Destaque
Há 20 anos, cooperativa revitaliza a vitivinicultura e promove novos mercados para pequenos produtores
Por: Marina Fávaro
A menos de 50 quilômetros da capital paulista, Jundiaí sempre se destacou pela tradição na produção de vinhos de qualidade, mas, até o início dos anos 2000, a atividade carecia de regulamentação. Foi no ano de 2003 que um grupo de viticultores, enxergando o potencial da vitivinicultura local, decidiu se organizar, dando vida à Associação de Viticultores Artesanais (AVA) de Jundiaí.
O objetivo era simples: organizar e fortalecer a produção artesanal de vinhos e derivados da uva, como suco de uva, vinagre, geleias e licores, promovendo a venda desses produtos e valorizando, sobretudo, o trabalho dos pequenos produtores, além de reforçar a tradição vinícola da região. No entanto, a produção artesanal sem registro começou a enfrentar ainda mais problemas com a fiscalização sanitária.
Foi aí que o grupo percebeu que era preciso avançar e regularizar a produção dos pequenos produtores de vinho do município. Para atender às exigências do Ministério da Agricultura (Mapa), decidiram formar uma cooperativa: a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho de Jundiaí, que surgiu, oficialmente, em 2007. Com a regulamentação para a produção dos vinhos, novos desafios e oportunidades surgiram para o setor.
Hoje, José Antônio Boschini e os irmãos estão à frente da adega Fratelli di Boschini. A vinícola, que já chegou a produzir até 200 mil litros de vinho por ano, nasceu dos sonhos e do trabalho árduo do avô, pai e tios. Quando os viticultores de Jundiaí decidiram se unir em torno da produção de vinho, Boschini, com um sorriso, brinca: “não fui eu que entrei na cooperativa, foi a cooperativa que entrou em mim”.
Em 2007, ano de fundação da cooperativa, ele foi eleito como o primeiro presidente. Lembra que, antes do surgimento da cooperativa, prevalecia uma mentalidade de competição, em que cada produtor via e considerava o seu vinho como superior aos demais. Em sua avaliação, a criação da cooperativa foi crucial para transformar essa visão. “Hoje, todos se enxergam como parceiros. Não existem concorrentes”, afirma, destacando a importância da união entre os produtores para fortalecer o setor.
A cooperativa também abriu novas oportunidades de mercado. “Não se tratava apenas de abrir mercado para venda, mas de nos unir para comprar equipamentos e maquinário em conjunto”, explica Boschini. No ano de 2013, o apoio do Programa Microbacias II foi essencial nesse processo, já que ampliou, inclusive, a competitividade do vinho de Jundiaí a níveis estadual e, até mesmo, nacional.
O programa tinha como objetivo fortalecer a agricultura familiar e promover o desenvolvimento rural sustentável, ajudando pequenos produtores a acessarem novos mercados. José Boschini conta que a cooperativa foi diretamente beneficiada. “Montamos um projeto para adquirir equipamentos que melhorassem a qualidade e aumentassem a versatilidade do nosso trabalho. Fomos contemplados e pagamos apenas 30% do valor. O restante foi custeado pelo programa”.
Na época, o desafio da produção de vinhos em Jundiaí era o envase, ou seja, o processo de colocar o vinho nas garrafas. O Mapa imaginava que o modelo de produção local funcionasse como em outras cooperativas de vinho no Brasil – onde os produtores levam as uvas para a cooperativa, que se encarrega de todo o processo de fabricação. No entanto, o modelo jundiaiense era diferente: cada produtor mantinha sua autonomia na produção do vinho, o que preservava a identidade e as características únicas de cada rótulo.
“O Mapa compreendeu o nosso modelo de trabalho e, com o apoio do programa, conseguimos comprar um caminhão equipado com uma linha de engarrafamento na parte superior. Hoje, esse caminhão vai de adega em adega e engarrafa nossos vinhos diretamente nos locais de produção”, descreve. Além do envase, o caminhão também conta com os equipamentos necessários para a produção de vinhos espumantes.
Esse programa foi uma iniciativa do governo de São Paulo, por meio da Secretaria de Agricultura e Abastecimento e da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati). José Brunelli Júnior, que é assessor técnico da Cati, indica que o programa impulsionou fortemente o grupo de viticultores de Jundiaí. “O plano de negócios da cooperativa foi inédito e trouxe, enfim, as demais regularizações da produção de vinho artesanal ao município. O plano permitiu, por exemplo, a construção da primeira indústria móvel certificada de envase de vinhos do Brasil”, diz.
Ivan Lucio de Oliveira, que assumiu a presidência da cooperativa em 2020, também destaca a importância do programa aos produtores de vinho para a região. Na época, ele era apenas um dos cooperados. “O apoio foi essencial, pois contribuiu para a qualidade do vinho da nossa região, facilitando o manuseio do vinho e a elaboração de vinhos espumantes”.
A paixão de Ivan Lucio pela vitivinicultura começou cedo, aos 12 anos, inspirada pelos tios maternos, que também foram viticultores. Em 1984, em conversa com um dos tios, descobriu uma receita e produziu o primeiro vinho, que logo recebeu a aprovação de amigos e familiares. Em 2007, ele fundou a Vinícola Oliveira e, desde 2018, vem se dedicando à produção de vinhos finos.
