trocados por alimentos simples, mais baratos e saudáveis.

Outra questão ligada aos meios de comunicação é que eles ditam o ritmo de uma sociedade ao moldar seus costumes. Quando nos “vendem” os alimentos ultraprocessados, o produto principal é a praticidade. “Não precisa cozinhar em casa, basta abrir o pacote. E isso concilia com as nossas rotinas diárias e com o tipo de trabalho que as pessoas estão envolvidas”, analisou Leila Oliveira.

 

Os impactos da pandemia na alimentação das crianças

Responsável pelo fechamento das escolas em março de 2020, a pandemia do novo coronavírus atingiu drasticamente a rotina de crianças e adolescentes no Brasil. A pediatra Dra. Cristiane Florentino de Souza observou um aumento tanto de casos de obesidade infantil em famílias que não conseguiram manter uma rotina saudável de sono e alimentação, quanto de casos de perdas de peso ponderal acima da média. “A situação de algumas famílias vulneráveis, principalmente as que tinham as escolas e creches como único ponto de apoio, se agravou muito com a pandemia”, explicou.

Embora grande parte dos alunos, muitas vezes, tivessem no ambiente escolar suas únicas refeições diárias, a psicóloga Leila Oliveira acredita que a alimentação oferecida às crianças não é completamente adequada. “Elas comem sempre os mesmos produtos, a mesma bolacha e a mesma maçã. Não têm acesso a uma variedade de alimentos, nas creches aqui em Campinas ocorre muito essa monotonia alimentar.” Outro agravante em relação ao cardápio – segundo Leila – é a presença recorrente de embutidos, como salsicha, além de produtos industrializados à base de maizena e farinha de trigo. “No Brasil, a refeição escolar não é vista como política pública, ela é feita para matar a fome e não para nutrir. Eu já vi várias licitações que só focam o preço, sem levar em conta o preparo dos alimentos ou os nutrientes. Isso diz muito sobre a forma como vemos essa questão da nutrição infantil”, criticou.

 

A alimentação infantil nas escolas públicas

De acordo com a nutricionista Fernanda Feltrin, toda merenda escolar servida no país deve seguir as diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – que é vinculado ao Ministério da Educação (MEC) – cujas recomendações buscam restringir a oferta de alimentos processados, ricos em açúcares, gorduras e sal. “O PNAE impõe um limite para a aquisição de enlatados, embutidos, doces e outras preparações semi-prontas ou prontas para o consumo”, disse. Além disso, a Lei nº 11.947, de 16/6/2009, estabeleceu que 30% do valor repassado pelo PNAE às escolas deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar, estimulando o desenvolvimento econômico e sustentável das comunidades locais.

A nutricionista Fernanda Feltrin: “alimentos construtores e energéticos devem estar presentes na fase de crescimento e desenvolvimento” (Crédito: Arquivo pessoal)

Quando questionada a respeito da qualidade das refeições, Fernanda, que trabalha há três anos na merenda escolar estadual de São Paulo, afirmou que elas têm um excelente valor nutricional. “O que acontece às vezes é chegar alimentos que os alunos não costumam comer em casa, como ervilha, lentilha, atum, sardinha e arroz integral. A dificuldade em elaborar o cardápio é no sentido de agradar o paladar dos estudantes”, explicou. Mestranda em Ciências da Nutrição e do Esporte pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernanda ressaltou as diferenças entre as necessidades nutricionais de crianças e adolescentes em relação aos adultos. “Nessa fase de crescimento e desenvolvimento, alimentos construtores e energéticos devem estar mais presentes na dieta”, pontuou.

Durante os períodos mais críticos da pandemia, em que as escolas permaneceram fechadas, a nutricionista, que mora e trabalha em Limeira-SP, observou alguns fatos em desconformidade com as normas vigentes. “Na merenda municipal, foram distribuídos kits contendo carnes congeladas, frutas, legumes, arroz, feijão e sucos industrializados, em caixinhas de 200 ml, o que não ocorre na rede estadual, pois não recebemos esse tipo de produto”, comentou.

Para a Dra. Cristiane Florentino de Souza, uma das consequências mais graves da pandemia foi a suspensão do funcionamento de mecanismos protetivos das crianças, como o Bolsa Família. “Era um benefício concedido aos pais da criança que ia pra escola. Agora, esta criança não está sendo mais vista. Será que ela não está sendo negligenciada?”, questionou ao criticar medidas de governo e legisladores na gestão da crise sanitária e econômica. “O Brasil tem uma disparidade econômica muito grande, os responsáveis pela administração pública não têm nenhuma noção da realidade em que essas famílias mais necessitadas vivem”, analisou.

Segundo Fernanda Feltrin, o governo federal poderia implementar políticas públicas por meio do PNAE, estimulando a integração de temas voltados à promoção de atividades educativas em alimentação e nutrição. “Na prática, o programa é utilizado somente para o fornecimento da merenda, cada escola trabalha de sua própria maneira e há pouca discussão sobre esses temas”, observou. Nesse sentido, Leila Oliveira reitera a necessidade e a importância da readequação de alguns costumes. “Hoje a agricultura familiar vem crescendo, em algumas instituições as crianças cultivam hortas em vasos e levam frutas e hortaliças para casa. É uma política que traz uma possibilidade não só de assistência social, mas também um caminho para nos reaproximar de nossas origens. Com esse processo mais humanizado, podemos conhecer melhor o alimento que comemos”, concluiu.

 

Orientação: Profa. Cyntia Andretta

Edição: Leonardo Fernandes


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