Destaque
A informação refere-se aos núcleos familiares que recebem renda mensal de até R$ 89 mensais per capita, segundo a Prefeitura Municipal
Por: Natália Antonini e Pedro Capoulade
Desde o início da pandemia da Covid-19, o número de famílias em situação de extrema pobreza aumentou 17%, em Campinas, segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas Em comparação entre os anos de 2019 e 2021, o número de famílias que se sustentam com uma renda per capita de até R$ 89 passou de 37,33 mil para 44,77 mil.
O número de seguro-desemprego no munícipio manteve-se crescente desde o início da pandemia. O aumento de cadastrados no CadÚnico— cadastro para inclusão dos programas de assistência social e redistribuição de renda, dos governos municipais e estaduais, elaborado pelo governo federal, para famílias com renda mensal de até meio salário-mínimo per capita (R$ 550), ou R$ 3,3 mil total— passou de 85 mil para 92 mil.
A extrema pobreza, ou pobreza absoluta, é a situação de uma pessoa que fica à margem da sociedade por não dispor de acesso regular à alimentação, vestuário, higiene pessoal e alojamento. “Analisa-se a pobreza, do ponto de vista econômico, como uma faixa financeira. Dentro dela está a linha da miséria, que é a extrema pobreza, na qual a pessoa não consegue garantir a vida com dignidade”, analisa o professor e economista da PUC-Campinas, Izaias de Carvalho Borges.
Com o aumento da extrema pobreza, o Brasil voltou ao Mapa da Fome, segundo levantamento feito pela ONU (Organização das Nações Unidas) que mede o acesso adequado à alimentação. Enquadra-se no mapa quando, pelo menos, 5% da população do país está subalimentada. O Brasil, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), possui mais de 9% de sua população nessa condição. “Já tivemos uma situação de muita pobreza e muita fome, saímos do mapa da fome em 2014 e tivemos mecanismos para fazer isto: enfrentando e entendendo que a fome é um problema coletivo, este governo enxerga como um problema individual”, segundo a professora e economista Eliane Rosandiski da PUC-Campinas.
A crise sanitária causada pela Covid-19 desembocou em uma crise econômica. “Isto é algo que já sabíamos que iria acontecer. Politicamente, em questões de estratégias e de planejamentos, não se buscou soluções para fazer um enfrentamento da saída da pandemia”, conta a professora e economista. A ascensão do desemprego em todo território nacional foi registada durante a crise do Covid-19.
No ano de 2019, a taxa de desocupação fechou com 11%; em 2020, em março e abril, ficou em 14,7%, segundo dados do Banco Central. A partir disto, a taxa continua em ininterrupta recessão. O número de pessoas trabalhando na informalidade passou de 30,8 milhões, em 2020, para 35,6 milhões, em 2021, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), elaborada pelo IBGE. “Os dados que temos mostram muitas pessoas desempregadas, desalentadas, a necessidade de suporte é muito maior. Nós não temos a recuperação do salário mínimo, as pessoas não irão encontrar locais para trabalhar, assim, volta a insegurança alimentar. Fora isto, estamos em inflação, que retira o poder de compra, as pessoas não possuem mais renda para se alimentar”, analisa Eliane.
O índice acumulado anual do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), realizado pelo IBGE e conhecido como o índice da miséria, mostra que a inflação dos meses de outubro de 2019, 2020 e 2021 atingiu 2,55%, 4,77% e 11,08%, respectivamente. As taxas demostram o crescimento dos custos ligados à alimentação, habitação, vestuário, transportes e comunicação, diminuindo o poder de compra da moeda brasileira. Com a queda do valor do real, a população se restringe na aquisição de produtos alimentícios e de higiene, o que reduz a qualidade de vida dos cidadãos. De acordo com Borges, há duas situações que levam ao aumento da extrema pobreza: o desemprego, que causa a perda de renda, e o aumento do preço. “Se analisarmos a pandemia, provocou-se as duas coisas ao mesmo tempo”.
