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Setor sucroalcooleiro aposta em novas tecnologias visando produção mais sustentável
Por Fernanda Machado
A cana-de-açúcar teve vários momentos de destaque ao longo da História do Brasil. Desde a fundação da Vila de São Vicente em 1532, quando o cultivo e os engenhos de açúcar foram sua principal atividade econômica, passando pelas invasões holandesas no Nordeste no século seguinte – fato também conhecido como Guerra do Açúcar. Nos dias atuais, é a agricultura com a maior área plantada no estado de São Paulo, ocupando 5,5 milhões de hectares e movimentando 32,5 bilhões de reais, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2020. Num comparativo global, São Paulo tem mais canaviais que qualquer outro país do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). De olho no futuro, a histórica tradição canavieira deve ganhar mais um capítulo com o etanol de segunda geração (E2G), cuja tecnologia de produção reaproveita resíduos do método convencional, como a palha e o bagaço da cana-de-açúcar.
Localizada em Piracicaba (SP), a Usina Costa Pinto – pertencente ao grupo Raízen – foi a pioneira no estado a implementar uma unidade produtora de E2G no final de 2014. De acordo com Thais Fornicola, diretora de Operações Agroindustriais da Raízen, algumas etapas envolvidas no E2G são o pré-tratamento, que consiste no cozimento do bagaço, e a hidrólise enzimática. Esses procedimentos permitem o acesso aos açúcares ainda contidos nas fibras, ampliando a capacidade produtiva de uma determinada área plantada em até 50% e contribuindo para a descarbonização da matriz energética brasileira.
O E2G atualmente tem a mesma composição química do etanol comum, graças ao aprimoramento contínuo em seus processos produtivos. Segundo Thais Fornicola, que é engenheira eletricista pelo Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), outro aspecto positivo é que “ao garantir um uso mais eficiente da biomassa residual, a tecnologia reduz a pegada de carbono – emissão de gases estufa – em até 30% comparado ao etanol de primeira geração, aquele feito a partir do caldo da cana. Isso representa uma grande evolução no nível de circularidade de uma usina tradicional, migrando para o conceito de parque produtor de bioenergia”.
A SUSTENTABILIDADE NO CAMPO
Um olhar mais atencioso com as questões sustentáveis é cada vez mais necessário para responder às mudanças climáticas. Nesse sentido, o pesquisador da Embrapa, Maurício Lopes, avalia que devemos buscar um futuro possível para a agricultura e os sistemas alimentares, de maneira a reconciliar homem e natureza. “A prosperidade econômica só é possível com melhorias ambientais e sociais”, afirma. Além disso, Lopes, que é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), explica que a agricultura moderna é extremamente dependente da energia fóssil, então fazer uso de fontes mais limpas é um caminho para a descarbonização da atividade.
Em relação às políticas públicas visando a diminuição da pegada de carbono da matriz energética brasileira, Lopes destaca o RenovaBio, um programa do Governo Federal criado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em 2016 com o objetivo de expandir a produção de biocombustíveis de acordo com preceitos sustentáveis no tripé ambiental, econômico e social. “Ao reduzirem a emissão de CO2, os produtores de biocombustíveis recebem créditos de carbono e podem vendê-los, obtendo uma renda como incentivo”, explica.
Mitigar as causas do efeito estufa é também uma das principais agendas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26), realizada entre outubro e novembro de 2021 em Glasgow, na Escócia. Segundo a organização do evento, é preciso zerar as emissões líquidas de CO2 até 2050 para conter o aquecimento global. Uma das estratégias propostas pelo governo britânico é estabelecer compromissos pelo fim da indústria de carvão e de carros movidos a combustíveis fósseis, pressionando a busca por outras fontes energéticas.
DE OLHO NO CARBONO
Além das ações do Estado, existem outras iniciativas que também visam conter o aquecimento global. É o caso do programa Carbon On Track, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), uma ONG que atua na conservação e uso sustentável dos recursos naturais. De acordo com a coordenadora de projetos em Clima e Cadeias Agropecuárias do instituto, Renata Potenza, o objetivo do programa é “mensurar e monitorar as emissões de gases de efeito estufa da agropecuária brasileira, além de dar transparência para esses resultados e informações”.
A metodologia aplicada no Carbon On Track atende todos os tipos de culturas agropecuárias brasileiras. Segundo Renata, que é mestre em Recursos Florestais pela ESALQ-USP, a mensuração e monitoramento da emissão de gases tem o reconhecimento do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC – ONU) e, em âmbito nacional, do Programa Brasileiro GHG Protocol. Para o também coordenador de projetos do Imaflora, Oséias Mendes, um dos principais aspectos é valorizar e dar melhor visibilidade para a agropecuária brasileira de baixo carbono. “Dentro do programa, os interessados também podem certificar seu projeto e receber o selo de Carbono Neutro emitido pela Preferred by Nature – um parceiro internacional do Imaflora”, explica. Cooperativas e fazendas cafeeiras, além de grandes empresas dos setores da pecuária e de grãos são os principais adeptos da plataforma.
