Saúde
Para Vandressa Vieira, advogada especialista em direito médico, modalidade é também uma violência de gênero
Por: Beatriz dos Santos Caseli e Bianca Bernardes
Uma agressão com nome, mas sem tipificação jurídica: a violência obstétrica atinge, segundo dados de 2010 da fundação Perseu Abramo, uma em cada quatro brasileiras grávidas no país. A psicóloga perinatal Cássia Barbieri foi uma delas.
Com 39 semanas de gestação, em 2017, ela foi submetida a uma episiotomia (corte no períneo, a área entre a vagina e o ânus, para ampliar a passagem do bebê), teve o parceiro excluído do trabalho de parto e foi colocada, contra a sua vontade, na posição ginecológica para dar à luz. As situações trouxeram diversos traumas, além de dores e desconfortos causados pela episiotomia, que se prolongaram por semanas. Ela só se deu conta da violência sofrida no final do ano passado, após a divulgação do caso da influenciadora digital Shantal Verdelho.
Na definição da advogada especialista em direito médico, Vandressa Vieira, a violência obstétrica é uma violência de gênero, uma vez que apenas mulheres a sofrem, e que se caracteriza pela falta de atendimento ideal no processo gestacional, de parturição e do pós-parto. Ela ainda acrescenta que a violência pode ser dos tipos verbal, através de xingamentos e humilhações, física, através da realização de procedimentos sem o consentimento da gestante, ou psicológica, que na opinião dela, está sempre presente devido à vulnerabilidade emocional da parturiente.
Alguns exemplos de violência obstétrica são:
- Maus tratos, xingamentos e humilhações
- Proibição da entrada de acompanhante (fere a Lei 11.108/2005)
- Uso de soro com ocitocina sintética (o famoso ‘sorinho’) para acelerar o trabalho de parto por conveniência médica
- Manobra de Kristeller (procedimento banido pela OMS em que o profissional pressiona a barriga da mulher para empurrar o bebê e facilitar a sua saída)
- Episiotomia (incisão no períneo -área entre a vagina e o ânus- que visa ampliar canal de parto), considerada na maioria dos casos desnecessária
- Realização indiscriminada de cesarianas
- Deixar a mulher nua e sem comunicação
- Não permitir que a mulher escolha a posição que deseja parir
- Negar o tratamento durante o parto
A dificuldade enfrentada pela psicóloga na identificação da violência obstétrica não é nenhuma novidade já que, no Brasil, a falta de conhecimento sobre o parto é um problema recorrente e, de acordo com Vandressa, essa é a única forma possível de se reconhecer o abuso ou os indícios de que ele pode vir a ocorrer. Por isso, conhecer as intervenções que podem ser realizadas, as suas indicações, os seus efeitos adversos e a opinião de órgãos médicos, como a Organização Mundial de Saúde, é fundamental para a identificação do problema, podendo inclusive preveni-lo.
“As gestantes estão muito preocupadas com o enxoval, com a escolha de maternidades hoteleiras, ao invés de se munirem de informações que são capazes de combater a violência obstétrica”, descreve a advogada, que também defende a execução de um plano de parto após o estudo da gestante.
De acordo com a doula Yohanna Cordeiro, profissional que se dedica à prestação de apoio físico e moral à mãe durante a parturição, o plano de parto é muito mais que um documento com validade jurídica de pacto entre equipe, instituição e família. Para ela, ele é “uma ferramenta essencial de estudo para que aquela mãe e acompanhante se preparem para os possíveis cenários e decisões que podem emergir”. Assim, além da mulher se preparar psicologicamente para as possíveis intercorrências que podem acontecer, ela se previne de procedimentos desnecessários e contra o seu desejo, mesmo em cenários alternativos.
No que diz respeito à parte jurídica, Vandressa afirma que é possível entrar com processo judicial, ainda que não exista uma lei federal para o assunto. Isso porque a existência de leis estaduais, municipais e gerais é capaz de amparar o processo tanto na esfera cível, quanto na criminal, o que é fundamental para o combate e debate sobre o problema. Ela ainda reforça a importância da composição do plano de parto para a anexação no processo, haja vista a sua validade jurídica.
Mas ainda que a ação judicial seja capaz de trazer algum conforto à mulher violentada, a superação das sequelas emocionais é uma caminhada árdua, podendo inclusive passar pela temida depressão pós-parto. Nesse sentido, como psicóloga perinatal, Cássia afirma que o desenvolvimento do quadro depressivo após a exposição à violência é extremamente comum, já que, devido às alterações hormonais, a puérpera se encontra vulnerável e tomada por estresse, ansiedade, medo e tristeza trazidos pela mudança de vida provocada pelo bebê. Desse modo, a chegada de uma tristeza nesse momento, ainda mais associada ao bebê, cria um cenário propício para o desenvolvimento da depressão.
Por isso, a psicóloga afirma que é importante que a rede de apoio da mãe, como por exemplo a família, esteja atenta às mudanças psicológicas sofridas por ela para que, caso necessário, ela seja encaminhada a um psicólogo.
Por fim, é de extrema importância que a mulher tenha informações o suficiente para se identificar como vítima da violência ou não. Reconhecer a necessidade do acompanhante, realizar o plano de parto e obter conhecimento da lei que ampara a mulher é significativo no combate a esta violência, ainda muito comum no Brasil.
Em caso de violência exija a cópia do prontuário junto à instituição em que foi atendida para realizar a denúncia.
Canais de denúncia:
- Secretarias de Saúde
- ANS – Agência Nacional de Saúde
- Ligue 180
- Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM) Rua Boa Vista, 103, 10º andar – CEP 01014-000 – Centro, São Paulo, SP. Telefone: 3101-0155 ramal 233/238
Orientação e edição: Prof. Artur Araujo
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