Ciência
Estratégia sustentável desenvolvida na Unesp e na Embrapa emprega inimigos naturais em lavouras de feijão, soja e algodão
Por Daniel Rosa e João Pedro Pocciotti

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil).
Uma pesquisa realizada por Laísy Bertanha, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), com orientação do pesquisador Wagner Bettiol, da Embrapa Meio Ambiente, identificou fungos do solo capazes de eliminar completamente o mofo-branco em testes de laboratório. A doença, causada pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum, é uma das mais graves em cultivos como feijão, soja e algodão, podendo provocar perdas de até 70% na produção.
O destaque do estudo foi a eficácia de duas espécies do gênero Trichoderma: Trichoderma yunnanense e Trichoderma dorotheae. Em laboratório, essas espécies conseguiram inibir até 100% a germinação do patógeno. Isso significa que, sob condições controladas, esses fungos impediram o mofo-branco de se desenvolver, o que abre caminho para o uso de biodefensivos naturais no lugar de fungicidas químicos tradicionais.
Hoje, o combate ao mofo-branco depende principalmente de produtos químicos caros e com impacto ambiental. A descoberta oferece uma alternativa sustentável, baseada em microrganismos que já vivem no solo e atuam como inimigos naturais do fungo causador da doença.
Como foi feita a pesquisa?
A pesquisadora coletou escleródios (estruturas de sobrevivência do fungo) do solo e de hastes de plantas de feijão em uma fazenda de cultivo orgânico. Esses escleródios foram colocados em sacos de tecido e enterrados em diferentes áreas da fazenda: lavouras de milho e feijão, um bambuzal, um pomar e uma mata. Após um mês, os escleródios foram recolhidos e analisados em laboratório.
Os fungos que cresceram sobre os escleródios foram isolados e cultivados em placas de Petri com meio de cultura específico. Desses isolamentos, surgiram as cepas de Trichoderma com maior potencial de combate ao mofo-branco.
“O maior desafio foi garantir que todos os isolados estivessem nas mesmas condições para que os resultados fossem comparáveis”, explica Bertanha. “Às vezes, era necessário repetir os testes para obter a concentração ideal de cada fungo. A padronização foi essencial.”
E agora?
Embora os resultados laboratoriais tenham sido promissores, a pesquisa ainda não foi testada em campo. As cepas estão armazenadas, aguardando novos projetos que permitam a continuidade do trabalho. Os próximos passos devem incluir experimentos em condições reais de lavoura e o desenvolvimento de formulações comerciais para aplicação em sementes, pulverização ou fertirrigação.
Segundo Bertanha, o uso de bioinsumos como o Trichoderma já é uma realidade em muitas propriedades rurais. “Na fazenda onde trabalho, vemos como esses fungos podem reduzir a necessidade de produtos químicos. Muitos produtores ainda têm dúvidas, mas os resultados são animadores”, comenta.
Além de combater o fungo, os Trichoderma selecionados atuam na redução da produção de ácido oxálico, substância essencial para que o mofo-branco ataque as plantas com eficiência. Ao bloquear esse processo, o fungo perde a capacidade de causar infecções severas.
Por que isso importa?
O Brasil é um dos líderes mundiais na produção de alimentos e, ao mesmo tempo, na pesquisa de alternativas sustentáveis para o campo. O uso de biodefensivos, como os derivados de Trichoderma, pode reduzir a contaminação ambiental, os custos de produção e a resistência dos patógenos aos defensivos químicos.
Com o avanço do mercado de bioinsumos no país, que cresceu 67% entre 2021 e 2022, pesquisas como essa reforçam o papel do Brasil na agricultura de baixo impacto e na promoção da saúde dos solos.




Edição: Nicole Heinrich
Orientação: Artur Araujo
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