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Grupo de pesquisa da ESALQ-USP viabiliza processo de propagação in vitro da taioba e chama a atenção da Nasa para missão em Marte
Por: Fernanda Machado
A primeira viagem do homem à lua, em 1969, serviu de inspiração para o cantor e compositor David Bowie produzir o álbum “The rise and fall of Ziggy Stardust”, no início da década de 70. Por meio das canções, a obra narra a história do alienígena Ziggy, que visitou a Terra num hipotético apocalipse causado pelo esgotamento dos recursos naturais, alertando para a necessidade de gerenciarmos o meio ambiente de maneira mais sustentável. Meio século depois da “passagem” de Ziggy pelo planeta, pesquisadores do Laboratório de Plantas Ornamentais para Cultura de Tecidos (LTCOP), da ESALQ-USP, de Piracicaba (SP), usam o espaço como justificativa para desenvolver novas alternativas para a agricultura.
A alimentação dos astronautas em missão sempre foi um desafio para os cientistas, sobretudo por causa da escassez de recursos necessários ao plantio e produção de alimentos. Segundo o professor de Floricultura e Plantas Ornamentais (RDIDP), Paulo Rodrigues, isso motivou o time de pesquisadores do LTCOP a buscar soluções para um plantio em meio a um ambiente completamente desfavorecido. Nessa verdadeira jornada nas estrelas, uma candidata que se mostrou promissora foi a taioba, uma planta nativa do Brasil, rica em nutrientes, perene e pouco suscetível a pragas e doenças.
Um dos propósitos do projeto, além de colaborar com a conquista do espaço, é desenvolver alternativas para circunstâncias extremas no planeta Terra, como situações de guerra, calamidade e também em áreas sujeitas à insegurança alimentar. “Você pode ter um container vertical e, com uma energia fotovoltaica, produzir folhosas, morango e outras hortícolas de alto valor agregado e que têm vitamina. É claro que não dá para fazer isso com grandes culturas, como soja e milho”, lembra o professor Paulo ao ressaltar que é possível ter uma alta produção em pouco espaço pois “um sistema vertical aumenta a área horizontal disponível para produção”, afirma.
De acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o agronegócio brasileiro registrou um valor recorde de exportações no primeiro semestre de 2022, somando US$ 79,32 bilhões e representando cerca de 48,3% do total exportado pelo país no período. A alta lucratividade do setor contrasta com o fato de que uma grande parcela da população muitas vezes não tem o que comer. Segundo levantamento realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) entre novembro de 2021 e abril de 2022, existem mais de 33 milhões de pessoas com fome no país.
Para o coordenador da FGVAgro, Roberto Rodrigues, associar o cenário da fome no Brasil a interesses do agronegócio é um equívoco. “A gente precisa entender que o produtor rural se ocupa da oferta, enquanto a demanda é determinada pelo poder aquisitivo da população, que despencou”, explica ao ressaltar que, apesar do crescimento da insegurança alimentar, houve avanços conquistados nas últimas décadas: “Há 50 anos, a gente importava leite, carne, arroz e feijão. Hoje, além de produzir esses itens, o agronegócio brasileiro ainda exporta alimentos para quase 200 países”. Para ele, são três os fatores internos que contribuíram nesta mudança de cenário – a área disponível, a presença dos jovens no campo e a tecnologia tropical. “O país que não investir em ciência, irá matar o seu futuro”. Outro aspecto a ser observado é a sustentabilidade, visto que a escassez de recursos pode ter consequências drásticas. “Não há paz onde houver fome”, alerta o engenheiro agrônomo.
UMA ESPERANÇA VERDE CONTRA A FOME
Ainda no contexto de insegurança alimentar, a pesquisadora Cristina Maria de Castro, da APTA Regional de Pindamonhangaba, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, explica que a taioba tem grande potencial para a agricultura familiar e acredita que seu plantio deveria ser mais incentivado. “É uma planta estratégica se tratando de segurança alimentar nutricional, pensando em áreas de periferias e comunidades”.
Atuante em projetos de agroecologia em horticultura orgânica e na linha de pesquisa em Soberania Alimentar e Nutricional, Cristina ressalta que o alimento com qualidade deve ser rico em nutrientes e isento de resíduos de pesticidas e outras substâncias. “Não adianta a gente falar que o alimento é nutritivo e saudável e consumir um alimento cheio de agrotóxico. Eu trabalho com compostos orgânicos ou esterco curtido, não uso adubos químicos nem fertilizantes.”
Para a doutora em Ciência do Solo, a taioba é uma planta que faz parte da cultura alimentar da região Sudeste do Brasil. “Ela deveria ser mais valorizada, era muito consumida por nossos antepassados e hoje acabou esquecida. A taioba é rica em ferro, cálcio, vitamina A e C, betacaroteno e fibras solúveis. Será que as pessoas sabem disso?”, indaga ao recordar que a taioba ainda não foi trabalhada para virar uma cultura comercial em escala nacional.
