Cultura & Espetáculos
Sexta-feira da Paixão em Barão Geraldo festeja fábula lendária do tempo da escravidão com macarronada na Praça do Coco
Por: Isabela Tulio
Sexta-feira Santa é dia de Boi Falô em Barão Geraldo. Há 35 anos no calendário oficial de Campinas, no dia 7 de abril, foi servida a tradicional macarronada na Praça do Coco, que marca o festejo. Mais de mil pessoas participaram da celebração, que atraiu moradores de toda a cidade. Os organizadores e voluntários se prepararam com três meses de antecedência: receberam a doação de 250 quilos de macarrão e serviram entre 1.300 e 1.500 refeições. A celebração, que contou também com muitos artesãos, expositores e cozinheiros na feira montada na Praça do Coco.
“A gente quer transmitir para as pessoas que isso é realmente a família. Não adianta você fazer um evento e não ter finalidade. A nossa finalidade é unir as pessoas. Há pessoas aqui que não se conhecem e, a partir desse evento, passam a se conhecer, se conhecem na fila da macarronada, se conhecem nas barracas”, explicou Orlando Lucena, de 75 anos, que morou em Barão Geraldo por 30 anos na Vila Santa Isabel e hoje é um dos voluntários do evento.
A chuva na Sexta-feira da paixão parou apenas às 11h e voltou às 14h. Nesse período de trégua, às 12h30, a macarronada gratuita começou a ser servida ao público do evento. Esta foi a 27ª edição da Festa do Boi Falô, realizada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Campinas em parceria com a Subprefeitura de Barão Geraldo e o Centro Cultural Casarão.
As atrações artísticas que estavam programadas para o evento tiveram que ser canceladas por conta das condições climáticas. Segundo o diretor de cultura de Campinas, Gabriel Rapassi, as apresentações teatrais serão reagendadas.
“Toda a lenda e cultura popular se mantêm pela passagem oral de uma geração para outra, através de festas e atividades. No caso da lenda do boi falô, ela vem de boca em boca até hoje, desde quando aconteceu o evento, e isso começa a se incorporar na vida, no dia a dia das pessoas, como cultura”, declarou Osvaldo Kaize, subprefeito de Barão Geraldo. Ele afirmou também que “a ideia é realmente levar o espírito da manutenção dessa cultura, manter a lenda do boi falô para que ela continue fazendo parte da tradição de Barão Geraldo”.
“Tudo é doado, desde o primeiro copo de água até o último que se serve aqui. Ninguém cobra, todo mundo come o que quer e quanto quer. Se você aguenta comer 10 pratos, você vai comer até sair voando daqui de tanta macarronada, mas isso que é importante pra gente, essa integração faz a gente se sentir maior, se sentir grande”, complementou Orlando Lucena.
A festa
A festa do Boi Falô é realizada todas as sextas-feiras santas em Barão Geraldo, para comemorar a chamada “lenda do Boi Falô”, onde são servidos pratos comunitários de macarrão a todos os presentes. A festa foi criada em 1988 pelo vice-prefeito Atílio Vicentin e pelo empresário Gilberto Antoniolli para aproveitar o centenário da abolição da escravatura e para comemorar mitos ou lendas locais passadas de pai para filho. Em 1993, a pedido do vereador César Nunes, a Festa do Boi Falô foi incluída no calendário municipal e estadual, e hoje é uma grande organização assumida pela Secretaria de Cultura de Campinas e Subprefeitura de Barão.
A lenda
A festa foi fundada em 1988 para comemorar o centenário da abolição da escravatura, pois a lenda do Boi Falô também se popularizou na história do escravizado Toninho, obrigado a trabalhar na Sexta-feira Santa. Ele obedeceu e, quando chegou ao pasto, o gado disse: “Toninho, hoje não é dia de trabalhar, hoje é dia de se salvar”. O escravo correu para a casa da fazenda e gritou: “O boi falô, o boi falô!” e contou o que havia acontecido, e ninguém trabalhou naquele dia. O capataz, um homem descrente, tornou-se um homem de oração, e Toninho tornou-se um homem de confiança do barão Geraldo de Rezende, trabalhando em sua casa até a morte, e foi sepultado ao lado do barão, pelos serviços prestados à família.
Outra versão
Por se tratar de uma lenda, existem múltiplas versões do Boi Falô, e elas são contadas de diversas formas. Os moradores de Barão Geraldo da Comissão Pró-Memória de Barão Geraldo têm uma versão do Boi Falô que não contém imagens de Toninho ou do Barão Geraldo de Rezende. Segundo esses moradores, o fato ocorreu no Capão do Boi, um pequeno bosque na entrada de Barão que foi desmatado para construção por volta de 1974, na Avenida Romeu Tórtima, antiga Avenida 1.
Segundo eles, a versão da lenda tradicional é que na Sexta-feira Santa, um capataz da fazenda Santa Genebra pediu a um caboclo, escravizado ou contratado – há várias versões – para buscar um gado caído no Capão do Boi. A pessoa foi até o local com um pedaço de pau – em uma versão, era um adolescente com um cachorro – e, chegando lá, começou a tocar os bois. Com a insistência, um dos bois falou: “Hoje não é dia de ir trabalhar! Hoje é dia do nosso Sinhô Jesus Cristo!”.
Apavorado, o menino voltou correndo e contou ao capataz, que não acreditou. Após discutir com a testemunha, o capataz foi com ele a cavalo até o Capão do Boi e mandou o menino tocar na vaca. Depois de tocá-la, a vaca disse novamente: “Hoje não é dia de ir trabalhar! Hoje é dia do nosso Sinhô Jesus Cristo!” O capataz, apavorado, e o menino voltaram para a fazenda, e o capataz resolveu voltar para casa, onde não saiu mais naquele dia.
A festa do Boi Falô celebra a lenda e a cultura popular da região, perpetuando a tradição e a história de Barão Geraldo. Mesmo enfrentando condições climáticas adversas, a comunidade se reúne para celebrar e compartilhar a macarronada, fortalecendo laços e mantendo viva a memória de uma época em que a voz de um boi ecoou e mudou a vida de um escravizado e de toda uma comunidade.
Orientação: Prof. Artur Araujo
Edição: Suelen Biason
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