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Jurandir Freire Costa, no Café Filosófico, abordou consequências do desenraizamento no mundo moderno
Por Julia Vilela
O que acontece a uma pessoa para a qual, desde o nascimento, foi ensinado que o trabalho é um valor moral dignificante, mas que na fase adulta não encontra emprego? Esta foi uma das questões levantadas pelo psiquiatra e psicanalista Jurandir Freire Costa, escritor e professor aposentado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), na conferência Identidade e Desenraizamento, da série Café Filosófico, gravada na última sexta-feira, 12, no auditório da CPFL-Campinas.
O desemprego estrutural e a consequente perda de um valor tão enraizado como o trabalho –lembrou o psicanalista, apoiando-se no pensamento do filósofo polonês Zygmunt Bauman– fazem parte de um mundo que destruiu a ideia de civilização e instalou em seu lugar um espaço habitado por “um bando de turistas e párias”. Turistas seriam os que desfrutam os confortos da vida moderna, enquanto os párias são os que foram abandonados à própria sorte, excluídos do desenvolvimento social.
“Aprendemos que o trabalho dignifica. A gente acreditou, mas não é mais assim. Agora importa o que satisfaz aos interesses da economia”, lembrou Freire Costa ao acentuar que, diante de uma frustração desta natureza, o resultado é o surgimento de “uma massa de ressentidos”. “E eles vão escolher um líder retrógrado, demagogo, que promete resolver todos os problemas que levaram ao estado de frustração”, afirmou.
As questões morais que envolvem o desemprego e a precarização do trabalho, conforme apontou o psicanalista, é apenas uma das formas de desenraizamento presente no mundo contemporâneo. O mesmo fenômeno também se observaria na perda de referência em instituições tradicionais, como família, ciência, igreja, escola e democracia.
Como resultado do desenraizamento e desconstrução de identidades, o indivíduo contemporâneo tende a canalizar suas frustrações –segundo defende o psicanalista– em três direções: odiando o elemento frustrante; idealizando um passado que tornaria o presente melancólico; e criando fetiche em relação a líderes que se propõem a canalizar as frustrações e resolver todos os problemas.
“Eles aderem, como fanáticos, a retrógrados”, acentuou Freire Costa, para quem os movimentos de massa tendem a produzir “cruzadas religiosas” e dão origem a uma tendência de personalidade que denominou de “normopatas”. Estes nutrem um ideal de normalidade que tentariam impor à sociedade na qual vivem. A homofobia, o racismo e os ataques armados em instituições de ensino –que recentemente passaram ocorrer também no Brasil– seriam motivados por esta tendência normopata. Com um agravante: “O agente do mal raramente se dá conta do que faz”.
Presas fáceis
Segundo lembrou o psicanalista, os indivíduos estão sempre à procura de seus lugares no mundo, e o desenraizamento faz com que essas pessoas se sintam deslocadas. “Viram presas fáceis para o autoritarismo e o totalitarismo”, advertiu.
“Quando você abre mão de sua identidade esfarrapada e a coloca nas mãos de alguém que você magnifica como salvador, há uma potência explosiva gigantesca”, disse Freire Costa, ao afirmar que não há regras para agradar a um líder, já que, a qualquer momento, essa figura pode mudar de ideia.
“Eu acho gigantesco o custo humano da angústia produzida pelo desenraizamento”, avaliou, apontando melancolia e tristeza como resultado desse fenômeno. Ao trazer o tema para a realidade de hoje, o psicanalista afirmou que “muitos pensadores conservadores foram ressuscitados no panorama atual”, sugerindo que ideólogos questionáveis inspiram as lideranças autoritárias do mundo contemporâneo.
Segundo Freire Costa, o desejo de pertencimento à normopatia –sem se que se perceba a negatividade do fato– leva o indivíduo a querer exterminar, no sentido literal da palavra, seus desiguais. Esse desejo estaria na origem dos fóruns de ódio existentes na internet.
Ao examinar uma possível orientação ética para as ações no mundo contemporâneo, visando mitigar os estragos do desenraizamento, Freire Costa lembrou: “Quanto mais pessoas nós dissermos que são como nós, maior será a nossa capacidade de não fazer mal ao outro”.
Nos próximos dias, o vídeo desta edição do Café Filófico estará disponível no portal da CPFL. Em data ainda não confirmada, será apresentado na TV Cultura, de São Paulo.
Edição: Livia Lisboa
Orientação: Professor Carlos A. Zanotti
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