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A dependência de fertilizantes russos é o motivo alegado pelo governo federal para manter neutralidade
Por: Mattheus Lopes
Em meio ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia que se iniciou no dia 24 de fevereiro, quando se trata do posicionamento do Brasil, a situação pode chegar a ser mais complexa do que apenas uma demonstração de apoio, ou a falta deste. Devido ao fato de a economia brasileira ser, em grande parte, baseada no agronegócio, um dos principais insumos necessários para que ela prospere são os fertilizantes e a Rússia é o 6º país do qual mais são importados recursos naturais, como por exemplo: o carvão, o petróleo e principalmente fertilizantes, de acordo com a Comex Stat, portal de projeções e estatísticas do comércio brasileiro em escala internacional. Em janeiro e fevereiro deste ano os fertilizantes advindos de território russo representaram 66% da parcela deste insumo no Brasil.
De acordo com a Balança Comercial Preliminar referente ao mês de fevereiro deste ano, houve um crescimento de importações de 116,6% de petróleo, 120,2% de carvão, e 113,5% de adubos ou fertilizantes químicos, sendo grande parte de origem russa. Em janeiro, o Brasil comprou U$ 530 milhões desses três produtos; 77,8% a mais em relação a 2020.
Dados como esses são base das declarações do presidente Jair Bolsonaro quanto ao conflito. O presidente brasileiro afirmou em uma transmissão ao vivo em seu instagram no dia 24 de fevereiro que é contra as sanções econômicas aplicadas contra a Rússia e que o Brasil não faria parte dessa estratégia por conta do nível de dependência que a economia brasileira tem dos fertilizantes do país, evitando assim uma reação negativa de seu parceiro comercial. Entretanto, em entrevista ao Digitais, a professora da PUC Campinas e Doutora em Relações Internacionais, Kelly Ferreira, explica que o posicionamento de Bolsonaro advém também de um caráter ideológico e político e não apenas com a perspectiva de proteção econômica nacional. Aqui, link para acesso à entrevista da professora: https://www.youtube.com/watch?v=mB9NJNhCbNo
De acordo com o pesquisador em fertilizantes do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Heitor Cantarella, mesmo não fazendo parte dos governos internacionais que vêm aplicando as sanções econômicas à Rússia, o Brasil já vivencia as consequências ruins das sanções aplicadas por outros países ao governo russo em um efeito dominó. “O preço dos fertilizantes já foi impactado e eles representam 20 a 30% dos custos de produção da agricultura. Esse impacto será posteriormente traduzido em termos de preço dos produtos agrícolas; o que aliás já está antecipado pelo mercado: os preços do trigo, do milho, da soja já aumentaram; e são recordes também”, afirma.
Uma maneira de contornar o problema em um possível cenário de baixa disponibilidade e de altos preços de fertilizantes, de acordo com Cantarella, seria a análise de solo das plantações, pois não são todos que precisam de uma grande quantidade do insumo. “Alguns solos têm um certo estoque que veio de adubações passadas e que em uma época de crise o agricultor pode usar esse estoque como alguém que saca da poupança em um ano de crise para produzir bem sem precisar colocar grandes quantidades de fertilizante”, explica.
Complexidade diplomática.
Além da dependência dos fertilizantes russos, a neutralidade assumida por Jair Bolsonaro pode desestabilizar a posição brasileira internacionalmente no futuro. O que vem perseguindo o governo brasileiro desde o início do conflito é a indagação de como proteger seus próprios interesses econômicos ao mesmo tempo em que se posiciona em meio à resposta internacional coletiva contra ou a favor de Putin, comenta a professora da PUC Campinas em Direito Internacional e Doutora em Filosofia do Direito, Carolina Galib. “A postura de neutralidade quando se sabe quem é o agressor pode gerar desconfiança em outros parceiros comerciais que o Brasil também tem”, afirma.
A professora enfatiza que ao não condenar diretamente Vladimir Putin por cometer um ato de ilícito internacional ao invadir a Ucrânia e não respeitar a Lei de Soberania do país, Bolsonaro poderá se encontrar no futuro em uma posição de isolamento diante da perspectiva de seus parceiros comerciais como o EUA e grandes nações europeias que já se posicionaram e também aplicaram sanções econômicas contra a Rússia.
A professora de Direito Internacional da PUC Campinas, Carolina Galib, fala sobre os conceitos de ilícito internacional e crimes de guerra no contexto da invasão russa em território ucraniano. Aqui link para acesso à entrevista: https://soundcloud.com/mattheus-lopes-939914132/carolina-galib-ilicito-internacional?utm_source=clipboard&utm_medium=text&utm_campaign=social_sharing
De acordo com Fred Siqueira, Coordenador do Grupo de Estudos sobre a Rússia (PRORUS) e Coordenador da Rede de Pesquisas sobre a Rússia (REDE.RU), a posição brasileira em meio a conflitos não é algo novo, pois ela ao longo de toda sua existência, vem sendo de neutralidade.
Fred também acredita não ser proveitoso ao Brasil interferir no conflito pois a situação está relacionada muito mais à interesses econômicos e políticos dos EUA e dos países europeus. Quanto aos impactos inflacionários sobre o preço e disponibilidade de fertilizantes em território brasileiro, o pesquisador aponta que erros internos do governo seriam os verdadeiros motivos das pressões inflacionárias. “A política de ‘precificação’ nacional do petróleo e o sistema nacional de produção tecnológica e inovativa de fertilizantes foram abandonados,” finaliza Fred Siqueira Campos.
Orientação e edição: Prof. Gilberto Roldão
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