Cultura & Espetáculos

Quando a cor não é o maior problema

“A sensação é de que tatuagem só fica bem em pele branca”, comenta Cassiano Mina

Por: Brener Pompeo Rodrigues e Sofia Pereira Furtado

Pablo Xamã, 32 anos, é tatuador nascido na cidade de Belo Horizonte e é reconhecido nacionalmente por seu trabalho em peles pretas e retintas. Ele começou a atuar neste segmento há aproximadamente 4 anos, após descobrir seu estilo de tatuagem e incorporar mulheres negras em seus desenhos. Atualmente, Pablo faz desenhos com inspiração em pessoas pretas e referências de elementos das religiões de matriz africana: “eu queria que as pessoas negras se sentissem representadas também nos desenhos, e não apenas tivessem o direito de se tatuar”, afirma. 

Sobre a falta de representatividade, Pablo diz que acredita que as redes sociais têm um grande impacto neste preconceito no meio das tatuagens, e ressalta a importância de os tatuadores publicarem fotos de suas artes também em pele preta. “É difícil as pessoas pretas se encorajarem para fazer tatuagens quando os artistas que elas admiram publicam apenas fotos em uma pele que não se assemelha a delas”, diz Pablo.

Segundo Pablo, as origens do preconceito da tatuagem em pele preta estão relacionadas ao racismo estrutural presente na sociedade. “A maioria das pessoas pretas são periféricas, e não têm condições de pagar um valor alto por uma tatuagem, e acabam fazendo com uma pessoa que não tem tanto conhecimento desta gama de tons de pele”, explica. De acordo com ele, muitas pessoas têm a percepção de que a pele negra não se adequa a tatuagens, devido a essas condições, que não dão oportunidades para os tatuadores negros estudarem sobre esta técnica e a população de pagar por profissionais capacitados. 

Trabalho do tatuador Pablo Xamã (Foto: Arquivo pessoal)

De acordo com Pablo, o que falta na maior parte dos tatuadores é o conhecimento sobre a pele preta, e acredita que a prática é o principal meio de se adquirir esta sabedoria. Segundo o tatuador, o segredo é trabalhar com o contraste e compor desenhos com traços e preenchimentos estratégicos, assim a tinta preta fica mais visível na pele e a ilustração fica legível. Uma das suas principais inspirações é o ilustrador italiano Sérgio Toppi, que usa do contraste como seu principal aliado para produzir formas: “Eu trabalho apenas com o preto, a sombra e a pele. Tento fazer desenhos sem muito preenchimento, para que o traço fique legível em contraste com a pele do cliente”, diz o tatuador. Pablo ainda ressalta a importância de tatuadores negros terem esta inciativa e começarem a tatuar peles pretas, mas destaca que não gostaria que esta virasse uma prática com objetivos mercadológicos. 

Cassiano Mina, homem preto retinto de 37 anos, paulistano, residente na cidade de Campinas é DJ de músicas pretas. Engajado na causa racial, diz que mais do que escolher um tatuador que saiba tatuar uma pele retinta, é fundamental que o profissional tenha conhecimento da cultura preta de modo geral, por conta disso teve dificuldades de encontrar profissionais que atendessem suas demandas. “Não basta a pessoa saber tatuar peles retintas, deve também ter conhecimento sobre nossa gente. Demorei para achar, inclusive, quem fez as minhas foi um amigo meu de longa data, que conhece a história e a cultura preta” afirma o paulistano.

Segundo Cassiano, existem diversas problemáticas em torno deste assunto, visto que ao observar portfólios de tatuadores negros e não-negros é inegável a predominância de tatuagens em peles brancas ou peles claras em diversos niveis, porém quando olhamos de modo crítico é possível perceber que a ausência de exemplos de tatuagens em peles retintas é uma realidade. “A sensação é que tatuagem só fica bem em pele branca ou mais clara, e que em nós, pretos retintos não temos esse direito, sabe? A impressão que tenho é que não ligam e nem se preocupam em fazer um portfólio para nós”, diz Cassiano.

Além disso, esta temática é tão delicada que apesar da distância geográfica de Cassiano e Pablo, e das vestimentas sociais, sendo um usando a “roupagem” de tatuador enquanto o outro veste a persona de tatuado, o ponto de intersecção entre ambos é o fato de serem homens negros em sociedade. Dando continuidade, os dois entenderem que a questão socioeconômica, assim como o racismo estrutural é um fator fundamental desta questão. 

De acordo com Cassiano, “dá a entender que o povo preto não pode consumir tatuagens, por não ter grana, quando na verdade o buraco é bem mais embaixo. Acredito que este meio carrega uma carga muito forte de racismo estrutural, por que afinal, quantos portfólios de tatuadores você viu com demonstrações de tatuagem em peles como a minha?”

Orientação e edição: Prof. Artur Araujo


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