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Temas sociais dominam mostra do cinema fantástico

Cena de “Os últimos românticos do mundo”, no 1º Festival Brasileiro, que se encerra terça

Cena de “Os últimos românticos do mundo”, ambientado no ano de 2050, com o planeta prestes a se acabar por conta de uma nuvem rosa (Imagem: DarkFlix)

Por: Guilherme Turati

Reunindo 41 produções cinematográficas brasileiras que caminham por gêneros como terror, afrofuturismo, ficção científica e fantasia, o 1º Festival de Cinema Brasileiro Fantástico (FCBF), que teve início na quarta-feira (12), segue até a próxima terça-feira (18). O Festival é gratuito e os filmes são disponibilizados pela plataforma de streaming Darkflix, onde também há espaço para conferências, sessões comentadas e uma masterclass voltada a discutir uma perspectiva sobre dois eixos do cinema fantástico brasileiro: horrores do Brasil e o maravilhoso cotidiano.

O festival conta com três mostras simultâneas: a mostra Retrospectiva do Cinema Brasileiro Fantástico do Século XXI, que exibe uma seleção de longas e curta-metragens produzidos nos últimos vinte anos; a mostra Realizadores Fluminenses, que coloca no holofote produções cariocas sobre diferentes Rios de Janeiros; e a mostra Inéditos do Brasil, que reúne produções de todo o país, com temas que possuem elementos que dialogam entre si.

Na noite de sexta-feira (14), terceiro dia do festival, foi realizada a sessão comentada do curta-metragem carioca “Chico”, dirigido pelos Irmãos Carvalho, apresentado dentro da mostra Retrospectiva. “Gosto de falar que as obras trazem a negritude como temática, não só falando sobre racismo, mesmo que isso possa estar presente, mas colocando a história, cultura, linguagem e estética e as diversas formas de tratar essas questões dentro de uma dimensão discursiva”, comentou em sua participação o escritor Waldson Souza, mestre em literatura e pesquisador do afrofuturismo, gênero em que a produção se encaixa.

Criado em 1990, o termo afrofuturismo refere-se a um movimento artístico presente no cinema, literatura, música e artes plásticas onde há o protagonismo da cultura e personagens negros dentro de um conceito futurista e tecnológico. Para se enquadrar neste gênero, são considerados quatro elementos essenciais: é importante que a obra seja de ficção especulativa, como o horror sobrenatural, a ficção científica e a fantasia; deve ser produzido por pessoas negras, propondo perspectivas diferentes; o protagonismo também deve ser dessas pessoas e a temática deve defender os interesses dessa população.

O escritor Waldson Souza: “O racismo cotidiano é o colonial reinventado” (Imagem: Instagram)

O curta-metragem se passa em um Brasil distópico, porém não muito distante, em 2029. No contexto da produção, jovens negros e periféricos, ao nascerem, recebem uma tornozeleira que serve para monitorá-los. Próximo do aniversário do protagonista que dá nome ao filme, é sancionada a “Lei da Ressocialização Preventiva”, na qual os jovens que já possuíam a tornozeleira seriam presos.

“A ideia que é colocada dentro da temática afrofuturista é a questão da criminalização e como o presente reencena e reconstrói o racismo colonial. O racismo cotidiano é o colonial reinventado e mantido dentro das estruturas da nossa sociedade”, disse Waldson.

Para o pesquisador, o filme dialoga com a ideia de diversos autores, como Angela Davis e Grada Kilomba, que falam da necessidade de imaginar futuros, utópicos ou distópicos, e a importância desse ato para que consigam imaginar os caminhos que se deseja ou não seguir e visualizar soluções para depois construí-las de fato no mundo real.

A distopia também está presente na mostra Inéditos do Brasil, com o curta “Os Últimos Românticos do Mundo”, ambientado no ano de 2050, no qual o planeta está prestes a se acabar por conta de uma nuvem rosa. No terceiro dia do evento, durante o debate “O sobrenatural da passagem temporal”, o diretor recifense Henrique Arruda conversou sobre seu filme e suas referências, a produção e como o filme dialoga com sua vivência como uma pessoa da comunidade LGBT.

O cineasta Henrique Arruda: “A ideia é de que as pessoas se sintam assistindo uma fita antiga” (Imagem: Instagram)

“O Românticos nasce de uma mistura meio louca da minha cabeça, primeiramente da cor rosa, que sempre foi uma cor que permeou todos os lugares da minha vida e que sempre sofre esse julgamento piegas de ser uma cor ‘fraca’ ou ‘de menina’, e isso ao longo da infância e adolescência vai colocando a gente em situações que não são legais”, completou o diretor. A partir disso, Henrique imaginou uma situação em que a cor pudesse ser tão forte que destruiria o mundo.

Com uma estética que bebe da fonte exagerada e colorida dos filmes da década de 1980, Os Últimos Românticos do Mundo traz ao público a sensação de estar assistindo uma antiga gravação em fita cassete, ideia que partiu de memórias do diretor e idealizador com o contato com filmes da Sessão da Tarde e a experiência de gravá-los em VHS. “A ideia é de que as pessoas se sintam assistindo uma fita antiga que foi achada por alguém do futuro”, disse Henrique.

O curta-metragem também conversa sobre a questão do envelhecimento e a expectativa de vida das pessoas da comunidade LGBT, tema que é abordado em todos os trabalhos de Henrique Arruda. A passagem do tempo, tópico principal da série de debates da noite, foi usado como um artifício para experimentar a percepção do público para os personagens centrais da obra, Pedro e Miguel.

O Festival

Para Fabrício Basílio, um dos organizadores do festival, propostas como essa têm um poder de sintetizar, dar visibilidade e propor um olhar sob um determinado tema ou tipo de filme. “Produzir um festival é uma tarefa muito árdua, mas produzir um voltado para o fantástico é muito recompensador, no sentido em que você conhece uma parte significativa da produção desse cinema, por parte da curadoria. Recebemos cerca de 450 filmes”, conta Basílio.

A vontade de realizar um festival voltado a esse tipo de cinema existe desde a graduação, na qual Fabrício Basílio e Otávio Lima, também organizador do FCBF, começaram o cineclube “Rã Vermelha”, na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói. Em 2020, a produção do festival começou após a publicação de um edital da Lei Aldir Blanc.

“A questão da falta de espaço em grandes salas de cinema perpassa a história do cinema brasileiro, não só a do cinema de gênero. Tivemos nas últimas décadas, pelo menos antes do desmonte do setor cultural, um momento de efervescência na produção”, relata Fabrício. “Tínhamos cerca de 15 a 20 filmes sendo feitos por ano no final dos anos 1990, para no final da década seguinte alcançamos de 150 a 200 filmes”.

Mesmo com tanto material, as redes de cinema optam por dar atenção, principalmente, ao cinema massivo hollywoodiano, ou seja, filmes produzidos com grande orçamento, como franquias de sucesso de estúdios gigantes. Com isso, festivais acabam sendo um dos principais meios para aqueles que trabalham ou desejam consumir um tipo diferenciado de produções da sétima arte. No Brasil, são realizados hoje grandes festivais de cinema como o Festival Internacional do Rio e o Festival de Cinema de Gramado.

A realização do FCBF conta com o patrocínio do Governo Federal, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Cultura e Economia Criativa e da Lei Aldir Blanc.

Aqui, acesso à programação do 1º Festival de Cinema Brasileiro Fantástico. No Instagram: @festivalfantastico

Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti

Edição: Letícia Franco


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