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“Sociedade precisa romper com a cultura de exclusão”

Para a psicopedagoga Leide Maia, políticas públicas são ineficazes no Brasil           

Por: Fernanda Machado

 

A psicopedagoga Leide Maia: “A responsabilidade é de toda a sociedade, não só das instituições privadas e das famílias” (Foto: arquivo pessoal)

“Muitos colocam a pessoa com deficiência no papel de coitadinho”, disse a coordenadora de projetos do Espaço Mosaico, Leide Maia, em entrevista ao portal Digitais, ao apontar a necessidade de se pensar na equidade de oportunidades na educação, formação profissional e mercado de trabalho. Segundo a psicopedagoga, é preciso romper barreiras e deixar de lado o olhar “capacitista” sobre essas pessoas.

Desde 2012 desenvolvendo ações com foco na sociedade inclusiva, o Espaço Mosaico – criado pela mãe de Leide, a também psicopedagoga Edna Maia, que tem mais de 30 anos de experiência em inclusão –, conta atualmente com uma equipe multidisciplinar de 21 profissionais das mais diversas áreas, como educadores, psicólogos, terapeutas ocupacionais, neuropsicólogos, entre outros.

“Além dos atendimentos individuais, temos 16 grupos que vão desde oficinas pedagógicas e culturais até projetos voltados para vivência e autonomia. Também trabalhamos com a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho”, explicou Leide. Um dos projetos do Espaço Mosaico é o “Travessia”, que tem como objetivo aprimorar habilidades e competências, servindo como “ponte” entre os jovens e as empresas.

Parcerias com setores econômicos que valorizam a inclusão são importantes para o Espaço Mosaico. Leide destaca quatro delas: o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), a Associação Nacional do Emprego Apoiado (ANEA) e a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD).

Para a psicopedagoga – que também é graduada em História pela Universidade de São Paulo (USP) –, o empreendedorismo tem crescido como alternativa para as pessoas com deficiência, assim como o setor de serviço e varejo. “Mas historicamente existem alguns setores que contratam tipos de deficiência em específico”, afirmou. “É o caso das pessoas com deficiência auditiva na indústria, visual em trabalhos de telemarketing e física em setores administrativos”.

Segundo ela, durante muito tempo pessoas com deficiência intelectual ou com algum transtorno de comportamento, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), foram excluídas do mercado de trabalho. “Eles ficavam de fora ou estavam em oficinas protegidas, realizando tarefas manuais e muitas vezes repetitivas para uma grande empresa”, completou.

De acordo com a coordenadora do Espaço Mosaico, há casos de jovens que trabalham em farmácias, restaurantes, supermercados e setores administrativos de atendimento ao público em universidades, escritórios e hospitais, assim como em almoxarifados. “Tem também aqueles que possuem formação superior e acabam conseguindo emprego no mercado financeiro, no desenvolvimento de games e no setor do turismo”, disse.

Segundo a especialista, para mudar a concepção de exclusão e segregação será preciso muita luta, sensibilização e trabalho, além de políticas públicas que viabilizem, deem apoio e condição necessária para que todos possam se desenvolver. “A responsabilidade é de toda a sociedade, não só das instituições privadas e das famílias”, reiterou.

Metodologia americana

De acordo com Leide Maia, o Brasil deveria se espelhar nas experiências de outros países, como os Estados Unidos, onde surgiu a metodologia do Emprego Apoiado (EA), nos anos 70. “O governo norte-americano entendeu que teria menos custos se inserisse a pessoa com deficiência no mercado de trabalho, porque assim ela geraria sua própria renda e pagaria seus impostos”, disse. Segundo ela, para facilitar o acesso da pessoa com deficiência ao mercado, o governo criou um programa de incentivos fiscais para as empresas que contratassem essas pessoas.

O gestor do CIAPD e Vitalità, Vanderlei Palandrini: “É uma questão de cultura, de quebrar paradigmas” (Foto: selfie)

Para o gestor do Centro Interdisciplinar de Atenção à Pessoa com Deficiência (CIAPD) e também do Projeto Vitalità – ambos vinculados à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (PROEXT) da PUC-Campinas, Vanderlei Palandrani, essa metodologia torna-se ainda mais importante na medida em que é pautada na ideia de contratar para qualificar, e não na de qualificar para contratar. Dessa forma, o ambiente torna-se mais favorável ao desenvolvimento e qualificação da pessoa durante o trabalho.

