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Aumento de doenças tropicais reflete desigualdade

Segundo o parasitologista Danilo Cicconi, esquistossomose e hanseníase se devem a condições sanitárias

Por Bruna Carnielli

Campinas registrou, de 2020 a 2021, um aumento nos casos de esquistossomose, leishmaniose e hanseníase, conforme os dados divulgados pela DEVISA de Campinas (Departamento de Vigilância em Saúde). Assim, a cidade segue o mesmo fluxo do Brasil, que é líder no número de casos dessas parasitologias na América Latina.  De acordo com Danilo Cicconi, docente do departamento de Biologia Animal da Unicamp e especialista em Parasitologia, essas doenças são classificadas no grupo de Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs), típicas de países de clima tropical, que refletem as condições de desigualdade social.

Cicconi: “A conscientização da população acerca dos patógenos que circulam na região é fundamental” (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo Cicconi, o problema do aumento persiste, uma vez que “o governo dá remédio, mas não dá moradia”, tornando-se uma questão estrutural de saúde pública, porque a proliferação acontece, principalmente por conta da falta de oferecimento de saneamento básico e uma nutrição adequada para a população.

De acordo com o especialista, em áreas rurais de Campinas, como os distritos de Souzas e Joaquim Egídio, verifica-se o aumento de casos dessas doenças, porque, além de receberem a presença de animais de outras regiões, acontece a ocupação, por parte da população, de zonas próximas às matas, o que pode ocasionar o contato do indivíduo com vetores e reservatórios de parasitas.

Aumento de casos

Os dados divulgados pela DEVISA apontam que a esquistossomose, doença causada pelo verme Schistosoma mansoni e que tem a transmissão por penetração de larvas aquáticas através da pele, sofreu um aumento de três para 38 no número de casos notificados da doença no último ano.

As larvas passam por uma etapa de desenvolvimento em caramujos do gênero Biomphalaria que habitam lagoas de regiões quentes. “O uso destas águas, como atividade recreacional, acaba expondo muitas pessoas ao risco de infecção pelo verme”, afirma Cicconi, que complementa: “principalmente nas áreas norte e noroeste da cidade. ”

Ele pontua que a esquistossomose pode ter fase aguda, mas muitos indivíduos podem apresentar formas crônicas, inclusive com quadros graves de acometimento do fígado. Além disso, há formas raras como Neuroesquistossomose, encontradas em pacientes de Campinas, o que caracteriza a região como área de focos, principalmente no verão.

Sobre a Hanseníase, que teve um aumento de quatro casos em 2019 para 17 em 2020, o especialista afirma que há um atraso na entrega de medicamentos por parte do SUS, para o tratamento dessa doença crônica, causada pela bactéria Mycobacterium leprae considerada curável.

“Infelizmente, muitos pacientes diagnosticados em 2020 ainda não tiveram acesso ao medicamento e podem ser propagadores do agente etiológico para outros indivíduos.”. Ademais, conforme explica Cicconi, aqueles que interrompem o tratamento podem ter reativação da doença com acometimento de nervos.

Os casos de Leishmaniose Tegumentar, doença transmitida ao homem pela picada da fêmea do inseto infectado, denominado Flebotomínio, ou como é popularmente conhecido “mosquito – palha”, evoluíram de um caso para seis no último ano.

“A conscientização da população acerca dos patógenos que circulam na região é fundamental” e, ainda de acordo com o docente, pode ser feita a partir de campanhas de educação em saúde envolvendo escolas, universidades e comunidades de bairros de cada uma das regiões do município.

Junto a isso, ele destaca a importância do trabalho de agentes de saúde da vigilância epidemiológica e sanitária da Prefeitura Municipal, não apenas quanto ao monitoramento de casos, mas também na disseminação de informações sobre riscos, formas de prevenção e busca de assistência médica por parte da população.

Caso na região

Geromil: “Começou como um espinho em minha mão”; no detalhe, a ferida que se formou (Imagens: Arquivo Pessoal)

“Começou como um espinho em minha mão e evoluiu para uma ferida, depois veio a segunda e depois a terceira”, relata o jardineiro Geromil José Cucchi, de 71 anos, morador da cidade de Paulínia, que foi diagnosticado com leishmaniose no último mês de janeiro e precisou buscar tratamento em Campinas. Ele diz que não sentiu coceira ou dor, apenas notou o crescimento da lesão.

O jardineiro Cucchi diz que tentou de tudo para sarar a ferida e a situação durou três meses, até que decidiu procurar um médico. Ele foi ao hospital da PUC Campinas, recolheu a biópsia e foi constatado Leishmaniose Tegumentar. Cucchi só conseguiu começar a tomar a medicação 20 dias após o diagnóstico e para isso precisou entrar com um pedido na prefeitura.

“Comecei a tomar uma dose por dia, antes de acabar a última dose, a ferida já tinha cicatrizado”, afirma o jardineiro

André Bueno: “Precisamos fazer um diagnóstico rápido e iniciar o tratamento adequado” (Foto: Arquivo Pessoal)

A Leishmaniose Tegumentar, que foi a contraída por Geromil, é bastante recorrente em Campinas e também na região. Assim, de acordo com o infectologista André Bueno, do Hospital da PUC Campinas, o tratamento para pacientes idosos é feito com o medicamento Anfotericina, um medicamento caro “mas felizmente o ministério da saúde cobre totalmente a aplicação dessas drogas”, frisa o médico.

“A gente não consegue controlar o vetor”, afirma o infectologista, explicando que isso acontece porque o ciclo da Leishmaniose Tegumentar ainda não é muito bem conhecido, o que também contribui para a sua proliferação

 “É preciso falar e debater o tema”, avalia especialista

Selma Giorgio, com doutorado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Paulo aponta sobre a importância de falar sobre as Doenças Tropicais Negligenciadas. Para ela, é essencial conscientizar a população a respeito das Doenças Tropicais, pois são parasitologias comuns e endêmicas no país. Essa conscientização pode levar ao melhor controle e proteção individual e da coletividade, pois com um diagnóstico precoce mais rápido é iniciado o tratamento. Além disso, essa é uma maneira da população pressionar o Estado para mais ações contra estas doenças. Esse problema é de saúde pública e o Estado tem que investir em pesquisa, tratamento, controle e profilaxia. Mas também, estar atento a outros fatores, porque essas geralmente são doenças ligadas a condições de vida e ambientais inadequadas, como a falta de saneamento básico, nutrição adequada, moradia bem estruturada entre outros fatores, que proporcionam o contágio e a proliferação.

Orientação: Prof. Marcel Cheida

Edição: Oscar Nucci


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