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Especialistas dizem que a ausência das terapias pode levar à regressões
Por Giovanna Giuga e Julia Vilela
No dia 18 de junho comemora-se o Dia Mundial do Orgulho Autista, o qual, apesar de ter sido celebrado inicialmente em 2005 pela organização americana Aspies for Freedom, foi aprovado no Brasil somente em 2020. Segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a estimativa é de que existam cerca de dois milhões de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil e falar sobre o autismo torna-se cada vez mais importante para que, além do acesso à informação, a sociedade consiga mudar a visão negativa sobre esse transtorno, que muitas vezes leva à exclusão dessas pessoas.
A fonoaudióloga Natália Rovere, mestra em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação, afirma que as piores consequências trazidas pela pandemia da Covid-19 para as crianças com autismo foram relacionadas à interação social, à comunicação e também aos comportamentos, justamente os três pilares de critério diagnóstico para o autismo. Natália diz que o isolamento social agravou a dificuldade natural de socialização da pessoa com TEA, já que ela não consegue ir para a escola, viver em comunidade, frequentar lugares antes presentes em sua rotina ou ver pessoas de fora.
Segundo Natália, apesar de nas terapias serem ensinadas formas de comunicação efetivas em diversos contextos, durante o isolamento social “a criança começa a se comunicar somente com as pessoas da sua família, que geralmente são poucas pessoas, e acaba não tendo a necessidade de se fazer entender para pessoas que estão fora desse ambiente já conhecido”. Também afetada pela pandemia, a rotina é de extrema importância para pessoas com autismo e, a quebra dela, tem resultado em alterações comportamentais, dificuldade no sono e na alimentação.
No ano passado, a fonoaudióloga, que fazia parte da equipe da ACESA Capuava, entidade sem fins lucrativos de Valinhos que tem como público alvo crianças, jovens e adultos com TEA, deficiência intelectual, deficiência múltipla e surdez, foi responsável pelo projeto de adaptação dos atendimentos da instituição ao formato online, o qual ocorre de duas formas: teleatendimento ou telemonitoramento. O teleatendimento foi pensado para pessoas que têm um nível de atenção sustentada suficiente para conseguir participar do atendimento com autonomia. Para as crianças menores, que não conseguem ou possuem capacidade cognitiva para permanecer em frente às câmeras, o atendimento é feito com as famílias.
Para complementar os atendimentos com profissionais, existem algumas práticas que podem e devem ser encaixadas no cotidiano da pessoa com TEA para estimular seu desenvolvimento. No áudio abaixo, Natália Rovere especifica exercícios que podem ser realizados mesmo com o isolamento.
Na ACESA Capuava, além dos atendimentos, as oficinas culturais, tradicionalmente oferecidas pela instituição aos atendidos, também foram adaptadas ao formato remoto. O projeto PRONAC Nº 202954, com realização do Ministério do Turismo, complementa o tratamento e o acompanhamento feitos pelos profissionais da entidade. As oficinas contam com aulas de teatro, música, dança, expressão corporal, desenho animado e pintura em tela, todas visando estimular a coordenação motora e a linguagem.
A psicóloga Renata Catusso, coordenadora técnica da ACESA Capuava diz que, hoje, passados mais de um ano desde o início do isolamento, os atendimentos da entidade estão funcionando em formato híbrido, se dividindo entre online e presencial. Para esse retorno, foi realizada uma pesquisa com as famílias atendidas, questionando o interesse de retornar ao presencial e verificando com a equipe quais casos teriam essa necessidade, medindo riscos e benefícios.
Além dos cuidados com as normas de higiene estabelecidas com a pandemia, Renata afirma que o processo de readaptação também era uma preocupação da equipe. “Nós tínhamos um certo receio de que quando as crianças retornassem iríamos ter problemas de readaptação, mas ao longo desse primeiro mês o retorno foi positivo”, explica.
Quem também se acomodou muito bem na nova clínica e escola após um ano dentro de casa, em razão da pandemia, foi o Diego, de seis anos, diagnosticado como autista clássico. Entretanto, até que o sonho de ir à escola fosse realidade, sua mãe, Sabina Borba de Melo, conta que a pandemia afetou diretamente o desenvolvimento comportamental de seu filho. “Muitas atitudes antigas voltaram em 2020, como as estereotipias, que são os comportamentos repetitivos, a agressividade, a tristeza por não saber lidar com as frustrações e, principalmente, a falta de uma rotina restritiva”, conta Sabina.
