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Pesquisa vê ambivalência para mãe-estudante-trabalhadora

Estudante de Psicologia, Renata Lessa ouviu relatos sobre maternidade não programada                                                                                                                          

Renata Thurler Lessa: “Decidimos conhecer quem são as pessoas que vivem esse tipo de realidade e saber mais sobre suas histórias” (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Por Letícia Franco 

De um lado, os conflitos que envolvem sentimentos de culpa por terem que se dedicar ao trabalho e aos estudos. De outro, os benefícios da maternidade, que são os momentos desfrutados na companhia dos filhos. Essa é a realidade das estudantes e trabalhadoras que, de uma hora para outra, se veem na condição de mães, sem que tenham concluído a formação superior e completado os passos na carreira profissional que abraçaram.

Esse sentimento ambivalente que caracteriza a maternidade associada aos estudos e à jornada de trabalho foi registrado em pesquisa desenvolvida pela estudante de Psicologia, na PUC-Campinas, e ex-bolsista de iniciação científica Renata Thurler Lessa, 25 anos. Em sua pesquisa, ela analisou a condição de mulheres que desempenham simultaneamente os papéis de mães, estudantes e trabalhadoras.

O estudo realizado entre os anos de 2019 e 2020 entrevistou, em profundidade, cinco participantes que, no momento da pesquisa, dividiam a rotina entre situações familiares com filhos, trabalho remunerado e estudos de graduação ou pós-graduação. Para a compreensão desse fenômeno, a pesquisadora adotou o método de coleta de dados conhecido por narrativas compreensivas, que se baseia no encontro dialógico com a participante para atingir o pleno entendimento sobre a realidade do entrevistado e valorizar os sentimentos ali envolvidos.

Renata afirma que se envolveu totalmente com os cinco relatos que recolheu, procurando sentir as dores, as expectativas e avaliações das cinco mulheres entrevistadas na etapa de levantamento de dados. Com a estratégia – segundo afirmou – foi possível chegar a análises que revelam a complexidade da realidade vivida por essas mães. A seguir, os principais momentos da entrevista que Renata Lessa concedeu ao Digitais.

Qual a motivação para a escolha desse tema de pesquisa?

Entre os anos de 2018 e 2019, eu realizei a minha primeira iniciação científica sobre “spillover” – conceito que caracteriza a relação entre trabalho e vida pessoal – com a orientação do professor Messias. O resultado dessa pesquisa revelou que os fatores que mais influenciavam na relação trabalho-família, para as mulheres, eram justamente serem mulheres mães, estudantes e trabalhadoras. A partir disso, decidimos investigar essa conclusão de forma qualitativa, ou seja, conhecer quem são as pessoas que vivem esse tipo de realidade e saber mais sobre suas histórias. Além disso, houve também uma motivação pessoal, já que a minha mãe vivenciou isso. Outra razão para pesquisar o tema foi o fato de que, apesar de ser uma realidade nacional, não há muitos estudos sobre o tema na academia brasileira. O IBGE, por exemplo, não cruza os dados relativos a mulheres mães, estudantes e trabalhadoras em seus relatórios. Tendo em vista todas essas condições, senti a necessidade de entender esse fenômeno na atualidade.

A adoção do método “narrativas compreensivas” foi um diferencial para o desenvolvimento e conclusão da pesquisa?

Sim, pois me proporcionou mergulhar de fato no material de estudo, ou seja, nos relatos das participantes. O método “narrativas compreensivas” tem como objetivo valorizar e compreender o ser humano em sua essência, sendo assim eu consegui sentir o drama daquelas mulheres com quem dialoguei. Posso dizer também que foi algo desafiador, já que tive que estar totalmente envolvida durante as conversas para compreender as narrativas e escrevê-las posteriormente.

A partir da análise, qual das três funções exige mais das mulheres?

Sem dúvida, a maternidade. A cobrança delas para consigo próprias e da sociedade para que sejam “boas mães” é algo que exige muito, e isso envolve questões emocionais e financeiras. Portanto, é um conflito muito maior do que ser trabalhadora e estudante. O papel da maternidade é um pilar essencial no conceito estudado. A partir do momento em que elas são mães, isso as diferencia de outras mulheres que estão na mesma condição de trabalho e estudo, mas que não têm filhos. As cinco participantes citaram o impacto de ter alguém dependente delas, o que traz a ambivalência da maternidade: os conflitos que envolvem o sentimento de culpa de se dedicar a si e pensar que está sendo uma “mãe ruim”, e os benefícios que são os momentos com o filho.

Há diferença entre a participante casada e as demais? Qual?

Sim, apenas uma das participantes era casada no período da pesquisa. A Estela – pseudônimo escolhido para garantir o anonimato – era feliz no casamento e tinha ao lado um marido que realmente compreendia a complexidade de ser mãe, estudante e trabalhadora. Havia muito companheirismo na relação dos dois, o que a ajudava a desenvolver esses papéis de forma mais tranquila. Já as participantes solteiras tinham dificuldades por conta da ausência de um parceiro/a, de alguém para dividir as responsabilidades. Pude notar que essas mães solteiras só confiavam em si mesmas para oferecer o cuidado de qualidade com os filhos.

Qual a importância de mudar o nome de tripla jornada para multijornada?

A mudança do nome para multijornada já havia sido apontado anteriormente por pesquisadores e, a partir da minha análise, eu ressaltei essa colocação, visto que a realidade cotidiana dessas mulheres é complexa e ilimitada, ainda que determinados papeis sejam desempenhados com maior destaque em alguns momentos. São várias esferas vivenciadas por essas mulheres e não dá para limitá-las a números. Por exemplo, pude perceber que ser do sexo feminino e se identificar como mulher já fazia elas vivenciarem coisas só por esse fato. Isso, além das cobranças emocionais e o fardo de serem, majoritariamente, provedoras da casa, etc. É injusto nomear como tripla jornada uma realidade complexa de mulheres fortes e que querem liberdade para serem o que quiserem.

Quais são as sugestões para superar as dificuldades dessa relação entre trabalho, estudos e maternidade?

A partir da pesquisa, analiso que o Estado tem o dever de melhorar qualquer infraestrutura que auxilie na vida dessas mulheres. A educação, em especial a creche, deve ter mais investimento para aprimorar a qualidade, além da questão dos locais e horários, e também a capacitação de profissionais. Outro problema é o regime de trabalho que não é positivo para as mulheres inseridas nesse contexto, o qual pode ser melhorado através da igualdade salarial entre homens e mulheres e maior flexibilização na rotina. Também ressalto a importância de mudar o estereótipo de que afazeres domésticos e cuidar dos filhos são apenas tarefas da mulher, algo muito presente na cultura brasileira. Por fim, também é preciso mais humanização nas relações entre chefes e empregados, e educadores e alunos, a fim de compreender um pouco mais a realidade dessas mulheres.

Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti

Edição: Oscar Nucci 


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