Outro foco de atuação do Imaflora é transmitir os conceitos de sustentabilidade para o pequeno produtor rural. Segundo Oséias, que é especialista em administração rural pela Universidade Federal de Lavras (UFLA), o instituto conta com planos estratégicos que visam a agricultura familiar, de maneira a aumentar sua produtividade, capacitar e garantir o acesso a novos mercados. “Temos parceiros com objetivos em comum para o desenvolvimento dos projetos e, além disso, possuímos um fundo social para financiar projetos de certificação para pequenos produtores.”
Uma ação coordenada entre Imaflora e Raízen é o Programa ELO, criado pela empresa sucroalcooleira em 2014 a fim de orientar os fornecedores de cana na melhoria contínua em aspectos como sustentabilidade, redução de risco e tendências de mercado. De acordo com o relatório anual de 2020 do Imaflora, a verificação em campo feita pelo instituto para o programa contribui para a promoção de boas práticas ambientais entre os cerca de 2 mil produtores participantes do programa, que, com 465 mil hectares de área plantada, respondem por cerca de metade do volume de cana processado pela companhia.
UMA ENERGIA VERDE
O etanol convencional apresenta melhores índices de sustentabilidade comparados aos combustíveis fósseis. De acordo com Thais Fornicola, que é MBA em gestão de negócios pela EADA Barcelona, a emissão de carbono do etanol é cerca de 90% menor que a da gasolina. Além do álcool etílico e do açúcar, outro produto obtido numa agroindústria sucroalcooleira é a energia elétrica, por meio da queima da biomassa não aproveitada no processo. A bioeletricidade responde atualmente por 8,3% da matriz energética nacional e, além de abastecer as próprias usinas, ela pode ter seu excedente exportado para a rede, sendo comercializada para o Sistema Interligado Nacional (SIN).
Visando o aproveitamento dos resíduos produzidos na lavoura – como torta de filtro e vinhaça – as usinas sucroalcooleiras têm implementado unidades produtoras de biogás, que convertem o rejeito orgânico tanto em energia elétrica quanto em gás biometano, um substituto do gás natural e do diesel em veículos pesados. No Brasil, atualmente existem três plantas: Coopcana, em Tamboara (PR); Grupo Cocal, em Narandiba (SP); e Raízen Bonfim, em Guariba (SP) – esta inaugurada em 2020 e com projeção de alcançar, em conjunto com a unidade sucroalcooleira, uma produção da ordem de 138 mil MWh, o suficiente para abastecer uma cidade de 200 mil habitantes.
Além de aumentar a eficiência na utilização dos recursos naturais, as novas tecnologias atuam ainda no sentido de diminuir os riscos operacionais. É o caso da colheita mecanizada, que praticamente eliminou a necessidade da queima da palha da cana. De acordo com Carolina Matos, especialista ambiental do Protocolo Etanol Mais Verde, a atividade é um potencial foco causador de incêndios florestais e emite altas concentrações de gás carbônico.
Em relação a este protocolo, Carolina, que é mestre em geoquímica e meio ambiente pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que seu objetivo é consolidar o desenvolvimento sustentável do setor sucroenergético, além de proteger e restaurar áreas de matas ciliares. Dentre as diretivas propostas no Etanol Mais Verde, ela destaca o aproveitamento de subprodutos da cana, como torta de filtro e vinhaça, além da eliminação da queima da palha que, desde o início do projeto em 2017, já evitou a emissão de mais de 11,8 milhões de toneladas de CO2 e de 71 milhões de toneladas de poluentes atmosféricos.
CICLOS QUE SE RECICLAM
O E2G foi desenvolvido num cenário de mudanças climáticas e esgotamento dos recursos naturais e, portanto, otimizar a eficiência do seu uso tornou-se imperativo. O melhor aproveitamento dos insumos é uma das respostas para mitigar os impactos ambientais e reduzir a pegada de carbono causados pelas ações humanas, feito que o novo biocombustível vem alcançando desde que começou a ser produzido.
Atualmente, há duas unidades produtoras no país: a Usina Caeté, do Grupo Carlos Lyra, sediada em São Miguel dos Campos (AL) e a Costa Pinto, pertencente à Raízen – que tem previsão de inaugurar uma nova planta em Bonfim, integrando-a às unidades de biogás e etanol, em 2023. O pioneirismo do E2G se faz presente em São Paulo e no Nordeste, assim como os ciclos da cana-de-açúcar no período colonial. Um denominador comum que, em tempos passados, trouxe prosperidade econômica e desenvolvimento ao país, permitindo sonhar com um futuro melhor.
Orientação: Profª Cyntia Andretta
Edição: Luiz Oliveira
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