Pelo fato de ser progressivo, o autismo regride o aprendizado conquistado anteriormente com a falta de atendimento terapêutico e acompanhamento psiquiátrico e, para Sabina, foi após a sua mudança da capital para o interior do Estado, em busca de mais qualidade de vida ao seu filho, que a questão se agravou. Ela explica que, logo no início da pandemia no país, se mudou com Diego para Paulínia-SP, dando a ele a chance de viver em um terreno maior e não mais dentro de um apartamento de 70m².
Porém, apesar dos benefícios da nova vida no interior, Diego, que tem autismo seguido de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), passou a ter inúmeras dificuldades para lidar com o tempo ocioso, sem as terapias que estava acostumado.
Após um ano de incertezas em relação às terapias do Diego, Sabina conseguiu matriculá-lo, em fevereiro deste ano, na Clínica e Escola de Educação Especial Luz, em sua nova cidade. “Em cinco meses de escola, com todas as atividades e terapias de volta, o contato com as outras crianças e, também, com os profissionais, ele já teve um bom crescimento, e acho que isso só vai melhorar”, diz.
De acordo com a psicóloga e psicopedagoga Juliana Boigues, diretora e sócia da Clínica Especial Luz, a escola opera com uma equipe multidisciplinar com psicólogos, psicopedagogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, musicoterapia, equoterapia, oficinas terapêuticas, educação física adaptada, psicomotricidade, entre outras áreas. A psicóloga afirma que, assim que um novo aluno chega à escola, ele é avaliado para que a sua necessidade seja atendida. “Eu avalio a criança, adolescente ou adulto e monto um plano de tratamento com as terapias que ela precisa e, a partir deste plano, nós idealizamos um currículo terapêutico e escolar individualizado”, explica.
Além disso, Juliana diz que um dos grandes benefícios da Clínica e Escola Luz é a possibilidade de realizar todos os atendimentos no mesmo local, sem precisar sempre se deslocar, já que o autista precisa conviver com uma rotina. “Nós atendemos outras cidades da região de Campinas e buscamos sempre novos treinamentos e especializações para lidar com cada caso à sua maneira, procurando os melhores resultados de desenvolvimento”, finaliza a diretora da Escola Luz.
Diagnóstico
Segundo a neuropediatra especialista em Transtorno do Espectro Autista, Dra. Deborah Kerches, as características centrais que caracterizam uma criança com TEA são prejuízos persistentes na comunicação e interação social associados a padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades.
A neuropediatra explica que o diagnóstico é clínico, realizado por meio da observação dos comportamentos e desenvolvimento da criança em diversos contextos sociais, bem como as informações de pais ou responsáveis. Além disso, Kerches esclarece que, hoje, são utilizados como referência os critérios diagnósticos para o Transtorno do Espectro Autista do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), da Associação Americana de Psiquiatria. “A quinta e última revisão deste Manual, em 2013, unificou todos os quadros com características do autismo em uma única nomenclatura, Transtorno do Espectro Autista”, conta a especialista em TEA.
Outra questão importante, porém, nem sempre conhecida, é a identificação dos níveis de gravidade. Deborah Kerches informa que, no nível 1, não há atrasos cognitivos ou intelectuais e de aquisição de fala significativos. O quociente intelectual (QI) deve estar acima de 70. Já no nível 2, são visíveis as dificuldades sociais mesmo na presença de apoio e pode haver deficiência intelectual associada. No nível 3, é preciso um grande apoio e, além disso, existem sérios prejuízos no funcionamento. Apresentam déficits graves na comunicação social, verbal e não verbal, além de poder estar relacionado à deficiência intelectual e comorbidades.
Tratamento
Não há nenhuma medicação para os sintomas e principais características do autismo. Deborah Kerches explica que, como maior embasamento científico para o tratamento dos sintomas do autismo, estão as intervenções comportamentais baseadas na análise do comportamento. Desta forma, o tratamento é multidisciplinar com psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, integração sensorial, psicomotricidade, psicopedagogia, musicoterapia, equoterapia, fisioterapia, entre outras, de acordo com as necessidades de cada pessoa.
Ademais, “as medicações podem ser necessárias, porém, quando existem comorbidades, ou seja, condições associadas que podem prejudicar o desenvolvimento e a aquisição de novos aprendizados de pessoas com TEA”, garante a especialista.
Alguns exemplos de comorbidades frequentes no TEA são: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Distúrbios do sono; Transtornos Ansiosos; Transtornos de Humor, especialmente depressão; Transtorno Opositivo Desafiador (TOD); Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), Epilepsia, entre outros.
Orientação: Prof. Gilberto Roldão
Edição: Luiz Oliveira
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