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Recreie-se: a importância do brincar

Correr e ir à sala de jogos são passatempos preferidos das gêmeas Carolina e Melissa

Por: Fernanda Machado

O pediatra Tadeu Fernando Fernandes: “recreio ajuda a reduzir o grau de ansiedade” (Foto: Arquivo pessoal)

Visto muitas vezes como um momento de distração e entretenimento, em contraste com o ambiente da sala de aula, o recreio precisa ser analisado e incluído na grade horária curricular como uma parte da atividade escolar. É o que afirma o médico pediatra Tadeu Fernando Fernandes, ao lembrar que o intervalo “ajuda a reduzir o grau de ansiedade que o momento de aula provoca nas crianças, pois a cobrança nas escolas é muito grande”. Para o Presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) em Campinas, outro aspecto importante desse tempo é que nele ocorre o processo de sociabilização dos estudantes. “É quando você faz amigos, onde você brinca, corre e tem contato com outras crianças da sua idade. Na pandemia não havia essa interação, então os dois anos de isolamento evidenciaram a importância do recreio”, aponta. 

Segundo a psicóloga Ana Olmos, ao descansar a mente, brincar e se alimentar, o aluno retorna para a classe com a cabeça aberta, de maneira a conseguir prestar mais atenção na aula. Ela explica que esse processo de sociabilização consiste num treino para a vida, pois aprendemos a ser empáticos com as dificuldades alheias, a partilhar, cooperar, a lidar com conflitos, ter autodisciplina e melhorar nossa comunicação. Neste último quesito, a psicóloga sugere uma mudança nos padrões de distribuição dos alunos em sala de aula: “o ideal seria as escolas trabalharem com carteiras em roda, todos olhando para todos. Facilitaria manter a atenção sustentável”. 

A psicóloga Ana Olmos: “ferramenta importante para identificar problemas como situações de bullying ou sintomas de depressão” (Foto: Arquivo pessoal)

A respeito do vínculo social proporcionado pelo recreio, a especialista ressalta a importância de os educadores direcionarem as atividades propostas, de maneira que nenhuma criança seja excluída. “Se a escola optar por um recreio dirigido e estipular que determinado dia tem vôlei, por exemplo, aquele aluno que não joga vôlei, não pode ficar de fora, abandonado. É preciso oferecer outras atividades como alternativa”, explica a psicóloga. Ana Olmos, que é especialista em neuropsicologia infantil pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), observa que o recreio pode ser uma ferramenta importante para identificar problemas como situações de bullying ou sintomas de depressão. “É preciso entender por que certo aluno fica excluído durante o intervalo e tentar separar ‘panelas’. A escola tem o dever de mediar situações e intervir, quando necessário, para resolver os problemas.”

Para o pedagogo especialista em educação infantil, Junior Cadima, a coibição do bullying depende da participação de toda a escola e deve acontecer por meio de um trabalho planejado e organizado de conscientização. O especialista entende ainda que a função do educador é auxiliar o aluno em possíveis necessidades e não somente mediar e punir. “Não se deve falar para a criança que, se ela fizer tal coisa, ela vai para a diretoria. A figura do adulto não é para colocar medo, mas sim para auxiliar em possíveis necessidades”, explica.

Além de contribuir com os fatores sociais, o tempo de pausa também é importante para a saúde física. De acordo com Ana Olmos, “o ato de correr e brincar faz bem para o corpo da criança. É durante esse momento que ela se exercita e se mexe, liberando endorfina”. Para ela, um trabalho com respiração e exercícios de relaxamento para o corpo ajudam a manter a atenção na aula após o intervalo. Segundo Tadeu Fernando Fernandes, que é pós-graduado em Nutrologia Pediátrica pela Boston University School of Medicine, “as crianças adoram se levantar, pular e interagir no recreio. Elas até reclamam em dia de chuva porque precisam ficar dentro da sala de aula”, diz. Outro atributo relacionado às atividades ao ar livre é a luz solar. “Tomar de 2 a 3 minutos de sol diariamente é importante para sintetizar vitamina D”, explica o médico.

