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Valeska Zanello fala de relações e cultura contemporânea

No terceiro episódio da série, a pesquisadora aborda a diferença do amor entre os gêneros

Por: Giovana Perianez e Laura de Matos Penariol

Nesta quinta-feira (18), no Café Filosófico, Valeska Maria Zanello de Loyola que é psicóloga e filósofa, graduada pela Universidade de Brasília, deu continuidade na série sobre o amor contemporâneo. Tema dos encontros ocorridos durante o mês de abril no Instituto CPFL, os relacionamentos são mais uma vez o foco. Assim, a pensadora desenvolve a questão de gênero nesse cenário com o enunciado “A lógica da prateleira do amor: gênero e emoções”.

A palestrante começa questionando de forma retórica o motivo das mulheres sofrerem tanto quando a questão é o amor. A partir do momento que estão dentro de um relacionamento, reclamam que se doam muito e recebem pouco e quando solteiras sofrem pela sensação de desinteresse. Já os homens passam por casos em que a força de trabalho e a quantidade de relações ou dinheiro, é o que ocupa uma posição central em suas vidas.

“As emoções não são aleatórias, elas fazem a gente ser parte de uma comunidade”

Para Valeska Zanello, as emoções são formadas e modeladas conforme a cultura que o indivíduo está inserido. Então, é preciso analisar o contexto social e histórico de uma sociedade para se entender os motivos das relações se darem daquela determinada maneira. No Brasil, como há propensão ao sexismo e o racismo por conta de um passado colonial, os moldes dos relacionamentos se dão por meio dessas referências.

A prateleira do amor, termo pensado por ela, ilustra como os valores e costumes moldam as interações entre homens e mulheres ao escolher e serem escolhidos. A psicóloga comparou isso ao ato de selecionar produtos em uma prateleira de supermercado, onde os itens mais à frente, geralmente, são os primeiros escolhidos. Com isso, ela afirma que há uma busca pela validação de sempre estar na frente e ser a primeira escolha.

Para ela o conceito de gênero, além de uma construção cultural, também promove efeitos sociais de forma afetiva, econômica e social. Com a Revolução Francesa e a produção do contrato social, já é claro para a filósofa que há uma formação de desigualdade entre os sexos, uma vez que as mulheres não foram inseridas na ideia de igualdade. Assim, o capitalismo entra em cena se apoiando na ideia de “ordem natural” para justificar o patriarcado, com a noção de mulheres serem naturalmente mães e donas de casa.

“Existem roteiros culturais historicamente construídos que te dizem como você deve performar como homem ou como mulher” ponderou. Ou seja, as pessoas desde que nascem vão aprendendo um ideal de como ser do jeito que se espera, como entrar no jogo comportamental do seu gênero, e com a repetição disso há uma incorporação de uma pedagogia afetiva.

A palestrante explica que esses ensinamentos são transmitidos através do que ela denomina como “tecnologias de gênero”, um conceito desenvolvido pela autora italiana Teresa de Lauretis. Essas tecnologias referem-se a produtos culturais, como livros, filmes, jornais e propagandas, que influenciam na construção das diferenças mencionadas. Para exemplificar, ela menciona o filme “A Bela e a Fera”.Parte superior do formulário

Ela diz que a produção cinematográfica reforça a ideia da mulher consertando o homem, transformando um mostro em um príncipe encantado. Então, a narrativa que se cria é sempre a menina, meiga e compreensiva se esforçando para entender e reparar as grosserias e os defeitos do masculino. Dinâmica a qual se reflete em muitos relacionamentos reais.

Retomando o conceito da prateleira do amor, Valeska explica que a posição dentro desse jogo é organizada conforme um ideal estético. Para ela, essa idealização construída ao longo dos séculos é racista, gordofobica e etarista. E uma vez que isso determina a autoestima e o valor de uma mulher, então há uma profunda diferença dentro do próprio gênero feminino.

Como “ser escolhida” remete ao sentimento de sucesso, essa dinâmica leva a uma rivalidade feminina. Quem lucra com isso são os homens, pois eles acabam achando que essa disputa é motivada pelo que eles são, sendo que na verdade tem a ver com a sensação de escolha. Com isso, os egos masculinos crescem e a objetificação feminina também.

Para a psicóloga essa é uma das portas de entrada para relacionamentos abusivos, já que o impacto de ir para o “fundo da prateleira” leva a fantasia do homem como salvador. Dessa forma, muitas mulheres se casam pensando no que aquele homem pode vir a se tornar. “Ele é grosso de vez em quando, mas vai mudar, ou ele fica em silêncio depois de uma briga, mas ele vai amadurecer e se comunicar” ponderou como exemplos.

Valeska afirma que enquanto as mulheres investem suas vidas nas relações e na família, os homens investem nos seus projetos pessoais. Ou seja, tornar-se mulher é ter empatia, enquanto tornar-se homem é o exercício de um ego centramento. A palestrante alude essa pedagogia trazendo o cenário de uma família no Natal, onde os filhos jogam videogame na sala enquanto as meninas são chamadas para cuidar da bagunça do jantar.

Mais uma noção trazida pela filosofa é a da coletividade masculina. Ela diz que há um senso de cumplicidade entre eles, mesmo quando há questões de traição, exposição ou até quando ocorre um crime por parte de colegas. Os homens tendem a não querer se posicionar, explicou.

“Quem avalia as mulheres são os homens, mas quem avalia os homens são eles próprios” refletiu a psicóloga. Assim, para acabar com essa misoginia é necessário que os próprios indivíduos do sexo masculino parem para refletir sobre o tema. E por fim, eliminem essas pedagogias de gênero que são passadas para seus filhos, já que acabam fazendo isso mesmo que não concordem.

Orientação: Prof. Gilberto Roldão

Edição: Giovanna Sottero


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