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A advertência é do biólogo Michel Naslavsky, que descreve como “assustadoras” as possiblidades da genômica
Por: Anna Luiza Scudeller
Os testes de ancestralidade, fornecidos por empresas que se utilizam de chips de sequenciamento de DNA, são de extrema importância para a identificação do risco de doenças como hipertensão, diabetes e câncer. Entretanto, as promessas desses testes são “assustadoras” de acordo com o professor Michel Naslavsky, biólogo e doutor em genética pela Universidade de São Paulo (USP).
Questionado sobre os riscos de que a popularização desses testes venha a possibilitar uma nova forma de desigualdade que, além de socioeconômica, é biogenética, ele fez um paralelo com o filme Gattaca – A Experiência Genética (1997). Na longa-metragem, bebês são selecionados em laboratório, ainda gametas, para terem o menor risco de contrair doenças, sendo o protagonista fruto de uma gestação aleatória, sem essa pré-seleção.
Conforme Naslavsky lembrou ao público que o assistiu no Café Filosófico, na quinta-feira (21), a obra foi apontada pela NASA como sendo um filme de ficção científica com grande chance de deixar de ser obra ficcional, uma vez que já é possível fazer tais mutações em laboratório. Até o momento, o consenso da comunidade médica é de não realizar essa triagem por não ser possível avaliar as consequências da prática no longo prazo.
Em sua palestra, Naslavsky destacou que a comunidade científica quer evitar uma neocolonização a partir desses dados, que também podem ser utilizados por empresas e governos para diversos objetivos. Como se compartilham informações genéticas com todos os membros de uma mesma família, mesmo que não se doem dados para um banco, a partir dos dados de um primo distante, pode-se chegar a qualquer um que queira passar desapercebido.
Foi o caso do Golden State Killer, nos Estados Unidos, assassino encontrado graças a um teste de ancestralidade feito por um parente distante. Ou seja, por meio dos genes, é possível que ocorra um novo tipo de segregação. O doutor em genética salienta a importância desses dados serem utilizados pelos próprios doadores para benefício pessoal, como identificar o risco de determinadas enfermidades.
Testes poligênicos, que inferem os riscos de determinadas doenças, são realidade há anos, mas só recentemente foram popularizados com a queda de preço para os interessados. Para além da curiosidade de conhecer as raízes familiares, os testes de riscos poligênicos estão bem inferidos em populações mais homogeneamente europeias para algumas doenças, porém, há limitações.
As amostras são comparadas com as de populações parentais, coletadas em locais isolados e que se supõem serem descendentes das populações de 500 ou mil anos atrás. Esses testes são produzidos nos Estados Unidos e na Europa, em que há mais participantes com ancestralidade europeia e, consequentemente, homogênea, segundo disse Naslavsky. Assim, esses testes estão mais bem inferidos em populações mais homogeneamente europeias para algumas doenças, mas pouco inferidos em populações mais miscigenadas, que é o caso do Brasil.
Não há muitos dados das populações parentais brasileiras em bancos de dados e são poucos os doadores de dados para esses bancos a nível nacional, o que prejudica a precisão dos testes para uma sociedade tão miscigenada como a brasileira, que conta com ancestrais europeus, africanos e nativo-americanos.
Antes, era extremamente caro sequenciar um genoma. Um exemplo notório é Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990 e que teve fim em 2003, o qual custou U$ 3 bilhões. Hoje, segundo Naslavsky, um teste que analisa um milhão de pontos variáveis custa, em média, cerca de U$ 100.
Com o barateamento, os testes ficaram populares e permitem que seja então aplicada a medicina P4, cujos pilares se assentam na predição, prevenção, personalização e participação. Também chamada medicina de precisão, a P4 tem como foco o indivíduo e considera todo seu contexto e histórico, ao contrário da medicina tradicional que é centralizada em doenças e no tratamento delas. Essa nova medicina surge por conta do risco de perder as nuances das doenças em cada pessoa. Contudo, a P4 ainda é cara e de difícil acesso para grande parte da população, disse o cientista.
Aqui, acesso à íntegra da palestra de Michel Naslavsky no Café Filosófico
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Fernanda Almeida
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