Recreio mediado ou crianças livres

Na visão do pedagogo Junior Cadima, é importante que as escolas definam uma programação para o recreio. “Não basta correr para desenvolver a coordenação motora ou a inteligência espacial, é fundamental que atividades e brincadeiras dirigidas sejam estimuladas. A criança precisa saber, por exemplo, se localizar dentro do espaço escolar. Onde é a cantina? Onde ela pode comer? Onde ela pode correr e jogar bola?”, indaga. 

Para a psicóloga Ana Olmos, o ideal seria as escolas intercalarem atividades mediadas e livres no cronograma. Assim como os professores preparam uma aula, é possível preparar o alimento pedagógico para o recreio, segundo a especialista. “Tem uma série de jogos e brincadeiras que cada um pode falar de si. Com essas propostas, você ajuda a criança a conhecer o outro, a formar vínculos e estimular a cooperação”, diz.   

Por outro lado, o pediatra Tadeu Fernando Fernandes entende que a intervenção de um adulto pode atrapalhar e inibir a criatividade dos alunos. “A criança precisa ser criança, se você coloca alguém para mediar as atividades, elas ficam normatizadas. Tem que deixar eles livres para inventar brincadeiras. A criançada é muito esperta”, afirma. O médico ainda alerta para o uso de celulares em algumas escolas durante o intervalo. “Não adianta dar recreio e permitir que as crianças fiquem em seus smartphones e tablets”, completa. 

Dr. Tadeu traz sugestões de lanchinhos para o recreio (Imagem: Fernanda Machado)

Além da brincadeira

O recreio é também o período de tempo em que as crianças fazem suas refeições na escola. Durante a pandemia, muitos alunos em situação de vulnerabilidade social dependiam das escolas para fazerem suas refeições diárias. O pediatra Tadeu Fernando Fernandes adverte para a necessidade de um acompanhamento da alimentação nas escolas, especialmente para faixas etárias acima dos sete anos. “Nessa idade, eles têm vergonha de levar lanche de casa e, quando levam, nem sempre é um lanche saudável. Então se a escola liberar a ida às cantinas, é importante também que não haja salgadinhos de pacote, refrigerantes e doces nas prateleiras”. Para ele, as escolas deveriam oferecer uma mesa com frutas e sucos naturais. “Se isso não for possível, então que pelo menos seja ensinado sobre a importância de se ter uma alimentação adequada e rica em nutrientes.

Outra questão apontada pelo pediatra diz respeito à duração do intervalo, visto que existe uma discussão na qual a tendência é diminuir este tempo. A justificativa seria aumentar o conteúdo programático oferecido aos estudantes em sala de aula e um melhor aproveitamento das matérias. No entanto, o médico lembra que o período não deve ser considerado como uma parte separada na agenda escolar. “Encurtar o tempo de recreio para colocar mais atividades me parece loucura”, critica.

A coordenadora Sandra Muller: “oferecemos uma fruta e um lanche leve para não irem embora para casa com fome” (Foto: Arquivo pessoal)

Segundo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEDUC-SP), os intervalos nas escolas estaduais parciais seguem o padrão de 20 minutos, podendo ser definido pela instituição se ele acontecerá após a segunda ou terceira aula do período. Já as escolas de período integral preveem dois intervalos de mesmo tempo, sendo um pela manhã e outro à tarde, além da uma hora de almoço. Os anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) ampliaram em 20 minutos a carga horária em função da necessidade de reorganizar a matriz curricular. A coordenadora geral de uma escola estadual de Campinas, Sandra Muller, ressalta a importância dos três tempos de pausa para essa faixa etária. “Quando eles chegam tomam um café da manhã simples, com leite e bolachinhas, depois eles almoçam e, para não irem embora para casa com fome, é oferecido uma fruta e um lanche leve”, diz.

