Ciência

Transição energética favorece lucro e exclui vulneráveis

Pesquisa científica inédita aponta contradições no papel do Estado brasileiro ao fomentar a
transição energética no país

.

Por Maria Vitória Porto

Morador de Campinas instala placa fotovoltaica para economia de energia (Foto: Maria Vitória Porto)

.

Em meio à emergência climática global, a transição energética tem se imposto como um dos principais desafios contemporâneos. No entanto, segundo pesquisa acadêmica inédita realizada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o modelo adotado pelo Estado brasileiro está fortemente subordinado à lógica do capital financeiro, reproduzindo desigualdades e comprometendo o potencial transformador desse processo.

O estudo, desenvolvido pelo economista Iago Montalvão em sua dissertação de mestrado, introduz no cenário nacional o conceito de “Estado redutor de riscos” (Derisking State), com base na crítica ao que o autor denomina “Consenso de Wall Street”. Trata-se de uma estratégia estatal que prioriza a eliminação de incertezas para atrair investidores privados, em especial estrangeiros, sem necessariamente promover o desenvolvimento tecnológico ou a autonomia produtiva nacional.

“O investimento público não tem direcionado o desenvolvimento, mas apenas funcionado como escudo para o capital privado. O Estado assume os riscos de empreendimentos que o mercado não financiaria sozinho”, afirma Montalvão, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e atual pesquisador da Unicamp.

.

Centrado no capital
A pesquisa aponta que o Brasil tem seguido um padrão em que a transição energética é tratada como oportunidade de negócios, não como política pública com foco em justiça social e climática. Esse processo, segundo Montalvão, aprofunda o que se entende por financeirização da política energética, ao transferir a condução estratégica para agentes de mercado.

Segundo dados divulgdos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): até 2024 foram direcionados R$11,8 bilhões para projetos de energia solar, desde a primeira operação em 2017. Esse volume, embora significativo, tem sido canalizado majoritariamente para grandes empreendimentos, com pouca repercussão no fortalecimento das capacidades produtivas locais.

O crescimento acelerado do setor, especialmente durante o governo Bolsonaro, teria sido impulsionado por um lobby eficaz em prol da geração distribuída descentralizada, que favorece a iniciativa privada e aprofunda as assimetrias sociais e regionais no acesso à energia renovável.

.

Exclusão estrutural
Embora a energia solar venha se expandindo no Brasil, a democratização do acesso permanece limitada. Um exemplo pontual ilustra a realidade de exclusão enfrentada por amplos segmentos sociais: o engenheiro aposentado João Hein, morador de Campinas, investiu R$ 22 mil para instalar placas solares em sua residência. “Foi uma decisão pessoal, pensando na economia e no meio ambiente”, afirmou.

A especialista em transição energética do Instituto E+ Stella Sousa corrobora a crítica ao modelo vigente, ao considerar que ele “não ocorre de forma justa, pois exclui a população de projetos que afetam diretamente sua vida”. Segundo ela, “políticas públicas deveriam priorizar emprego, tecnologia local e participação comunitária, em vez de métricas unicamente voltadas ao lucro”.

.

Descentralização
A pesquisa também destaca o papel estratégico dos municípios na implementação d políticas climáticas. Entre os dias 11 e 13 de junho, Campinas sediará o 2º Encontro Regional Sudeste do ICLEI, com o tema “Conectando Cidades Rumo à COP 30”. O evento reunirá representantes de governos locais, sociedade civil e especialistas internacionais para debater soluções regionais à crise climática.

Como desdobramento, será elaborada a Carta Campinas, documento que compilará as propostas da região Sudeste a serem apresentadas na COP30, em Belém. O objetivo é construir uma narrativa coletiva de ações climáticas locais, articuladas às diretrizes globais.

.

Edição: Nicole Heinrich
Orientação: Artur Araujo


Veja mais matéria sobre Ciência

Ataques em escolas são analisados em pesquisa da Unicamp


Pesquisa destaca existir uma forte ligação entre o sofrimento emocional, o discurso de ódio online e a violência extrema


Pesquisa científica encontra alternativa a agrotóxicos


Estratégia sustentável desenvolvida na Unesp e na Embrapa emprega inimigos naturais em lavouras de feijão,


Unicamp cria infraestrutura para computação quântica


Do zero ao Qubit: com pouca verba, cientistas brasileiros alcançam feito inédito na corrida da computação quântica mundial


Cientistas criam IA que pode salvar Nordeste das secas


IA criada pela USP e Unicamp será capaz de antecipar as vazões na Represa de Sobradinho e evitar crises hídricas no futuro.


A ciência no ‘laboratório vivo’ da habitação social


Pesquisa da Unicamp usa escuta ativa em moradias populares para cocriar soluções com moradores no modelo de Living Labs


Vozes que rompem o silêncio: o slam como emancipação


Pesquisa mostra como a poesia falada consegue ampliar protagonismo de estudantes e desafiar os limites



Pesquise no digitais

Siga – nos

Leia nossas últimas notícias em qualquer uma dessas redes sociais!

Campinas e Região


Facebook

Expediente

Digitais é um produto laboratorial da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas, com publicações desenvolvidas pelos alunos nas disciplinas práticas e nos projetos experimentais para a conclusão do curso. Alunos monitores/editores de agosto a setembro de 2023: Bianca Campos Bernardes / Daniel Ribeiro dos Santos / Gabriela Fernandes Cardoso Lamas / Gabriela Moda Battaglini / Giovana Sottero / Isabela Ribeiro de Meletti / Marina de Andrade Favaro / Melyssa Kell Sousa Barbosa / Murilo Araujo Sacardi / Théo Miranda de Lima Professores responsáveis: Carlos Gilberto Roldão, Carlos A. Zanotti e Rosemary Bars.