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Bolsonaro está longe do impeachment, avalia pesquisador

Para o cientista político Wagner Romão, presidente deve perder força e ser derrotado em 2022

Por Vitória Landgraf

Por mais que o governo de Jair Bolsonaro esteja com a popularidade em queda, após recuos, mentiras e contradições no discurso feito na ONU, o presidente está longe de deixar o governo por um processo de impeachment. Essa é a avaliação do pesquisador e cientista político Wagner de Melo Romão, professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp).

Em entrevista ao portal Digitais, Romão disse acreditar na inviabilidade de Bolsonaro ser reeleito no ano que vem, o que o levará a desferir novos ataques às urnas eletrônicas, fornecendo combustível para seus apoiadores. “Assim como o Trump provocou aquela situação nos Estado Unidos, colocando minhoca na cabeça das pessoas, eu acho que Bolsonaro fará igual, senão pior”, disse o professor. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida na última quarta-feira (22).

Com todo o tumulto que vem acontecendo na gestão do presidente Jair Bolsonaro, o senhor vê alguma chance de caminharmos para um processo de impeachment?

Penso que é difícil um impeachment, pois se trata de um processo que requer uma base política muito forte, além de ser um mecanismo muito demorado. Entretanto, não faltam motivos e razões para a abertura de um processo de impeachment. Nós vimos que o Rodrigo Maia, que era uma figura mais independente do governo, não foi capaz de fazer isso. E o Arthur Lira, que é um aliado forte, até o momento também não se apresenta como a pessoa que vai iniciar um processo de impedimento. Acho que o que está vindo na CPI é muito relevante no sentido de apontar prevaricação ou atraso na compra das vacinas, o que vitimou tanta gente no nosso país, mas mesmo assim creio que não haja um terreno político para que se possa pensar em um impeachment nesse momento. Nós já estamos na segunda metade do governo Bolsonaro e, ano que vem, já é ano eleitoral. Acredito que ele vá continuar se enfraquecendo até uma provável derrota nas urnas.

Wagner Romão: “Bolsonaro demonstrou várias vezes que não tem compromisso nenhum com a democracia” (Imagem: Plataforma Zoom)

O senhor acredita que as acusações de fraude que Bolsonaro faz à urna eletrônica ainda vão ter desdobramentos no processo eleitoral?

O Bolsonaro sempre joga na incerteza, na meia verdade e meia mentira. Eu penso que a estratégia que ele tem utilizado nesses dois anos e meio de governo é sempre uma estratégia de falar muito mais diretamente para as suas bases sociais e políticas e, às vezes, recuar, porque isso é necessário no jogo da política. Uma situação de ruptura total, um golpe de Estado, eu penso que é algo que ele não tenha força e sustentação política para fazer, embora queira. Então, ele vai sempre atuar nessa postura de ataques e recuos, como fez nas manifestações do 7 de setembro, e isso vai continuar até o final do mandato e no processo eleitoral. A inviabilidade de reeleição de Bolsonaro no ano que vem – que é o que acho que vai acontecer – não vai fazê-lo desistir. Ele teve uma derrota importante em relação ao voto impresso. Analisando esse cenário, o TSE já está fazendo algumas gestões no sentido de se prevenir dos ataques à urna eletrônica e mostrar, desde já, que é um processo seguro. Mas Bolsonaro demonstrou várias vezes que não tem compromisso nenhum com a democracia e, sim, está insuflando a base dele para se movimentar em outubro de 2022.  Ele não perde nada do que é a persona política dele em rejeitar o resultado das urnas eletrônicas. Assim como Trump provocou aquela situação nos Estado Unidos, colocando minhoca na cabeça das pessoas sobre o sistema eleitoral, eu acho que Bolsonaro fará igual, senão pior. Nos Estado Unidos, as instituições são mais fortes que no Brasil, e lembremos que Bolsonaro ainda tem o apoio de 25% do eleitorado, cuja visão da realidade é deturpada pelo que representa o bolsonarismo.

