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Famílias que produzem o grão na Colônia do Piagui há gerações têm sofrido com o aumento dos custos da produção
Por Bianca Velloso e Thammy Luciano
Em Guaratinguetá, no Vale do Paraíba, quem chega ao bairro Colônia do Piagui, na região norte da cidade, vê uma planta de altura baixa, da qual pendem ramos acobreados, tomando a paisagem. Aquele tapete verde, mergulhado numa lâmina d’água e cercado por montanhas, representa 47,4% das áreas de cultivo de arroz do estado de São Paulo, o que corresponde a 4.647 hectares. Apesar da importância do alimento no cardápio do brasileiro, o baixo retorno financeiro da plantação ameaça o cultivo na região.
Segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA), em 2020, a cidade foi responsável por 55,8% da produção de arroz do estado de São Paulo, que equivale a 579.155 sacas de 60 kg. Mesmo assim, a tradição sofre com as baixas margens de lucro dos agricultores, por conta da elevação de preço dos insumos, como os fertilizantes, em razão do aumento da demanda desses produtos a nível mundial.
As expectativas para a safra 2021/22 são baixas. Vinícius Nascimento, assistente de planejamento da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) – órgão vinculado ao governo do estado de São Paulo -, explicou que as despesas de safras anteriores, compostas por compras de sementes e defensivos agrícolas, eram de R$ 8.500 por hectare. Porém, a nova safra tem previsão de atingir custos acima de R$ 12.500. “Nós estamos vivendo um ano no qual essa safra será de muito risco ao produtor rural”, alerta Nascimento.
O grão chegou ao Brasil no século 16, e é apontado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura como um dos alimentos mais importantes para a população mundial. Mas a relevância do alimento não é suficiente para evitar os problemas na produção. “A desvalorização começou a causar o empobrecimento de nossos agricultores, fazendo muitos trocarem de cultura”, diz Nascimento.
Rodrigo Amadei, responsável pelo suporte técnico da Cooperativa de Produtores de Arroz, diz que a valorização de outras commodities, como soja e milho, contribui para a migração de culturas. “O mercado do arroz é instável e depende muito da demanda, principalmente dentro do mercado nacional”, explica.
Tradição e resistência
Fundada em 1892, a Colônia do Piagui teve origem a partir do loteamento de uma fazenda doada por Francisco Rangel de Barros ao Estado. A área de 1.264 hectares foi dividida em 283 propriedades e vendida para famílias imigrantes europeias no sistema de pagamento a longo prazo. Com isso, os colonos passaram a produzir para autoconsumo e para comercialização, a fim de pagar as terras. De início, foi a cana-de-açúcar; com o passar dos anos, a demanda de arroz cresceu, e os agricultores migraram de cultura.
A rizicultura assegura o sustento de famílias há gerações, como entre os Rossato. André, 22, estudante de engenharia agronômica, já se dedica à atividade, seguindo os passos dos pais e do avô. Por não possuir o maquinário necessário para o beneficiamento, a família vende o arroz agulhinha em casca. A venda do grão de forma mais bruta rende menos aos produtores. Uma saca de arroz assim sai por R$ 91,80, de acordo com o IEA. Enquanto o preço do grão beneficiado é de R$ 175, segundo a Bolsa de Cereais de São Paulo.
Além do investimento no maquinário, a família teria de abrir uma empresa para comercialização, questões que fazem os produtores optarem pelo trabalho com o grão bruto. “No nosso caso, a gente produz arroz em casca e vende para qualquer marca ou pessoa que queria comprar o arroz em casca para beneficiar e vender”, diz Rossato.
Nesse processo, algumas das vendas são feitas para um corretor agropecuário, mediador entre os produtores e as beneficiadoras. Os intermediários acabam diminuindo o lucro dos produtores. “A gente acaba ficando sem entender de onde vem a depreciação do arroz, porque nós produzimos bastante e precisamos vender muito barato para conseguir comercializar a produção”, conta o produtor.
Por isso, André Rossato, apesar de reconhecer a importância de passar a tradição para novas gerações, se preocupa com o futuro da cultura, considerando os aumentos constantes nos custos de produção. “Se chegar a um ponto no qual percebemos que não é vantajoso a produção de arroz, infelizmente a gente vai ter que mudar”, finaliza.
É o que fez a família Zangrandi, apesar de continuar tendo no arroz a principal atividade. Juliano, 28, engenheiro agrônomo, é a segunda geração no ramo. Em razão da perda de lucro, os Zangrandi passaram a cultivar milho e estão estudando possibilidades de outras culturas. “Hoje, não dá para depender somente do arroz, temos de variar a cultura”, diz.
