Destaque
Violência contra a mulher no meio acadêmico é pauta prioritária para coletivos na PUC-Campinas e Unicamp
Por Aline Nascimento e Guilherme Frezzarin
Comissões, coletivos e atléticas universitárias de Campinas estão organizadas para combater a violência contra a mulher nas festas, trotes e atividades acadêmicas, que devem retornar gradativamente a partir de fevereiro de 2022, com as aulas presenciais. Líderes e membros de organizações estudantis apontam que a ampliação do número de estudantes mulheres e o crescimento de frentes feministas dentro do meio estudantil é determinante no combate aos assédios e abusos dentro das universidades.
Uma pesquisa realizada pelo Data Popular e Instituto Avon, em 2015, apontou que 42% das estudantes entrevistadas já sentiram medo de sofrer violência no ambiente universitário, e 36% já deixaram de fazer alguma atividade na universidade por medo de sofrer violência. Também em 2015 foi instaurado pelo estado de São Paulo uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a partir de denúncias de violações e agressões direcionadas especificamente às mulheres e aos homossexuais, em sete universidades paulistas, entre elas, a Unicamp e a PUC-Campinas. A investigação colheu cerca de nove mil relatos e documentos de denúncia.
Diante disso, em 2013 foi criada a Comissão Acolhedora da Liga das Engenharias da Unicamp em função da quantidade exorbitante de trotes de teor machista sofridos pelas estudantes, dentro dos cursos de engenharia. O estopim para a criação do grupo foi a agressão sofrida por uma aluna em uma festa, após não corresponder às investidas de outro estudante. Oito anos depois, a violência de gênero no ambiente universitário ainda é uma preocupação para as estudantes campineiras.
Amanda Calixto, membro da Comissão Acolhedora (CA) da Unicamp desde 2016, explica que o grupo atua dentro de um ambiente onde há a predominância de homens, que expressa uma cultura machista e patriarcal, até mesmo nas salas de aulas. “Levou um tempo para que as vozes femininas pudessem ser de fato ouvidas e respeitadas, mas ainda temos a tentativa de silenciamento de muitos casos”, conta a integrante.
Reconhecendo a necessidade do protagonismo feminino, a Atlética Comunica Puccamp tem uma diretoria composta majoritariamente por mulheres. Beatriz Torres, presidente da Comunica Puccamp, acredita que isso faz as mulheres se sentirem mais confortáveis, e que o respeito e inclusão são pilares importantes dentro do grupo. “Nossos membros estão cientes que, para fazer parte [do grupo], precisam agir assim e que todos precisam sentir-se bem dentro do nosso espaço. É uma prioridade nossa”, reitera Beatriz. A Comunica Puccamp se posiciona ativamente para solucionar e acolher alunas em qualquer situação de assédio ou violência, colocando-se disponível e sendo um ponto de acolhimento e ajuda.
Beatriz afirma que a melhor forma de combater o assédio é a prevenção e por isso a Comunica promove eventos que têm como objetivo alertar as mulheres e minimizar casos de violência. Campanhas nas redes sociais e rodas de conversa com especialistas são alguns dos eventos que procuram trazer informação e conscientização às pessoas “para que não se precise lidar com os efeitos quando a situação já ocorreu”, explica.
Além de instalar avisos de conscientização sobre o assédio ao redor do espaço do evento, a Comunica tem uma ação mais incisiva. “Nós temos a chamada ‘bata rosa’. Alguns de nossos membros rodam a festa caracterizados por uma cor diferente e são pontos de apoio para as pessoas que possam sofrer qualquer tipo de assédio, violência ou preconceito ao longo do evento”, conta a presidente. Ela também afirma que essa é uma prática antiga, mas eficaz. “Nosso público já entende que qualquer coisa fora dos trilhos pode acionar essas pessoas”.
