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“Todo mundo, de alguma forma, foi atravessado pelo período eleitoral de 2018”, afirma Carolina Grohmann
Por: Marina Fávaro
Com o ouvido apurado e bem treinado, a jornalista Carolina Grohmann vem se dedicando nos últimos anos a ouvir histórias de vida de populações que nem sempre encontram espaço para falar na imprensa tradicional. Acostumada a entrevistar pessoas e a escrever – ela é formada em Jornalismo pela PUC-Campinas e cursou parte da Faculdade de Ciências Sociais na Unicamp – Carolina acaba de lançar o livro “O Brasil de Bolsonaro testemunhos históricos de um país em guerra narrativa”, uma obra que reúne 46 relatos de pessoas que representam e que são, sobretudo, porta-vozes de algum acontecimento social entre os anos de 2018 e 2022.
Segundo ela, a ideia inicial era criar uma espécie de memorial do voto a partir do registro de histórias do período eleitoral. Mas tudo mudou quando, em 2019, o governo Bolsonaro inaugurou uma nova fase na sua gestão com a tragédia de Brumadinho, o derramamento de óleo no Nordeste e o dia do fogo. Diante disso, Carolina decidiu recuperar a narrativa de 2018, para conhecer o que estava por trás de cada voto em Jair Bolsonaro.
Aos anos 32, Carolina acumula em seu currículo, além das duas graduações, a atuação no Núcleo de Apoio à População Ribeirinha da Amazônia (NAPRA) e na Associação Vaga Lume. Na NAPRA ela teve a oportunidade de conhecer a realidade de populações do contexto amazônico. Após esta experiência e se formar em jornalismo, ela começou a cursar Ciências Sociais, mas teve que interromper porque passou a fazer a curadoria dos livros de bibliotecas comunitárias destinadas a crianças de comunidades rurais da Amazônia na Associação Vaga Lume.
Foi na Vaga Lume que Carolina se aproximou do processo de contar histórias, já que se deu conta de que as fotografias capturadas nas viagens à Amazônia não eram suficientes para contar as histórias ouvidas. “A Amazônia foi uma grande formadora na minha trajetória”, ressaltou.
Ela também se envolveu com projetos de escrita de memória ao participar da residência artística e cultural Os Brasis em São Paulo, que contou a história do ‘seo’ Carlão do Peruche, conhecido sambista e um dos baluartes do samba. Além disso, a jornalista coordenou projetos de pesquisa e de memória institucional e social no Museu da Pessoa, e foi escritora voluntária do Memorial Inumeráveis, ação dedicada em homenagem às histórias das vítimas de coronavírus no Brasil. Nesta entrevista ao Digitais, ela conta sobre o processo de construção do livro e a cobertura jornalísticas nas eleições 2022.
Digitais: O que te inspirou a escrever “O Brasil de Bolsonaro: testemunhos históricos de um país em guerra narrativa”?
Carolina Grohmann: Eu trabalho com histórias de vida. Em 2018, eu trabalhava integralmente como entrevistadora e editora de histórias em muitos projetos de memória social. Então, fazia muito sentido para mim compreender 2018 a partir das histórias de vida e das histórias que a gente não conseguia ouvir, porque todo mundo, de algum modo, foi atravessado pelo período eleitoral de 2018. O “Brasil de Bolsonaro” aborda a política, mas a ideia é muito mais falar sobre o que a política, o que o momento das eleições – sobretudo as de 2018 – e o que o governo Bolsonaro provoca nas pessoas do que de fato falar sobre política.
Na sua opinião, o governo Bolsonaro fragilizou a função social do jornalismo?
Com certeza. É só a gente ver o que aconteceu com a Patrícia Campos Mello, a jornalista da Folha de S.Paulo que foi super atacada pelo Bolsonaro. Eu não sei se é poder, eu acho que o jornalismo tem poder, mas para além de um poder, ele tem uma função muito clara e muito bem definida, sobretudo nessa checagem dos fatos e em como a gente conta as histórias. Quando vem um Bolsonaro misógino e que ataca jornalistas – como a [jornalista] Vera Magalhães no debate [realizado pela Band, no dia 28 de agosto passado], ou a própria Patrícia Campos Mello nos últimos anos, por exemplo – a profissão é descredibilizada.
Como você define uma boa cobertura eleitoral?
A gente tem claramente um candidato à reeleição que tem um perfil fascista e eu acho que o que aconteceu no último dia 7 de setembro foi uma publicidade e uma campanha eleitoral gratuita que as televisões fizeram para o Bolsonaro, por exemplo. Hoje, a gente tem tanto acesso à checagem de fatos e tanta gente que combate as fake News epor que durante os debates eleitorais a gente não coloca um alerta momentâneo de que o que o candidato falou é mentira, por exemplo? Considerando a candidatura à reeleição do Bolsonaro e que a gente tem tanto acesso para combater as fake News, acho que a cobertura jornalística deve intensificar o combate às fake News o tempo inteiro. Também acho que falta a compreensão sobre espaço que damos a candidatos claramente fascistas ou que tendem ao fascismo neste contexto de avanço da internet e da extrema-direita no Brasil e no mundo.
Existe alguma diferença entre as eleições de 2022 e as outras?
Sim, com certeza a de 2022 é a mais importante desde a nossa redemocratização. A eleição de 2018 já foi considerada [importante] e ficou marcada na história como a eleição do ódio. Apesar de na época sabermos sobre o avanço da internet em território nacional, a gente não se preparou muito bem, diferentemente da galera do Bolsonaro que se preparou. Então, agora, passados quatro anos, acho que vai ser a hora da gente ver mesmo se aprendemos com os erros de 2018.
Quando você se interessou pelo jornalismo?
Em casa, jornais e revistas sempre eram muito presentes, porque meus pais e avós sempre assinavam. Mas acho que foi só no final do Ensino Médio, naquela pressão de ter que escolher alguma coisa, que eu entendi que aquilo que era sempre presente em casa poderia ser uma profissão. Parece uma coisa muito simples, mas essa percepção foi realmente revolucionária. Aquilo que eu sempre gostei e que sempre fez muito parte da minha vida – que eram os jornais diários e as revistas – poderia ser uma profissão. Também sempre me interessei muito por contar histórias.
Orientação: Profa. Cecília Toledo
Edição: Marina Fávaro
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