Sob sua liderança, a entidade também ampliou a participação dos produtores de vinho em eventos, como a tradicional Festa da Uva de Jundiaí, que hoje é considerada um dos principais eventos enoturísticos do país. “Esses eventos são fundamentais, pois nós, produtores, nos reunimos para vender nossos produtos e trocar ideias sobre as melhores práticas. Além, é claro, da visibilidade que recebemos”, explica.
Para Rafael Alex Vicchini, que é engenheiro de alimentos especialista em enologia, por meio da regularização da participação em eventos, a cooperativa trouxe fortalecimento e expressividade para o vinho de Jundiaí. “Antes, você tinha algumas vinícolas maiores de Jundiaí com registro, e outras menores sem. A partir do momento que houve a regularização, os vinhos das pequenas vinícolas começaram a ganhar espaço e público. A cooperativa em si possibilitou a inserção dessas vinícolas pequenas, trazendo, então, a dignidade e a prosperidade para todo o trabalho que eles vinham executando há anos”, afirma.
Atualmente, a cooperativa oferece uma espécie de consultoria técnica aos 20 cooperados. “O técnico é responsável por tirar dúvidas sobre a elaboração de vinhos e as práticas de higiene, por exemplo. Ou, então, por oferecer informações sobre a aquisição de equipamentos, uvas, produtos e subsídios que são comprados de forma conjunta”, diz Ivan Lucio. Segundo ele, a cooperativa é fundamental para o fortalecimento da economia local. “Além de termos aumentado a produção de vinhos de qualidade em cada uma das adegas, o turismo local também foi fortalecido, já que muitas das adegas, hoje, recebem visitas”.
O proprietário da Adega Galvão, Antônio Carlos Galvão Júnior, relata que a cooperativa foi fundamental para o desenvolvimento do turismo rural na região, referencia que permitiu dar o pontapé inicial para o fortalecimento das visitações nas adegas e vinícolas. “Não é só São Roque que é conhecido como a terra do vinho. Hoje, além de ser terra da uva, Jundiaí também passou a ser conhecida e reconhecida como a terra do vinho graças ao intenso trabalho realizado pela cooperativa”, comemora.
A Adega Galvão faz parte da cooperativa desde 2017, quando Galvão Júnior formalizou a produção de vinhos da família. A história da vinícola começou com o seu avô, que cultivava uvas e produzia vinhos na década de 1950. O negócio, inicialmente um hobby, ganhou força e se transformou em empreendimento familiar. Quando o avô faleceu, seu pai assumiu o negócio que, logo, passou para ele, que combina a tradição e inovação para dar um toque único à adega.
Quanto ao futuro, a cooperativa busca caminhos para minimizar o impacto dos impostos sobre os vinhos comercializados. “Quando emitimos uma nota fiscal, pagamos o mesmo valor de imposto que grandes produtores de bebidas, o que corresponde, em média, a 45% do valor do vinho”, relata. Outro objetivo é investir na produção de vinhos finos, que, cada vez mais, ganha espaço nos mercados nacional e internacional.
No Brasil, o cooperativismo agrícola é fundamental para impulsionar a produção agropecuária. De acordo com a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), uma entidade que apoia e fortalece o cooperativismo, o setor cooperativo movimentou mais de R$ 400 bilhões no ano de 2022. Além disso, o país possui cerca de 1.600 cooperativas agrícolas, reunindo mais de 1 milhão de pequenos e médios produtores rurais. Práticas agrícolas sustentáveis, adoção de novas tecnologias, assistência técnica e apoio logístico são algumas das ações desenvolvidas pelas cooperativas, a fim de melhorar a produtividade e a gestão das propriedades rurais. Em Jundiaí, a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Vinho desenvolve algumas dessas práticas que são essenciais para fortalecer a vitivinicultura e preservar a tradição vinícola da região.
Orientação: Profa. Rose Bars
Edição: Marina Fávaro
Veja mais matéria sobre Destaque
Sistema de Educação ainda requer ajustes para incluir alunos PcD na educação física
Apesar dos avanços na educação, alguns profissionais ainda se sentem despreparados para lidar com esse público nas aulas
Revolução na luta contra Alzheimer: Unicamp lidera avanços com IA na inovação farmacêutica
Pesquisas inovadoras unem tecnologia e biociência na busca de tratamentos eficazes para doença neurodegenerativa
Projeto social promove atividades pedagógicas em escolas de Campinas
São pelo menos 280 jovens mobilizados nos encontros e quatro escolas que abraçam as atividades propostas
Valinhos é eleita a cidade mais segura do Brasil em 2024
Uso de tecnologia e aumento de 30% no efetivo da Guarda Civil Municipal aumentam a segurança e a qualidade de vida na cidade
Novembro Azul destaca o papel da hereditariedade no avanço do câncer de próstata
Especialista explica como o fator genético pode acelerar o câncer masculino
Dustin Lynch estreia no Brasil com Fernando & Sorocaba
Estrela do country comemorou o lançamento de feat com a dupla sertaneja no Rodeio de Jaguariúna