Em relação aos tipos de taioba, Cristina Maria de Castro explica que são vários e as mais conhecidas são a taioba mansa e a taioba brava. “A taioba brava tem mais oxalato, por isso é bom saber identificar as diferenças. Uma dica é que a brava tem as folhas mais brilhantes. Já a mansa tem um tipo de ‘nervurinha’ em volta da folha”, destaca ao citar o biólogo e autor do livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), Valdely Kinupp, que diferencia a taioba mansa pela presença de uma penugem branca no talo.
De acordo com a pesquisadora da Embrapa Hortaliças, Milza Moreira, ao contrário de outras hortaliças, não se pode comer taioba crua em hipótese alguma. “Quando você cozinha, os compostos saem na água e tornam o alimento propício para consumo. O oxalato em excesso pode causar pedra no rim e irritações na garganta”. Entretanto, Milza – que é doutora em Ciência da Planta – lembra que a taioba foi melhorada ao longo do tempo por seleção e que, portanto, ela atualmente apresenta menores concentrações desses fatores antinutricionais.
Produtora orgânica de taioba em Pindamonhangaba (SP), Angela da Silva, 64 anos, vende hortaliças e legumes em uma praça da cidade desde 2012. De pais mineiros, ela desde pequena foi acostumada a comer taioba com angu. Hoje aposentada, ela conta que a taioba não tem muita procura, mas destaca três clientes fiéis. “São pessoas que vieram da zona rural, então já conhecem a planta. O preparo mais comum é a taioba refogada num caldinho, mas também dá pra fazer um purê como acompanhamento ou um antepasto.”
DO BRASIL PARA O UNIVERSO
O projeto desenvolvido pelo grupo da ESALQ/USP, que é liderado pelo professor Paulo Rodrigues e conta com cinco alunos, foi selecionado pela Nasa e pela Agência Espacial Canadense (CSA) na primeira etapa do desafio alimentar do espaço profundo (DSFC), que aconteceu em outubro de 2021. De acordo com Paulo, a taioba foi uma das plantas escolhidas por ser rústica e perene, ao contrário da alface, por exemplo, que precisa ser sempre replantado. “A taioba você só dá água e alimento e continua colhendo”, explica. “Na segunda fase, tivemos que checar toda a parte de segurança alimentar e os riscos de contaminação”. Em caso de aprovação, o pesquisador explica que a fase 3 consiste em fazer os equipamentos funcionarem e tornar a produção comercial.
Doutor em Ciências pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), Paulo, ressalta que a competição tem como focos principais a sustentabilidade e o incentivo ao consumo de produtos frescos. “Uma alimentação adequada é importante para o astronauta ter um bom rendimento naquilo que ele se propõe a fazer”, diz. Pensando em uma viagem para o espaço que dure um total de até três anos, o desafio proposto foi de “desenvolver novas tecnologias em ambiente controlado de dois metros cúbicos, temperatura de 25°C, umidade relativa de 50% e em atmosfera terrestre”. Dentre as tecnologias desenvolvidas no LTCOP, o professor destaca duas: o uso do D-limoneno (óleo essencial da laranja) e a aplicação do led monocromático azul. Sobre o primeiro, Paulo explica que, embora suas principais aplicações sejam a de adjuvante – isto é, um removedor de gorduras – e inseticida natural, um experimento em tomates resultou no aumento de carotenóides nas frutas. “A gente viu que tinha ouro na mão. Um produto natural, utilizado como inseticida, dobrou a concentração de carotenóide. É muito interessante esse efeito secundário, e ele se aplica a todas as frutas vermelhas.” O artigo derivado do estudo foi publicado na revista Bragantia, do Instituto Agronômico de Campinas.
Já a pesquisa com o led monocromático azul mostrou que a incidência de luz nesse espectro de cor provoca a desaceleração do metabolismo em alguns vegetais como cana, bambu e taioba. “Normalmente, o uso de led na agricultura é utilizado para incrementar a produção. Mas quando você trabalha com material in vitro no laboratório, a planta cresce mais rápido que o normal, então ela exige mais recursos e isso pode custar milhares de reais, dólares. Passando o espectro de luz para o azul, ela reduz o metabolismo e aguenta meses”, explica o professor, ressaltando que as duas tecnologias foram diretamente aplicadas no projeto submetido à NASA.
Um olhar mais atencioso com o que a própria Terra nos oferece, como o caso da taioba, pode contribuir no sentido de mudar paradigmas de consumo. Além disso, o desafio de utilizar os recursos naturais de maneira eficiente, e assim assegurar um futuro mais sustentável ao planeta, tem na ciência diversas soluções. Uma das músicas mais conhecidas de David Bowie, “Starman”, conta a história de um alienígena que envia mensagens de esperança para a humanidade por meio de Ziggy. Assim como na canção, o time de pesquisadores da LTCOP espera por bons resultados vindos do espaço, que possam contribuir com novas tecnologias e modos de produção para a agricultura.
Orientação: Profa. Cyntia Andretta
Edição: Henrick Borba
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