Ações
Segundo o Instituto Avon, 67% das estudantes entrevistadas em 2015 afirmaram ter sofrido algum tipo de violência praticada por um homem no ambiente universitário. Andressa Gabrieli, 24 anos, faz parte da coordenação do “MUDA”, coletivo feminista da Faculdade de Medicina da Unicamp, e aponta que essas violências ainda estão no cotidiano das alunas, mas percebe uma melhora no cenário nos últimos anos, desde a realização da pesquisa. “Ao decorrer dos anos, acredito que as mulheres foram deixando de ter tanto receio em realizar denúncias e foram percebendo que somos mais fortes quando estamos unidas”, aponta Andressa.
A violência de gênero dentro das universidades explicita um caráter estrutural, na opinião de Andressa. Segundo ela, os assédios nos jogos universitários e festas que englobam mais de uma universidade muitas vezes são consolidados pela rivalidade entre as faculdades. “Acham [os homens] que por ser de uma faculdade rival, isso dá o direito de assediar mulheres que são da rival”, conta a estudante. Ela explica que frequentemente o assédio ocorre de forma verbal, como nos hinos e gritos de guerra que as turmas cantam como provocação à outra.
Além disso, Amanda conta que desde que passou a fazer parte da Comissão Acolhedora da Liga das Engenharias, a quantidade de relatos de alunas que sofreram abuso enquanto estavam alcoolizadas é imensa. “Perdi a conta”, explica a estudante. De acordo com o Instituto Avon (2015), para 27% dos estudantes homens entrevistados, não é violência abusar de uma garota se ela estiver alcoolizada. Apesar disso, a integrante aponta que desde a atuação da CA, o número de casos semelhantes caiu disparadamente.
Andressa Gabrieli reitera que, quando em uma faculdade há predominância masculina, nela as mulheres estão mais vulneráveis. Contudo, a estudante afirma que a diferença entre gêneros dentro da Faculdade de Medicina da Unicamp, onde a MUDA atua, diminuiu consideravelmente ao longo dos anos. “Penso que para as antigas alunas a graduação era bem mais difícil, mas hoje em dia já somos quase metade do curso e o corpo docente já não é mais composto apenas por homens”, conta. Confirmando o cenário, Amanda afirma que nas engenharias o número de mulheres atingiu um crescimento expressivo. “Parte dos cursos atingiram quase 50% ou mais de alunas que se identificam como mulheres”, explica.
A Comissão de Acolhimento da Liga das Engenharias da Unicamp também procura promover a conscientização por meio de rodas de conversa junto às atléticas pertencentes às engenharias. Além disso, quando há um evento, a Comissão reforça a divulgação para a não tolerância a atos opressivos e de assédio e também alinha a conduta com toda a equipe de segurança.
Também a CA recebe relatos das vítimas nos eventos, onde membros da Comissão ficam em tendas de acolhimento à disposição e por meio de um formulário online, que pode ser anônimo ou não. Além disso, suas redes sociais estão sempre abertas para contato. “Quando algo ocorre, falamos com o envolvido a fim de esclarecer a problemática de seu comportamento e evitar que o mesmo se repita”, explica Amanda Calixto.
Andressa Gabrieli, do MUDA, explica que o procedimento padrão da Unicamp em um evento é acolher a vítima, expulsar o agressor ou dar uma advertência, lembrando que, caso o comportamento volte a se repetir, será realizada a expulsão. Ela acredita que esse procedimento é feito quando o evento ou festa envolve seguranças, que imediatamente são comunicados da decisão tomada e fazem a retirada do indivíduo.
Ela orienta que qualquer pessoa que presencie uma cena de violência em algum evento universitário, intervenha imediatamente em defesa da vítima. Caso não sinta segurança, deve buscar ajuda. “Para quem está chegando a Campinas, seja na Unicamp ou PUC, é muito importante buscar conhecer os coletivos e organizações existentes nestes ambientes, seja para buscar apoio e orientação ao presenciar uma cena, vivenciar como vítima, ou até mesmo para agregar e fazer parte desses movimentos”, finaliza.
Orientação: Profa. Cecília Toledo
Edição: Oscar Nucci
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