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O alerta é da professora Luciana Cordeiro, que teme pela exploração do recurso
Por: Fernanda Machado
“A água é direito fundamental de todo cidadão, os investidores não podem pensar apenas em seus interesses econômicos”. A afirmação é da jurista Luciana Cordeiro, em entrevista ao portal Digitais, ao analisar alguns aspectos jurídicos trazidos pelo novo marco legal do saneamento básico, sancionado em 2020 pelo presidente da República Jair Bolsonaro. O principal objetivo do marco é alcançar a universalização do acesso à água potável para 99% da população brasileira e do tratamento e coleta de esgoto para 90%, por meio de investimentos de empresas em conjunto com a administração estatal, notadamente privatizações e parcerias público-privadas (PPP’s).
De acordo com Luciana, que é doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), “a perda da autonomia e da participação popular é um dos riscos associados à entrada de capital privado na gestão dos recursos hídricos”, ressaltou ao citar a Lei nº 11.445/2007, que hoje permite aos comitês de bacias, universidades e usuários outorgados de água, participarem e terem voz ativa junto ao poder público, garantindo uma gestão não autoritária. No entanto – segundo ela – os interesses privados podem impedir a participação coletiva no futuro.
Para a professora de Direito na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), “o investimento das empresas não é uma garantia de que a atual precariedade dos serviços e o não acesso à água potável sejam sanados”, analisou ao observar que, para as companhias, os interesses econômicos podem se sobrepor aos sociais. “Durante a crise hídrica de São Paulo em 2014, teve concessionária que distribuiu dividendos aos acionistas ao invés de investir no zelo, no cuidado de uma água de qualidade em maior quantidade”, pontuou.
“Outra preocupação em relação ao novo marco diz respeito aos valores que virão junto com a universalização do acesso à água potável”, disse ao citar como exemplo a Guerra da Água da Bolívia em 2000, onde o custo do tratamento e distribuição tornou-se exorbitante, a ponto da população de Cochabamba ter que vender a própria casa para pagar pela água oferecida. “Esse acesso é um bem da coletividade, é direito humano fundamental. Temo que o que ocorreu com os bolivianos aconteça no Brasil”, concluiu.
O papel do Estado na gestão hídrica
Para André Navarro, que é coordenador da Câmara Técnica do Plano de Bacias dos Comitês PCJ, é difícil prever se a universalização dos recursos ocorrerá até 2033, conforme o plano nacional de saneamento básico. Segundo ele, o ponto mais importante é a eficiência da gestão, desde o planejamento até a implantação de obras de infraestrutura. “Falam em 700 bilhões de reais de recursos, mas não adianta ter um monte de dinheiro disponível. Precisamos ampliar as estações de coleta e tratamento de esgoto e, para isso acontecer, o trabalho deve ser bem feito”, ressaltou.
De acordo com Navarro, alguns planos municipais deveriam ser elaborados com mais seriedade. “Existem planos com ações para serem resolvidas em 12 anos, sendo que não existe orçamento para transformar em aportes de recursos”, disse. Para o especialista em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), o planejamento deve ser factível. “É fundamental que os municípios definam o que fazer, como fazer, em quanto tempo e com quais recursos. Essa é uma deficiência grande no Brasil”, destacou.
Em relação ao novo marco, Navarro observou que, perante a crise fiscal agravada pela pandemia, “a privatização acaba sendo uma solução interessante para municípios e estados financiarem os investimentos”. Contudo, são necessárias a atuação estatal e a participação popular, por meio das agências reguladoras – como a Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Ares-PCJ) – para evitar preços abusivos. “A falta de investimento e o caráter irreal de tarifas em muitos municípios, não nos permitem alcançar a universalização, principalmente em regiões com menos desenvolvimento socioeconômico”, explicou.
Para o coordenador de projetos do Consórcio PCJ, José Cezar Saad, a atuação do Estado é imprescindível à universalização do acesso à água e serviços de saneamento básico tanto no combate à cartelização e estruturação de lobbies em áreas de maior interesse econômico – o que cabe a Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA) e ao Ministério Público –, quanto na cobertura de locais mais vulneráveis. “Algumas regiões mais distantes e carentes não serão atendidas por empresas do setor privado, cabe então às empresas municipais ou estaduais a prestação desses serviços, de maneira a atender as metas previstas na nova lei do saneamento básico”, finalizou Saad.
Orientação: Prof. Gilberto Roldão
Edição: Leticia Almeida
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