Como o senhor analisa o discurso feito por Bolsonaro na ONU?

Eu vejo que ele manteve algumas características de discursos anteriores. É o caso daquela coisa ultrapassada de que está combatendo o socialismo e o comunismo, além de mostrar ser um cara ligado a Deus e à família. Ele trabalhou com uma visão dos fatos que não conta tudo. Claro que ali é uma situação na qual não falaria dos problemas do governo dele para o mundo inteiro e tentou salpicar alguma coisa que poderia estar funcionando. Mas, ao mesmo tempo, houve uma tentativa de encenar que o Brasil está cuidando da Amazônia, embora seja uma mentira. Afinal, o que temos é o aumento das queimadas, uma política francamente anti-indigenista, um desmonte do IBAMA, a discussão do marco temporal e um governo que faz muita força para colocar o agronegócio e a exploração mineral dentro das áreas indígenas. Então, ele anula tudo isso e diz que estamos controlando o desmatamento na Amazônia. Eu acho interessante essa fala contraditória, porque ele está concedendo à comunidade internacional uma nota dizendo “olha eu também sou ambientalista”, deixando claro uma preocupação em fazer parte do discurso que é  hegemônico no planeta. Já é de consenso generalizado que o aquecimento global é uma realidade, salvo exceções de alguns líderes políticos, mas isso mostra a fragilidade do Bolsonaro e de como ele sempre está pisando em ovos. Não dá para ter confiança no que ele pensa e fala. 

Wagner Romão: “A chamada terceira via não se coloca como uma alternativa e me parece que não vai se colocar a tempo das eleições do ano que vem” (Imagem: Plataforma Zoom)

Como avalia a aparente fragmentação dos movimentos que se dizem de oposição ao governo Bolsonaro?

Eu não vejo uma fragmentação. Eu vejo grupos de esquerda, que envolvem partidos de esquerda e centro-esquerda ligados a movimentos sindicais, que já vinham pressionando há tempos pelo “Fora Bolsonaro”. E vejo um outro grupo político, daqueles que votaram no Bolsonaro, seja no 1º ou 2º turno, e hoje se coloca como alternativa. O principal grupo que teve condições e saiu às ruas nos últimos anos foram esses movimentos, como MBL, o Vem pra Rua, partidos conservadores; o PSDB também embarcou na candidatura do Bolsonaro e acabou perdendo muito da sua base social. Esses grupos surfaram uma onda forte desde 2015 ligada ao campo da direita, mas não se desgarraram do bolsonarismo. Eles não querem apoiar o campo de esquerda nem o Bolsonaro, e estamos vendo nas pesquisas que eles estão perdendo força. A chamada terceira via não se coloca como uma alternativa e me parece que não vai se colocar a tempo das eleições do ano que vem, a não ser que o Bolsonaro saia da corrida eleitoral.

Como avalia a baixa adesão do PT, um dos maiores opositores do governo Bolsonaro, em protocolar poucas solicitações de impeachment, se considerarmos as ações do partido nos governos Collor e FHC?

Não vejo assim. Eu acho que o PT e diversos partidos políticos de esquerda colaboraram ou fizeram parte de pedidos mais amplos, como o “super pedido”, e manifestações públicas quanto ao pedido formal de impeachment, até porque temos um bloqueio pelo Arthur Lira, que está sentado em cima de vários pedidos. O que talvez se possa discutir é a conveniência política de um processo de impeachment para esse campo político, porque se entende que o Bolsonaro é um candidato que mantém um posicionamento relevante e tem pelo menos 1/4 do eleitorado, e seria derrotado no segundo turno pela candidatura do Lula. Talvez por isso podemos ponderar a respeito do quanto a esquerda e o PT em especial tenham ou não interesse político no processo de impeachment.

Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti

Edição: Fernanda Almeida


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