Destaque

A Realidade Aumenta(da) o universo da arte 

Por Ana Ornelas e Sophia Miranda

Estamos em 2034. Em uma galeria virtual, espectadores ao redor do mundo colocam seus óculos de realidade aumentada e se inserem em um universo artístico. As paredes digitais são pinceladas por uma inteligência artificial e moldam o espaço ao vivo, sem uma fronteira entre o artista e o público que assiste. Para a audiência, a pergunta que ecoa é: quem cria o quê?

Parece filme futurístico, não é? Mas existem similaridades com o mundo tecnológico atual. Desde quando o homem criou a lança e o machado para se defender de animais, o avanço da tecnologia vem sendo estudado e melhorado. Quando pensamos no mundo artístico, os impactos que esse crescimento causa são numerosos e geram debates envolvendo o papel da criatividade em um mundo onde a tecnologia não é apenas uma ferramenta, mas uma parceria quase inseparável da criação. 

Nesse sentido, a arte por si só é formada pela conjuntura do que é vivido, influenciando a produção de imagens, e de suas novas estéticas, como o surgimento da Realidade Aumentada nas artes visuais, que permite ao usuário interagir simultaneamente com objetos reais e virtuais em um ambiente do mundo real. Com recursos de interação, a capacidade de percepção é ampliada, mas surge a questão: realmente ampliamos nossa percepção ou apenas somos condicionados pelo que estamos consumindo?

Para a artista plástica e muralista, Gim Martins, o fazer artístico nunca será substituído pela tecnologia. “Acredito que o artista que se limita ao uso tecnológico, não pratica o pensamento artístico por trás de suas obras. A realidade aumentada e a IA devem ser complementos de um trabalho inicial produzido através da expressão pessoal”, comenta.

A coleção de arte urbana a céu aberto, Ocre: O que os Olhos Não Vêem, realizada por Gim, contou com realidade aumentada em todas as obras expostas no Centro de Campinas e NFTs (tokens usados para representar a propriedade de itens exclusivos em Realidades Virtuais). Nesse sentido, os avanços tecnológicos não têm como ser freados. “Antigamente, os pintores eram chamados para representar uma cena e com a chegada da fotografia houve um impacto na vida desses artistas. Precisamos acompanhar e entender as novas tecnologias que estão chegando e aplicá-la dentro da nossa realidade”, analisa a muralista.

Confira neste vídeo os detalhes do uso da tecnologia nas obras de Gim Martins e os comentários da própria artista sobre o assunto:

Para o artista e professor de Arte Visual e Realidade Aumentada da Faculdade de Artes Visuais da PUC-Campinas, Matheus Reis, a tecnologia já interfere na arte desde o século XIX. “A imagem é fruto de um contexto. Todas as mudanças do mundo afetam diretamente o modo como as transformações da arte acontecem. Essas transformações são chamadas de estética. Cada período constroi sua estética baseada em seu contexto social. Hoje, vivemos em um mundo globalizado no qual muitas estéticas convivem simultaneamente”, explica o professor. 

Matheus Reis, professor da disciplina Artes Visuais e Realidade Aumentada na PUC-Campinas. (Foto: Arquivo Pessoal)

Entretanto, Reis não deixa de problematizar o termo “Realidade Aumentada”, questionando até que ponto nossa percepção está sendo genuinamente ampliada por dispositivos como óculos 3D. Segundo ele, “essas tecnologias podem contribuir de maneira significativa, ao expandir nossa relação com o mundo, especialmente ao promover pensamentos mais sustentáveis ​​e uma melhor compreensão das relações sociais. No entanto, também possuem o poder de nos alienar, pois condicionam a nossa visão e moldam a maneira como enxergamos aquela obra”, complementa. 

Confira aqui o áudio em que o Prof. Matheus Reis aprofunda suas opiniões e percepções sobre tecnologia e arte:

A esquerda, Adriano Homsi Lehn e ao seu lado, Gabriel César Camargo, alunos do curso de Artes Visuais da PUC-Campinas. (Foto: Ana Ornelas)

O uso das tecnologias dentro da criação artística recebe diferentes opiniões, mesmo entre os mais jovens. Os alunos do oitavo semestre do curso de Artes Visuais da PUC-Campinas, Adriano Homsi Lehn e Gabriel César Camargo, divergem nos meios criativos. Enquanto Lehn trabalha com os meios mais tradicionais (escultura, pintura, desenho, etc), Camargo utiliza bastante a RA em suas obras. No entanto, Camargo costuma dizer que o próprio termo “Realidade Aumentada” é estranho de usar. “Essas tecnologias contribuem para aumentar nossa percepção sobre o mundo. Mas, elas também têm o poder de nos alienar, condicionando nossa vista apenas a visão daquele autor”, expõe o estudante.

A verdade é que a maioria dos artistas não acredita na extinção dos meios tradicionais de fazer arte. As discussões sobre tecnologia e criação humana acontecem há séculos, mas é importante reforçar que nada do que veio depois foi possível sem o pensamento humano. A relação paradoxal de poder frequentemente muda os comportamentos do homem, mas nunca o substituem. 

Orientação: Profa. Karla Ehrenberg

Edição: Mariana Dadamo


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