Segundo o levantamento mensal divulgado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o salário mínimo necessário, de uma família composta dois adultos e duas crianças, para custear despesas de necessidades básicas (como alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário, higiene, transporte, lazer e previdência), está em ininterrupta ampliação, enquanto o salário mínimo nominal têm pequenas variações no aumento. Além de ser mais de cinco vezes menor do que o valor necessário, em outubro de 2021.
As 14 milhões de famílias brasileiras e os 44,77 mil núcleos familiares residentes no município de Campinas, em situação de extrema pobreza, recebem, em relação ao mês de outubro de 2021, cerca de 8% e 1,51% do salário mínimo nominal e do necessário, respectivamente.
Quanto ao comércio mundial, as medidas restritivas de circulação entre países, por ação da pandemia da Covid-19, geraram oscilações no preço do barril de petróleo, em razão às medidas tomadas pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). O ano de 2019, pré-pandemia, fechou com 65,85 dólares, enquanto o de 2020 com 49,87 dólares, aumentando de maneira significativa em 2021: 70,02 dólares, em agosto. “A queda de 2019 para 2020, deu-se pela parada na economia mundial. As pessoas deixaram de sair de casa, então a demanda do combustível diminuiu, e, consequentemente, a do petróleo, então há a queda do preço. Já em 2021, com a flexibilização do comércio, a demanda do combustível aumenta, somado ao problema das desarticulações das cadeias produtivas, como a dificuldade com transportes e fretes, causado pelas restrições. Ou seja, a demanda recupera a partir do início de 2021, mas a oferta não consegue acompanhar essa retomada”, analisa Borges.
Junto a isto, houve o aumento gradativo da cotação do dólar. Assim, aumenta-se o preço dos produtos, visto a elevação de preço de matérias-primas e do dólar, nas cadeias produtivas. “O aumento no preço internacional do petróleo significa que vários setores da economia estão sofrendo aumento de custo, o que impacta, em partes, o movimento inflacionário. No Brasil ele é mais forte do que em outros países pois há o aumento no preço do dólar, o que significa a desvalorização do real”, explica o economista.
O gás de cozinha (GLP) também tem o seu valor frequentemente alterado, com o aumento do preço do petróleo e da desvalorização do real. Em localidades do Brasil, o preço chegou a R$ 100, variação de R$ 31 desde o início de 2020 até outubro de 2021.
Criou-se a bandeira de escassez hídrica, pela mais severa crise hídrica brasileira desde 1930. Ela está em vigência desde setembro e ficará até abril de 2022. Seu custo é de R$ 0,142 por kWh consumidos, um aumento de 49,63% em paralelo ao da bandeira vermelha de patamar dois, de acordo com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Em 2020, com a pandemia, a concentração de renda de 1% da população mais rica, do Brasil, aumentou, em relação ao ano anterior, de 46,9% para 49,6%, ficando em primeiro no ranking da América Latina, e perdendo apenas da Rússia, que concentra 58%, em comparação com as grandes economias, segundo o relatório da Credit Suisse de 2021. Além de ser o nono país mais desigual do mundo, a frente de países do continente africano, segundo índice Gini de 2019. Segundo o professor da PUC-Campinas, o Brasil tem historicamente uma alta concentração de renda, isto significa que uma parcela da população vive em situação de alta vulnerabilidade social e econômica. “Em uma crise como a da pandemia, a desigualdade se revela em um nível muito maior, enquanto os mais pobres ficam descobertos, visto a queda da renda, outros lucram mais ainda, por exemplo, proprietários de supermercado e donos e hospitais”.
O desemprego oculto, cuja situação de desemprego está velada pelo trabalho precário, o bico, está crescente em todo território nacional, o que aumenta a extrema pobreza visto que há subocupação. Estas pessoas trabalham informalmente, menos do que gostariam, ou que poderiam, diminuindo proporcionalmente a renda. Este ano, o Brasil bateu o recorde de subocupação, 7,5 milhões de brasileiros, o que diminuiu em média a renda em 6,6%, de acordo com dados da Pnad Contínua. “As pessoas já estão trabalhando de maneira informal, abaixo do salário mínimo. Elas não têm renda para consumir, então estão trocando produtos da sua cesta básica, e se alimentando pior, e sem alternativas”, analisa a professora e economista.
