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Acervo fica sob mesas nas ruas da cidade e leitores retiram de forma gratuita
Por: Bianca Garutti e Luísa Viana
Em uma era onde a predominância são aparelhos eletrônicos, livros físicos distanciam-se cada vez mais do interesse da maior parte da população, principalmente entre crianças e adolescentes. Na tentativa de mudar esse cenário e com o objetivo de viabilizar o acesso à leitura, um projeto criado em 2018, disponibiliza, nas ruas de Itatiba, mesas com livros, frutos de doações, que podem ser retirados de forma gratuita pela população.
Criado pela vereadora Luciana Bernardo (PDT), o projeto Lei Tura se expandiu ao longo dos anos a partir do trabalho de voluntários, chegando a doar, em seis anos de existência, mais de 40 mil livros. Em 2024, o programa participa de feiras livres, que ocorrem às quintas e aos domingos em Itatiba, e inspirou uma iniciativa semelhante na cidade de Itupeva.
Projeto Lei Tura
Luciana relembra que a ideia da iniciativa surgiu a partir das dificuldades que enfrentou junto de sua família ao longo da vida. “Minha família era de extrema vulnerabilidade social. Minha mãe não tinha condições nenhuma de comprar livros para a gente e eu não tinha condição de ir para a cidade porque não tinha quase ônibus. Era tudo muito difícil, então eu não conseguia nem frequentar a biblioteca municipal”.
Aos 15 anos, a vereadora começou a trabalhar e passou a comprar livros para si e também doar para aqueles que não tinham acesso. Com o tempo, essa iniciativa ganhou força, especialmente quando Luciana passou a trabalhar na prefeitura de Itatiba, onde pedia doações de livros a amigos e conhecidos para distribuir entre pessoas em situação de vulnerabilidade.
No início, as formas de divulgação eram uma mesa de bar e um cartaz escrito à mão, anunciando “livros grátis”. Com a internet, a iniciativa ganhou visibilidade e começou a receber um número maior de doações. Ao longo dos seis anos de existência, o projeto já distribuiu cerca de 40.000 livros pela cidade.
Com foco em democratizar o acesso à leitura, Luciana ressalta que o objetivo não é realizar apenas uma troca de livros e sim prezar pela doação. “A gente não trabalha só com troca. Porque tem gente que não tem livro para trocar. Então é doação mesmo. A pessoa vem, pega o livro e leva embora. E o projeto caminha, porque tem pessoas que dão livros para a gente. Então a gente faz essa ponte entre quem tem sobrando e quem não tem nada”.
Rayne Larissa da Cruz conheceu o projeto em 2018, durante a participação de uma feira livre quando tinha 13 anos. Hoje com 19 anos, ela conta que, após participar do Lei Tura, passou a praticar com frequência o hábito da leitura.
“Depois que eu descobri o projeto de leitura, eu passei a sempre retornar lá para buscar meus livros, porque foi um projeto que me abriu portas. Afinal, era um livro que eu podia trazer para mim e eu podia ler sem pressa. Depois eles eram meus.”
Para Rayne, a iniciativa não foi apenas uma fonte de livros, mas também uma rede de apoio que facilitou suas realizações acadêmicas. “Além de me beneficiar, por me dar livros, que é uma coisa que eu gosto muito, ele também me ajudou nos meus projetos, nas minhas apresentações da escola, na minha conclusão do ensino médio. No TCC que eu fiz, a Luciana, me emprestou os livros. E o projeto permitiu que eu pudesse fazer uma doação de livros na minha apresentação de TCC, porque foi sobre livros também.”
Mais que apenas levar livros para aqueles que não têm condições de adquiri-los, para Luciana, o projeto tem como objetivo fazer com que o conhecimento circule, de forma a dar utilidade aos exemplares não usados, transformando-os em fonte de aprendizado e entretenimento para outros.
Projeto Lê Itupeva
Em Itupeva, o Lei Tura incentivou a criação do projeto Lê Itupeva, que também tem o intuito de estimular o interesse da sociedade pelos livros, especialmente entre crianças e jovens. Felipe Preto é um dos fundadores do Jornal Itupeva Agora é assessor da prefeitura de Itupeva e o responsável por replicar a iniciativa na cidade. Ele conta que se motivou ao perceber exemplos em sua família de falta de contato com os livros.
“Vendo as crianças da minha família, percebi que realmente, hoje em dia, os pais pouco incentivam os filhos com a leitura. E aí surgiu a intenção de criar algo. Encontrei o projeto Leitura lá em Itatiba, achei bem legal, fui lá, e visitando, vi a possibilidade de a gente implementar aqui em Itupeva também”.
