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Obra considerada “problemática” no passado pode ser mais significativa do que filmes produzidos hoje, apontam debatedores
Por Sophia Miranda
“Todo filme ganha um sentido a partir do momento em que o espectador dá um sentido para ele”. A afirmação é de Henrique Marques, doutorando em multimeios e um dos convidados para a mesa “Cinema de Horror Queer”, junto com Matheus Marchett, diretor, roteirista e curador do Cine Phenoma, e Álvaro de Souza, pesquisador da história LGBTQ+, na Universidade Federal do Espírito Santo.
O evento foi promovido pelos alunos do curso de Mídias Sociais da Unicamp, para a 14ª Semana de Midialogia Unimidia. Inseridos na discussão acerca da representatividade queer e de identificações da estética LGBTQ+ implícita nos filmes de horror, o encontro foi pautado no reconhecimento de metáforas que a norma social incluía para esconder o pânico moral de pessoas que não se identificam com padrões vigentes na sociedade e transitam entre os gêneros, ou seja, o fato de ser queer.
A mesa, que ocorreu na quinta-feira (01), no Instituto de Artes, debateu, com a mediação de um dos alunos e organizadores do evento, as interpretações dos filmes de horror através das décadas e de como isso carrega, até hoje, uma influência sobre a psico do tecido social e suas aceitações. Como quando o surgimento da AIDS, nos anos 80, moldou o ato de fazer cinema de horror.
“O aspecto queer nos filmes de terror tem muita masculinidade. Como no filme ‘A mosca’, o medo da AIDS está ali, então todos os meninos são corrompidos sexualmente”, avalia o diretor e roteirista do “Verão Fantasma”, Matheus Marchett
Já nos anos 70, que é logo antes, a história e a estética são inseridas de formas diferentes para os espectadores. “A figura lésbica se faz muito presente e era muito menos colocada como algo ruim do que a figura masculina, que era considerada pervertida”, observa Álvaro de Souza. Segundo os especialistas presentes no evento, muitos filmes traziam personagens queer como perigosos, como monstruosos e assassinos, porém apresentados dentro do “queer code” (código queer), ou seja, de forma quase que transparente, implícita.
Dessa forma, houve uma abertura acerca de como cada espectador extrai suas próprias conclusões e identificações sobre esses filmes, que são considerados LGBTQfobicos pelos jovens que convivem na contemporaneidade e que possuem acesso a artes visuais nas quais, de forma explicita, há relações queer. Doutor em Multimeios, Henrique Marques, pondera sobre como o modo de conexão com uma obra de arte passa por outros lugares que são muito profundos e subjetivos do que apenas a literariedade.
“Por isso, é tão importante visitar o passado, pois um filme problemático dos anos 60 pode ter uma questão que vai te tocar muito mais do que um filme queer atual da Netflix”, comentou Henrique Marques.
Segundo Henrique Marques, a descoberta de sua sexualidade ocorreu através de um desses filmes do gênero horror. “Quando eu assisti “Raw”, sobre uma garota adolescente se descobrindo canibal, aquilo para mim é exatamente como me senti descobrindo minha sexualidade”, disse ao ponderar como a interpretação é vinculada ao reconhecimento do espectador a respeito da obra.
“O filme ‘Carmilla, a Vampira’, de Karnstein, foi muito importante no meu processo de me entender, por eu ter sido reprimido. Eu tive muita dificuldade quando adolescente em me identificar com personagens explicitamente gays e, assim, eu ia atrás desses filmes de terror, e acabei me identificando com uma vampirada lésbica”, salienta o curador do Cine Phenoma, Matheus Marchett, ao avaliar que também esse gênero fez parte de sua identidade.
Os convidados ao evento analisaram o subgênero body horror – que focaliza as distorções do corpo e suas mudanças físicas, isto é, a pessoa que sente que está se transformando em um monstro, mas não pode compartilhar com ninguém – fazendo menção a identidade de gênero e de como é violento para o eu pessoal do ser humano, que está inserido em ambientes repressores, se assumir. De acordo com Álvaro de Souza, para as pessoas transsexuais é mais sensível esse subgênero. “Como perder o controle do corpo e não se sentir você mesmo”, disse.
Dessa forma, a mesa teorizou como todos os filmes de horror são potencialmente queer, pois, durante décadas eles moldaram de alguma forma o ideário de uma parte da sociedade que é constantemente reprimida pela arte. E avaliaram como esse gênero, de tantas formas possíveis, trouxe visibilidade para aqueles que não fazem parte da heteronormatividade.
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Ana Ornelas
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