Destaque
Imprensa, pedagogos e líder estudantil expõem problemas e desafios observados sobre a cobertura jornalística do tema
Por: Alanis Mancini, Marcela Almeida, Pamela Barbosa, Isabela Túlio e Vinicius Braga
A cobertura jornalística no segmento de educação ganhou maior destaque devido às recentes movimentações nessa área, como as manifestações em prol da revogação do Novo Ensino Médio e os ataques às escolas. Como o campo da educação é repleto de disputas, com discussões complexas, muitas vezes a cobertura jornalística não realiza abordagens que sustentem diferentes pontos de vista e seja suficiente para explicar os contextos envolvidos.
Marta Avancini, jornalista de educação e editora pública e de conteúdo do JEDUCA (Associação de Jornalistas de Educação), acredita que não trazer contextos e explicações é um vício do jornalismo de educação. “Porque a gente entra na lógica da política educacional, então usamos essa tecnicalidade e explicamos pouco. Mas ao mesmo tempo, como repórter, somos cobrados porque se há uma matéria mais didática, você ouve ‘isso não tem lead’”, afirma. A jornalista também explica que alguns recursos gráficos podem ajudar a trazer informações de contexto como apoio.
Além disso, para uma cobertura nessa área é necessária uma leitura de campo que vá além da visão de especialistas. O conhecimento sobre os principais atores, os seus interesses e suas concepções sobre a educação também ajudam na compreensão e elaboração de matérias voltadas a educação, conclui Marta
Segundo Rodrigo Ratier, professor de jornalismo na USP e colunista de educação na UOL Ecoa, a cobertura do jornalismo de educação poderia melhorar em dois pontos. “Eu diria que, primeiramente, uma leitura de campo é fundamental e, em segundo lugar, é a curiosidade genuína, de conhecer as questões, onde elas estão, no chão da escola, na Universidade, na Secretaria de Educação, ter essa proximidade maior com os atores da educação” afirmou.
Para João Felipe Nascimento, professor de sociologia na rede estadual, e vice-diretor da escola Dom Barreto em Campinas, a imprensa não realiza uma cobertura satisfatória da reforma do ensino médio por alguns motivos, como a dificuldade em se debruçar sobre o tema educação e o espaço na mídia para isso. “A imprensa é pautada pelos fatos que vão acontecendo no dia a dia, e a reforma do ensino médio é uma lei do governo Temer, e a imprensa só vai fazer a cobertura quando tiver um fato novo. Então, num país que politicamente acontece de tudo todos os dias, e a educação não é a pauta principal, talvez a imprensa fique a reboque do que acontece contidamente e não entre nos detalhes necessários para de fato entender o problema da educação. Porque para fazer uma cobertura satisfatória da reforma do ensino médio, teria que se debruçar sobre a educação, sobre o que é essa reforma, como é no dia a dia, e se a gente pensar que a mídia também tem seus interesses, seu preço, temos alguns entraves para esclarecer para as pessoas esse tema”, comentou o professor.
A falta de diálogo com organizações mais diversas é outro problema recorrente nas reportagens. Luiza Martins, Presidente da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), afirma que essa ausência do jornalismo em retratar o ponto de vista dos estudantes é algo que poderia melhorar. “A gente existe há muito tempo, estamos aqui há muito tempo formulando grandes contribuições, mas às vezes falta esse diálogo. Eu acho que o passo inicial seria ouvir mais as organizações da sociedade, de professores, de estudantes, de pais, acho que ter uma escuta maior já seria um grande passo para uma melhor cobertura”, disse Luiza.
Na educação, nem sempre são apenas dois lados da história a serem retratados, variando muito pela forma em que o jornalista faz o recorte do tema. Sobre esse ponto, Marta Avancini comentou: “se você está nessa cobertura, é muito importante retomar em cada matéria o eixo básico. Nem sempre são só dois lados. Na reforma do Ensino Médio, por exemplo, depende de como você recorta o tema. Se você quer entender por outras perspectivas, não são só dois lados. Com certeza, poderíamos estar trazendo mais”.
Luiza também afirma que há uma diferença entre os debates tratados na mídia. “Existem espaços muito maiores de abertura para institutos e grandes organizações que possuem mais dinheiro. Para a gente é uma outra visão, temos um espaço porque agora estão sendo obrigados a nos cobrir, mas existe uma diferença ali de qual é o debate, de quem está sendo mais ouvido, de como é colocado as coisas nas entrelinhas” explicou a presidente da Upes.
Ratier ainda fala de um ponto recorrente nas discussões jornalísticas que é a especialização dos jornalistas nas suas editorias. Para ele, a cobertura de educação “é uma atividade humana absolutamente complexa e, como tal, ela exige que você mergulhe nesses meandros, é uma especialização que exige dedicação para o aprofundamento como jornalismo político e econômico. É uma área que as pessoas acham que é muito intuitiva, o professor também é uma atividade desprestigiada. Quando junta duas atividades que hoje são desprestigiadas, que é o jornalismo e a educação, você tem uma tempestade perfeita”, conclui o professor da USP.
Orientação: Prof. Artur Araújo
Edição: Suelen Biason
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