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Para professora e programadora Sílvia Soares, em breve os algoritmos vão replicar a subjetividade humana
Por Gabriela Tiburcio
O avanço das pesquisas na área de programação sugere que, em breve, a tecnologia dos algoritmos conseguirá replicar a subjetividade do ser humano a ponto de compreender e lidar com sentimentos, de maneira mais avançada e precisa do que ocorre hoje. É o que prevê a professora Sílvia Cristina de Matos Soares, diretora da faculdade de Análise de Sistemas, da PUC-Campinas.
Mestre em Ciências da Computação pela Unicamp, Sílvia avalia que os países periféricos não estão se preparando adequadamente para lidar com o avanço tecnológico que virá em breve. O cenário de desigualdade e desemprego, decorrente da desqualificação profissional e do avanço da automação, deveria receber mais atenção por parte dos governos, afirma a docente.
“É preciso uma ação de governo forte, com projetos sociais que aproveitam os benefícios que a inteligência artificial e outras tecnologias emergentes trazem para a sociedade”, defende a pesquisadora nesta entrevista que concedeu ao portal Digitais. A seguir, os principais trechos:
A análise de dados feita por uma inteligência artificial (IA) é mais eficaz do que a humana?
Em relação ao algoritmo, está comprovado que ele consegue processar um volume de informações muito maior e em velocidade muito mais rápida do que o ser humano. Ainda há aspectos subjetivos, com os quais o ser humano consegue analisar de uma maneira mais eficiente do que o algoritmo, mas o desenvolvimento da IA e da programação desses algoritmos tem avançado muito. Hoje, sabe-se que chegaremos a um ponto em que o algoritmo conseguirá fazer praticamente tudo o que o ser humano faz.
É comum as pessoas argumentarem que a IA fará com que empregos e ocupações deixem de existir. Ela é realmente uma ameaça para os profissionais?
Esse é um debate profundo. Muitos cargos e posições que hoje existem vão ser e já estão sendo ocupados por máquinas e robôs que funcionam com o algoritmo de IA. Essa automação vai ocupar a maior parte desses empregos. O que ficará para o ser humano são atividades relacionadas à criatividade e à percepção. Neste sentido, há um impacto sério nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. A maioria dos habitantes desses países, que em muitos casos não concluíram o ensino escolar, não possuem o conhecimento necessário para atuar nos empregos que teremos disponíveis. O mundo está se movimentando para trabalhar a requalificação desses profissionais, com programas de capacitação. Mas, na maioria das vezes, essa capacitação não chega até esses países menos desenvolvidos. Então, fica a pergunta: o que fazer com essas pessoas, que precisam sobreviver, mas são substituídas nos empregos?
A inteligência artificial usada em aplicativos como o ChatGPT inibe o senso crítico e criativo de seu usuário?
As gerações mais antigas foram educadas em ambientes nos quais precisavam desenvolver criatividade, proatividade e uma série de competências com as quais as novas gerações, dessa era de produções prontas do ChatGPT, não estão necessariamente familiarizadas. Eu acredito que a tendência para essas gerações em relação à IA seja a de se acomodar. Nesse sentido, a educação precisa incentivar o desenvolvimento do pensamento e do senso crítico, a fim de analisar o que está sendo gerado por esses aplicativos, para, assim, tomar as decisões em cima dos produtos gerados por eles.
A inteligência artificial desses aplicativos pode colaborar com a disseminação de fake news?
O foco da IA não é a fake news. Mas é uma ferramenta poderosa, que pode ser utilizada tanto com boas quanto com más intenções. O algoritmo por trás da inteligência artificial busca informações na internet ou em base de dados para gerar ou completar um texto. Então, nem tudo o que ela gera é correto. Em alguns casos, somente quem possui conhecimento e senso crítico percebe o erro gerado. Nesse contexto, apesar de não ser o objetivo da ferramenta, ela acaba ajudando a disseminar informações que não são verdadeiras.
Utiliza-se muito a IA a favor da inovação e de grandes empresas. Ela também pode ser usada para mudar realidades sociais, de classes menos favorecidas?
Pode e deve. Os projetos sociais precisam se beneficiar dela, assim como as empresas que visam o lucro. É preciso uma ação de governo forte, com projetos sociais que aproveitam os benefícios que a inteligência artificial e outras tecnologias emergentes trazem para a sociedade. Algumas empresas já atuam em projetos sociais, então o governo conta com esse apoio. Mas é preciso uma força mais atuante do governo porque as empresas privadas não dão conta de garantir essa melhoria, além de não ser essa a sua obrigação. É uma obrigação do governo. Esses projetos são possíveis e viáveis. Basta a vontade de abraçar o trabalho e tocá-lo para frente.
O Brasil tem ficado para trás na corrida pelo domínio da IA? É interessante para o país encontrar seu espaço nesse mercado?
Para trás, não. Nós temos pesquisadores muito bons na área de inteligência artificial. As nossas universidades conseguem formar profissionais bem capacitados para essa área. O que acontece é que o centro de pesquisas das grandes empresas, as quais desenvolvem algoritmos e tecnologias emergentes, não fica no Brasil. Geralmente, elas estão centralizadas nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa. Mas grande parte dos profissionais dessas empresas multinacionais são brasileiros. Então, eu diria que o Brasil consegue acompanhar esse desenvolvimento e participar de grandes descobertas envolvendo IA.
A inteligência artificial funciona a partir de uma base de dados. Há equilíbrio entre uso de dados e privacidade?
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais existe para garantir esse equilíbrio e evitar abusos. Mas a maioria dos dados ficam disponíveis em fontes que, muitas vezes, não são confiáveis. Ainda temos sérios problemas no mundo todo em relação ao controle de dados. As pessoas, por ignorância, quando usam um site ou aplicativo, acabam cedendo seus dados com respostas a perguntas simples. Por isso, eu não acredito que exista hoje um equilíbrio. É preciso tomar muito cuidado com o software que se usa e com a resposta que se oferece a ele.
É preciso temer a inteligência artificial?
Temer é uma palavra muito forte. Acredito que não da inteligência artificial, mas do ser humano que a utiliza. A inteligência artificial traz grandes avanços nas diferentes áreas da sociedade. O problema está nas pessoas. A tecnologia pode ser usada tanto para o bem quanto para o mal. O indivíduo que for do mal realizará ações más, com ou sem tecnologia.
A inteligência artificial irá se desenvolver a ponto de sinalizar sentimentos?
Sim, sem dúvida nenhuma. Hoje, já existem algumas máquinas com inteligência artificial que conseguem lidar com sentimentos. Ainda não 100%, como o ser humano. Mas as pesquisas estão avançando e, muito em breve, a inteligência artificial possibilitará que uma máquina ou um robô lide com sentimentos de uma maneira mais avançada do que já acontece hoje.
Afinal, a inteligência artificial está se tornando senciente? Até que ponto ela é, de fato, inteligente?
A inteligência está no ser humano. É ele quem é capaz de codificar a tecnologia para fazer com que a IA tenha uma inteligência. É ele quem consegue programar o “pensamento” da tecnologia para tomar decisões baseadas em dados, mais assertivas e mais rápidas que uma pessoa consegue fazer. Tudo depende dessa programação.
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Melyssa Kell
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