Em uma escola da rede privada, também de Campinas, é disponibilizado aos alunos dos anos iniciais 40 minutos, sendo 20 minutos para o lanche e 20 minutos para brincadeiras. De acordo com a orientadora educacional Gisela Maria Couto, existe um cronograma com os locais disponíveis para as crianças comerem, podendo ser utilizado o espaço da culinária, da cantina e da sala de aula, sob a supervisão dos professores e inspetores. “Do 1º ao 5º ano, eles têm apenas um dia na semana para comprar na cantina. Então os pais recebem o cardápio pelo aplicativo e eles montam o que o filho pode comer”, explica. Segundo Gisela, a cantina da escola oferece saladas de frutas, sucos naturais e salgados assados. 

Matheus Bezerra Leite (esq.): “o recreio me liberta” e Lucas Rosa Pedroso (dir.): “amo ficar ao ar livre” (Foto: Fernanda Machado) 

O recreio na visão das crianças

Unanimidade entre todas as crianças ouvidas pela reportagem, o recreio e os momentos com os amigos foi o que mais eles sentiram falta durante os anos de pandemia. Matheus Bezerra Leite, 10 anos, classificou a aula virtual como frustrante. “Era muito cansativo porque a internet sempre caía e eu também não podia correr pela escola com os meus amigos. Me sinto bem no recreio. É uma das oportunidades que temos para nos divertir. Ele me liberta”, completa. Assim como o Matheus, o Lucas Rosa Pedroso, 9 anos, ama ficar ao ar livre brincando de pega-pega e jogando queimada. Apaixonado por games, ele ficou muito feliz quando a crise sanitária foi controlada e as aulas voltaram a ser presenciais, apesar das máscaras que – segundo ele – ainda são obrigatórias para as crianças na escola.

As gêmeas Melissa Abujamra (esq.) e Carolina Abujamra (dir.) se sentem energizadas e livres de ordens (Foto: Fernanda Machado)

As gêmeas Carolina Abujamra e Melissa Abujamra, 8 anos, também adoram o recreio. Melissa se sente energizada, enquanto Carolina curte o momento em que se sente livre de seguir ordens. Aspirante a cantora, Melissa aproveita o tempo de intervalo para brincar na sala de jogos. Já Carolina, que quer ser veterinária, gosta de correr e fazer estrela. “Queria que tivesse mais tempo de recreio, tipo 1 hora ao invés de só 20 minutos de brincadeiras.”

A orientadora Gisela Maria Couto explica que as várias opções de recreação durante o intervalo possibilitam uma melhor observação dos comportamentos das crianças em diferentes atividades. Além disso, a equipe de inspetores ajuda a avaliar cada aluno individualmente, dando feedbacks sobre os acontecimentos e possíveis necessidades que eles tenham. “O recreio precisa ser um momento prazeroso de lazer para eles, e deve acontecer da melhor maneira possível”, destaca. Gisela conta que os alunos voltam muito agitados e que, para retomar o conteúdo, é sugerido que façam alongamentos. “Os professores recomendam que eles abaixem a cabeça, estiquem os braços nas mesas e respirem fundo.”

Os alunos Yasmin Isabelle Ferreira, Pedro Joaquim de Oliveira e Thainá Fernandes Silva, de uma escola estadual de Campinas, falaram sobre o que mais sentiram falta durante a pandemia, do que mais gostam de fazer durante o recreio e o que eles gostariam que fosse oferecido durante o intervalo. A Yasmin, 10 anos, que ama desenhar personagens e quer ser desenhista, gostaria de ter um espaço para se fantasiar e maquiar com tinta. A respeito disso, a coordenadora geral Sandra Muller diz que a instituição está implantando o que chamam de cantinhos, no horário do almoço. “São espaços de leitura, pintura, maquiagem, jogos e artesanato. Pensamos em deixar os alunos do 5º ano como responsáveis pela organização, até para eles se sentirem protagonistas, mas com o monitoramento de professores, é claro”. Segundo Sandra, a escola está avaliando se esses momentos de interação vão acontecer de segunda à sexta ou em dias específicos, mas a ideia é que funcione de duas a três vezes na semana para continuar sendo atrativo para as crianças. 

Na íntegra, a entrevista com os alunos.

Orientação: Profa. Dra. Cyntia Andretta

Edição: Marina Fávaro


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