Para Felipe, boa parte da privação de crianças e adolescentes ao acesso à leitura se concentra na falta de estímulo dentro do ambiente familiar e, em sua opinião, a chave para mudar essa dinâmica está na infância. “Sou uma pessoa que leio, até por trabalhar na área da comunicação, mas eu não tenho o hábito de ler livros. E eu atribuo isso à falta de incentivo na minha infância. Com meu filho de um ano e meio, desde os primeiros meses, quando começamos a comprar os brinquedinhos para ele, a gente compra aqueles livrinhos com imagens, e ele adora folhear”.
O assessor enxerga a iniciativa não apenas como uma oportunidade de acesso à leitura, mas como uma maneira de plantar sementes para um hábito duradouro. “Aquelas pessoas que tiveram acesso ao nosso projeto e puderam criar de fato esse hábito da leitura, principalmente as crianças, pois a gente sabe que é mais difícil criar o hábito depois de adulto. Mas se a gente conseguir plantar algumas sementinhas nas crianças que por ali passam, é que a gente vai considerar o projeto um sucesso”, explica.
Ao imaginar o futuro do projeto, Felipe espera uma colaboração mais estreita com o poder público, de modo a receber um maior número de doações e assim poder impactar a realidade de mais pessoas. Com o lançamento inicial do projeto nas feiras locais e a perspectiva de expandir para outros pontos da cidade, o vereador pretende não apenas oferecer livros gratuitos, mas também criar uma comunidade de leitores.
Impacto da leitura na infância
A psicopedagoga e neurocientista, Cintia Garays, explica que o incentivo à leitura na infância é de extrema importância para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Ela afirma que é na primeira infância, ou seja, até os seis anos de idade, que a criança possui a maior concentração de conexões neurais, cenário ideal para o aprendizado e a criação de novos hábitos.
“A leitura aumenta a reserva cognitiva, é só através da leitura que a gente consegue imaginar a história junto com o autor. Essa capacidade as crianças de hoje em dia estão perdendo, porque elas não têm mais contato com os livros, ficam só na parte digital.” De acordo com Cinthia, esse cenário tem resultado na perda da capacidade de se entreter sozinho e de explorar o abstrato, essenciais para o desenvolvimento intelectual. Ela ressalta também que, muitas vezes, a responsabilidade de incentivar a leitura é relegada principalmente à escola e que a falta do hábito no ambiente familiar impacta diretamente na formação de novos leitores e na promoção do prazer pela leitura desde a infância.
De acordo com a psicopedagoga, a ausência do contato com livros também impacta no desempenho escolar dos jovens, principalmente na habilidade de interpretação de texto. “Por exemplo, a gente está dando aula e pede para criança: ‘olha pega a apostila na página 50’, aí elas perguntam: ‘que página Pro?’, aí você repete novamente. Essa repetição vai acontecer várias vezes até todos compreenderem. A leitura ajuda nesse processo de compreensão, de interpretação do que foi lido ou escutado”.
Uma pesquisa conduzida pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) em 2018, que avalia estudantes de 15 e 16 anos em 77 países, mostra que, em uma escala de 1 a 5, sendo 5 a melhor classificação, 50% dos brasileiros obtêm resultados nível 1 de proficiência em leitura. O resultado revela um grande obstáculo social, que reflete na dificuldade e até mesmo no impedimento de estudantes avançarem nos estudos, ter melhores oportunidades no mercado de trabalho e participar plenamente da sociedade, já que, pela falta de leitura, apresentam dificuldades de compreensão de textos e desenvolvimento de pensamento crítico.
Importância do livro físico
O contato na infância com livros digitais não substitui a necessidade do físico. Cintia explica que o nível de estímulos cerebrais despertados e a capacidade de absorção do conteúdo que um exemplar físico proporciona são consideravelmente maiores que os gerados por um e-book.
Segundo a especialista, muitas crianças precisam do contato físico com o livro para assimilar e compreender as situações apresentadas, principalmente as que possuem necessidades especiais. “É só assim que se desperta a curiosidade, o interesse delas em algo novo. O livro em mãos é muito melhor para elas compreenderem o que está sendo lido, o que está sendo aprendido. “
Para Cintia, o projeto Lei Tura é uma alternativa para criar mais receptividade de crianças e adolescentes para com os livros. Contudo, apesar de ampliar o acesso, para que o objetivo da iniciativa seja cumprido, cabe à família incentivar, por meio de exemplos em casa, o hábito da leitura no indivíduo.
Ela afirma que o incentivo deve começar na família quando a criança adquiri o hábito. “Ela cria sua conexão de hábito quando criança, lá na primeira infância, então se ela se tornar um adolescente que na primeira infância nunca teve contato com os livros, na fase adulta ela vai continuar sem esse hábito da leitura,” finaliza.
Orientação: Prof. Gilberto Roldão
Edição: Giovanna Sottero
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