“Quando as empresas exigem um nível de qualificação elevado como requisito para uma vaga simples, elas estão dificultando a contratação”, afirmou, ao exemplificar uma situação em que, após diálogo entre RH e CIAPD, a empresa retirou a exigência do ensino médio completo para os candidatos. “Sem essa aproximação entre CIAPD e empresa, o profissional contratado sequer teria conseguido passar pelo processo seletivo”, concluiu Palandrini.

Políticas públicas

Segundo a psicopedagoga Leide Maia, “os programas que existem hoje no Brasil não são suficientes para atender a população”. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), em vigor desde 1993, por exemplo, é um valor que a pessoa recebe quando está impossibilitada de trabalhar. Ela explicou que essa é uma questão muito discutida entre profissionais e empresas. “Quando criamos acessibilidade, há condições de estudar e trabalhar, mas o problema é que a sociedade potencializa a deficiência, colocando-a como um empecilho para que essas pessoas vivam como cidadãos, com autonomia”, explicou.

Para Leide, a Lei de Cotas – promulgada em 1991 – foi um avanço no contexto de luta pela inclusão, mas “não funciona como deveria”. A lei prevê que empresas com 100 ou mais funcionários tenham entre 2% e 5% de trabalhadores com deficiência, o que significaria mais de dois milhões de vagas disponíveis para essas pessoas. No entanto, no Brasil há apenas 500 mil contratadas.

Outro fator que dificulta a viabilização é a falta de informação e de dados concretos. “Não temos informações detalhadas. Só sabemos que a população com deficiência, seja ela de nascença ou adquirida no decorrer da vida, é de 24%, o que não é um número pequeno”, finalizou.

De acordo com Palandrini – que é doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da PUC-Campinas –, os discursos das empresas em relação às cotas estão em constante transformação e são baseados na cultura de currículo. “Existem empresas que estão dispostas a contratar e há ainda muitas que resistem, argumentando que, apesar de a lei exigir, não encontram profissionais com qualificação no mercado”, afirmou.

Projetos de inclusão

Segundo o gestor do CIAPD e Vitalità, existem barreiras que dificultam o acesso de pessoas com deficiência intelectual ao mercado. Uma dessas barreiras atitudinais é o preconceito. “Ele impede que a sociedade compreenda que há casos em que as habilidades têm mais destaque que a própria deficiência. É uma questão de cultura, de quebrar paradigmas.”

Criado em 1991, o CIAPD teve como missão contribuir para a inclusão social de pessoas com deficiência. De acordo com o gestor, o projeto chegou a capacitar e encaminhar cerca de 70 pessoas ao mercado de trabalho entre os anos de 2018 e 2019. As oficinas envolveram atividades de escritório, organização de materiais, gestão de estoque na logística de supermercados e atendimento ao público.

Comprometida com o acolhimento e desenvolvimento de pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida, a PUC-Campinas conta com o Programa de Acessibilidade (ProAces) – vinculado à Pró-Reitoria de Graduação –, que atua na transcrição de materiais em formatos acessíveis, como Braille, disponibilização de intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), entre outras ações. O aluno pode solicitar apoio sem nenhum custo adicional no decorrer do curso universitário.

Questão de gênero

Para Palandrini, a desigualdade de gênero não é perceptível nesse ambiente. “Algumas vagas até chegam com sugestão específica para homens ou mulheres, mas é bem distribuído, porque enquanto uma empresa quer alguém do sexo masculino para trabalhar no almoxarifado de pneus ou no transporte de cargas, por exemplo, em atividades administrativas, a preferência é por mulheres”, apontou.

Por outro lado, a coordenadora do Espaço Mosaico afirmou que a desigualdade de gênero é estrutural na sociedade brasileira e, consequentemente, reflete nas pessoas com deficiência. “Tem toda aquela superproteção com a filha mulher, porque ela acaba ficando mais vulnerável e então as famílias, por uma série de medos e preocupações, tendem a estimular mais os meninos a irem trabalhar.”

Na opinião de Palandrini, há empresas que preferem contratar mais homens do que mulheres por dois motivos: a condição física masculina suporta atividades mais pesadas, e eles são mais fáceis de lidar no ambiente de trabalho.

Orientação: Profa. Ciça Toledo

Edição: Letícia Franco


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