E não são somente as famílias de produtores que tentam preservar a tradição, apesar das dificuldades: a rizicultura também resiste pelas mãos de funcionários. Esse é o caso de Luciano Souza, 46, que trabalha nas propriedades da família Zangrandi desde 2015. Aos 7 anos, ele acompanhava a mãe na plantação de mudas de arroz. Mas acabou seguindo os passos do pai, que era tratorista. Para ele, operar máquinas é a realização de um sonho de infância.
Os irmãos do tratorista também trabalham com arroz, e a tradição está passando para novas gerações. Seu neto de 6 anos, Fábio, demonstra interesse na área. “Falei para ele: ‘Se o vô for, você fica no lugar do vô”’, diz.
A raridade que valoriza a cultura
Em 2005, a família Ruzene viu no arroz especial uma oportunidade de ter mais lucratividade. São espécies menos comuns no Brasil, mas valorizadas na gastronomia, como o arroz preto. Ao migrar de cultura, no entanto, enfrentaram problemas na venda do grão. “Nós tivemos muita dificuldade para que o arroz especial se tornasse parte do hábito de consumo”, conta Francisco Ruzene, 58, responsável comercial. Atualmente, 1 kg de arroz preto na casca é vendido por R$ 10, e o quilo do grão beneficiado custa o dobro.
Os Ruzene fundaram um centro de pesquisa próprio, o Cipar (Centro de Intercâmbio e Pesquisas Arroz Ruzene), onde são realizados cruzamentos genéticos de diferentes espécies do grão. Os estudos e testes para que uma nova espécie possa ser cultivada levam cerca de 12 anos.
Francisco teve o suporte de seus irmãos, Maria Oséas, 58, pesquisadora do Cipar, e Carlos, 39, também pesquisador, que compõem a terceira geração na rizicultura. Eles se preocupam em manter a tradição viva. “A gente procura passar de pai para filho”, fala Francisco. Maria se sente grata por estar na atividade. “Trabalhar em uma coisa que teve início com o meu avô é prazeroso. É de coração que eu digo isso.”. A mãe, Maria José, 79, não imaginava os filhos trabalhando em outra área. “A gente começou assim e vamos terminar assim”, diz.
Canal de irrigação e meio ambiente
Além da luta pela manutenção da tradição, todas as famílias que sustentam a cultura do arroz na região da colônia têm outra ligação: suas propriedades são banhadas pela água de um canal de irrigação. Construído na década de 60, ele se estende por 30 km e capta água do rio Piagui, próximo à região. “O canal é a alma da colônia. Se não fosse ele, não teríamos lavouras de arroz aqui”, afirma Maria Ruzene.
A razão disso é que os produtores da região utilizam o sistema de plantio irrigado, no qual o arroz fica submerso por uma lâmina d’água durante o ciclo de crescimento. O que requer disponibilidade de água e áreas planas, para que possam ser montados os “quadros de arroz”, espaço que abriga a planta.
Há outra opção de plantio que não exige que o solo seja submerso, o sistema de sequeiro, que é implantado em áreas com desnível e que não dispõem de canais de irrigação, o que gera dependência de chuvas para a irrigação. Em razão da instabilidade climática, esse sistema tem baixa produtividade, gerando perdas e prejuízos.
A planta aprisiona energia solar e também precisa de água para se desenvolver. Com clima quente e chuvas concentradas, Guaratinguetá tem condição favorável ao sistema irrigado, e por isso ele é largamente aplicado na região. Vinicius Nascimento explica ainda que, no sistema irrigado, as plantações servem como amortecimento para águas pluviais. “Quando chove muito, pode subir a lâmina d’água na lavoura 10 cm que não vai fazer diferença”, explica. Além disso, a água vai gradativamente para o rio, o que evita picos de enchentes.
Rogério Oliveira, técnico de apoio à pesquisa no IAC (Instituto Agronômico de Campinas), trabalha na rizicultura há 30 anos e percebe que os produtores se preocupam com o meio ambiente. A cultura, na maior parte dos casos, não é feita de forma orgânica, mas os agrotóxicos não chegam ao rio. Oliveira conta que, durante o processo, os diques – canais de entrada e saída de água – são fechados. “Toda alteração que é feita no arroz irrigado fica na água, que está parada. Fecha-se a entrada e a saída dela. Então, os produtos não vão para o rio”, explica.
Além disso, como o agrotóxico é o produto mais caro utilizado na lavoura de arroz, os produtores buscam aplicar pouco, segundo o técnico. Em pragas que não são extintas pelas substâncias, como a cigarrinha, combate-se pelo método de controle biológico com fungos, através da aplicação de fungicidas.
André Rossato ressalta a necessidade de respeitar os limites da planta no cultivo do arroz. “Devemos produzir comida de qualidade, saudável e sem contaminar as pessoas, precisamos ter essa preocupação”. Juliano Zangrandi completa: “Quem for contra a natureza vai perder sempre”.
Orientação: Profª Juliana Doretto
Edição: Luiz Oliveira
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