Assistência – Em Campinas, o CadÚnico possibilita que os cidadãos tenham acesso aos serviços sociais. Como o cartão Nutrir, criado devido à pandemia da Covid-19, destinado às pessoas com vulnerabilidade social, famílias em situação de pobreza extrema com crianças e adolescente até 15 anos, idosos a partir de 60 anos ou deficientes. O benefício é de R$ 98,50 para comprar alimentos e itens de higiene pessoal. O número máximo de beneficiários desse cartão foi 26 mil, entre eles 6,5 mil temporários (período de um a 24 meses) e 19,5 mil emergenciais (até três meses), segundo dados da secretaria.
No país, foi criado o auxílio emergencial para trabalhadores informais, microempreendedores, autônomos e desempregados que ganhavam até meio salário mínimo ou famílias com renda conjunta de até R$ 3.135 mensais. Ao todo, em Campinas, 300 mil famílias já dependeram do serviço e hoje há 190 mil dependentes, enquanto no Brasil, em 2020, 67,9 milhões famílias receberam esse benefício; hoje, o número decresceu para 45,6 milhões de beneficiários. O valor do auxílio, em 2020, variou de R$ 300 a R$ 600. A variação deste ano é de R$ 150 a R$ 375. O total do repasse foi de aproximadamente R$ 359 bilhões. “O auxílio emergencial deu conta de sustentar a pobreza no momento da pandemia. Agora voltamos a ter um auxílio circunscrito ao mesmo número que recebiam o Bolsa Família antes da pandemia”, compara a economista.
Outro serviço de assistência social do governo federal é o Bolsa Família, que atendeu, durante o ano de 2021, 41,55 mil campineiros e 14 milhões de brasileiros na faixa de extrema pobreza, segundo dados do Ministério da Cidadania. No dia 17 de novembro, todos estes beneficiários, passaram a ganhar pelo Auxílio Brasil, em média, R$ 224,41, por família, segundo Ministério da Cidadania, aumento de 16,8% em relação ao Bolsa Família. O programa pretende aumentar o número de cadastros para 17 milhões até dezembro.
No dia 22 de novembro, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a proposta de criação do auxílio gás, para famílias com renda mensal menor que meio salário mínimo ou que tenham algum beneficiário do Benefício de Prestação Continuada (BPC), a estrutura será baseada pelo Auxílio Brasil. O pagamento será de 50% da média dos preços do botijão de 13 kg, a cada dois meses. O governo prevê o atendimento de 19 milhões de famílias, com preferências às mulheres vítimas de violência doméstica.
Para a professora Eliane, é possível que o município utilize uma receita fiscal para uma bolsa de assistência universal de cidadania. “Os cidadãos recebem uma bolsa e todo esse dinheiro é gasto dentro do município fazendo a economia girar. Então, é uma forma de assistência permanente. Todos os cidadãos têm direito a essa bolsa, uma renda básica de cidadania.”
Solidariedade
A Casa da Sopa, associação beneficente, estabelecida no Jardim Paraíso de Viracopos, percebeu um aumento no número de famílias desempregadas ou subocupadas que procuraram ajuda ao fim do auxílio emergencial, criado na pandemia. Até o início de 2020 tinham o cadastro de 170 famílias, agora são 400. “Até agora nós também conseguimos doar mais de 4 mil cestas básicas, mas deu uma diminuída no número de doações”, afirma a presidente da entidade, Benedita Aparecida Franco.
Além disto, com o aumento do preço do combustível, Benedita conta que as entregas de kits de alimentos estão se tornando inacessíveis em comparação a época pré-pandêmica. “Nós vamos buscar e levar doações e acaba dando de R$ 60 a R$ 70, com o transporte para cada doação, está ficando cada dia mais difícil com os aumentos sucessivos do combustível”, conta a presidente.
Orientação: Profª Rosemary Bars
Edição: Letícia Almeida
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