Ciência
Pesquisa mostra que prestações de responsabilidade ambiental podem ocultar sérios problemas
Por Júlia Felix
Para acompanhar o atual cenário de mudanças climáticas em meio ao aquecimento global, empresas de todo o mundo e dos mais variados segmentos têm se agarrado a práticas de ESG (Meio Ambiente, Social e Governança), para demonstrar seu compromisso com a sustentabilidade ambiental. Um dos principais recursos de divulgação, é o Relatório Socioambiental (RCS), que consiste em uma forma estratégica de reportar e apresentar indicadores sobre ações que promovam a responsabilidade socioambiental, realizados pela empresa ao longo do ano. Entretanto, um estudo científico realizado por pesquisadoras da Universidade Estadual de São Paulo e Universidade Federal de Dourados, comprovou que mesmo por meio do relatório, é possível cometer greenwashing.
Do inglês, o termo refere-se a “lavagem verde” que as empresas podem praticar em suas divulgações e ações de marketing, com o intuito de passar uma falsa imagem de sustentabilidade ambiental, além do que de fato ela está realizando para impactar positivamente o meio ambiente. O estudo analisou especificamente o RCS da empresa Vale S.A, levando em consideração o contexto em que a companhia estava inserida após o rompimento de duas barragens de rejeito no estado de Minas Gerais, ambas sob sua responsabilidade. “Após as tragédias climáticas em Mariana e Brumadinho, houve uma grande disponibilidade de informações públicas sobre a empresa, suas alegações e as de terceiros sobre as reais práticas de sustentabilidade da empresa. Isso possibilitou confrontar essas versões com aquilo que foi divulgado em seus relatórios ambientais”, explicou Ana Carolina F. de Melo Brito, advogada especialista em direito ambiental, doutoranda em Ciências Ambientais pela USP e uma das autoras do artigo.
No estudo, publicado em 2022, foram identificadas diversas estratégias de greenwashing empregadas pela Vale em suas divulgações de sustentabilidade, veiculadas entre 2015 e 2021. Por exemplo, a empresa apresentava obrigações legais como iniciativas voluntárias de sustentabilidade, criando uma impressão enganosa de comprometimento ambiental. Além disso, enfatizava excessivamente conquistas positivas ou projetos específicos de sustentabilidade, enquanto minimizava impactos ambientais negativos, como as consequências das tragédias ocorridas em Minas Gerais. Outra tática observada foi o uso de linguagem vaga e afirmações genéricas sem dados concretos para apoiá-las, o que dificultava a avaliação precisa das práticas sustentáveis da empresa.
É importante ressaltar que, ao acessar o site institucional da empresa em 2024, é possível perceber uma abordagem que não demonstra esconder o impacto negativo da companhia trouxe após o rompimento da barragem. Na aba intitulada como “Reparação”, é possível encontrar diversas informações, prestação de contas e balanços, voltados a divulgar as ações de compensação, sob a frase “Jamais esqueceremos Brumadinho”.
Ainda de acordo com a advogada ambiental, o tipo de conduta adotada anteriormente pela mineradora se estende a outras empresas e pode ser identificada até mesmo nos produtos que consumimos diariamente. “Aqueles selos que vêm nas embalagens, em que a empresa se atribui como amiga do meio ambiente ou como sustentável, são termos vagos que, às vezes, não querem dizer nada. Tem selos que podem ser inventados completamente. Então quando o consumidor olhar uma embalagem, uma propaganda ou um site da marca que contenha esses selos de sustentabilidade, ele pode investigar: é um selo concedido por uma instituição com credibilidade?”. Nesses casos, o consumidor pode recorrer a órgãos de Defesa do Consumidor denunciando de maneira individual e, se for constatado riscos a coletividade, pode haver interferência do Ministério Público para que haja um impacto judicial em toda a cadeia de produção daquele setor.
Para padronizar a maneira que seria adequada de as empresas reportarem suas ações de ESG, algumas organizações já criaram normas para serem tidas como ideal. Um exemplo é a organização sem fins lucrativos IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) que, desde 1999, tem sido responsável pela criação de algumas normas e boas práticas de Governança Corporativa, principalmente no que diz respeito a sustentabilidade ambiental. Com base em algumas delas, no ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou uma resolução na qual determina a obrigatoriedade de elaborar e divulgar o Relatório Socioambiental de acordo com os padrões ISSB/CBPS, a partir do dia 01 de janeiro de 2026. “Eu acho que está havendo um cerco em relação a essa questão hoje em dia, porque até então uma das dificuldades em analisar o greenwashing e os próprios Relatórios Socioambientais, era a falta de critérios para comparação. Hoje, já começaram a surgir algumas regras, que ainda não são leis, mas que são boas práticas do mercado para tentar uniformizar isso, porque senão fica somente no campo do discurso e do marketing”, finaliza Ana Carolina.
Orientação: Prof. Artur Araújo
Edição: Mariana Neves
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