Noticiário Geral
Medidas restritivas proíbem o acesso e a permanência de crianças em espaços abertos como restaurantes
Por: Bruna Niro e Vitor Rossetto
Nos últimos meses, um boom de relatos e reclamações começou a se espalhar pelas redes sociais. Pais e principalmente mães têm encontrado dificuldades ao frequentar bares, restaurantes e até mesmo hotéis, pois, estabelecimentos de diversos segmentos estão adotando medidas restritivas em relação à entrada ou permanência de crianças.
O debate tomou proporção e divide opiniões. De um lado alguns alegam preconceito voltado às mães solo, que assim como todos os adultos, querem estar entre os próprios amigos, mesmo acompanhadas de seus filhos. Do outro, há as pessoas que se incomodam com a presença dos pequenos por motivos diversos, entre eles: birra, barulho, ou simplesmente por acharem que um determinado espaço não foi feito para crianças.
Por mais válida que a discussão seja, o olhar nunca está voltado para quem de fato precisa de atenção. O diálogo nas redes sociais, em sua grande maioria das vezes, preocupa-se mais com o bem-estar ou com o conforto do adulto, e a criança, mais uma vez é colocada em escanteio. Segundo Flávia Martins Guimarães, profissional da Educação e integrante do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente de Campinas, todo esse cenário é fruto de um mundo que se alimenta do individualismo.
De acordo com ela, as pessoas de uma maneira geral têm buscado conforto e bem-estar instantâneo. Assim, tudo aquilo que demanda atenção, tempo ou que parece atrapalhar um momento de lazer, causa desconforto e estranhamento. “Uma sociedade em que a auto satisfação é sinal de sucesso, sonhos e realizações é fácil entender a lógica: todo ser que limita, ou que me subtrai algo, se torna um objeto de antipatia”, afirma Flávia.
Mais do que serem o descontentamento de muitos adultos, as crianças encontram, agora, restrições para compartilhar ambientes simples com os seus próprios pais. Daniele Cristina Lopes, de 44 anos, conta que sempre foi muito difícil encontrar lugares e estabelecimentos que atendessem as necessidades de suas crianças.
Mãe de dois filhos, um de 13 anos e o outro de 6, ela relata que começou a encontrar dificuldade até mesmo para fazer viagens. “No fim do ano passado, aluguei uma casa no Airbnb, em São João da Boa Vista, com piscina, parquinho para poder levar meus sobrinhos e filhos. Após avisar que eu levaria crianças, a anfitriã cancelou, mesmo eu tendo feito o pagamento. A dona da casa alegou que já estava reservado e então imaginei: acho que ela pensou que as crianças iam quebrar toda a casa”, diz Daniele.
Flávia Martins, ao avaliar a situação, aponta que hoje há aqueles estabelecimentos que permitem a entrada de pets, enquanto as crianças, bom… essas devem ficar em casa. “Se a gente for pensar, o espaço privado tem a liberdade em determinar as regras, mas o direito de ir e vir das crianças é tão direito quanto o de um adulto, então são sutilezas que a sociedade está criando e não podemos ficar calados”, afirma ela.
Ainda sobre a perspectiva de Flávia, um dos motivos pelo qual esse tipo de prática tem tomado proporção está relacionado com o fato de as pessoas normalizarem a vontade em não ter filhos. O movimento que se aproxima à justificativa de Flávia é conhecido como Childfree, que em tradução livre quer dizer “livre de crianças”. Criado nos Estados Unidos em 1972, o objetivo era reconhecer adultos que não tinham vontade de ter filhos.
Hoje o movimento já se expandiu para outros pontos do mundo. De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) no Brasil, 37% das mulheres não desejam se tornar mães. Em escala mundial, segundo o Think about Needs in Contraception (TANCO), 72% não querem filhos pelo menos entre os três e cinco próximos anos.
Na visão do psicopedagogo Fábio Gianfratti, o ódio às crianças nada tem a ver com Childfree, desde que o movimento não seja motivo para normalizar frases como: não gosto de crianças ou não tenho paciência para elas. Segundo ele, a aversão voltada aos pequenos pode estar relacionada a um problema nunca tratado. “Se existe um preconceito padronizado, é porque existe desde sempre e nunca foi quebrado. Então se existe um ódio de adulto por criança é porque é algo instituído socialmente, é algo sensível que precisa ser resolvido”.
Por mais que os pensamentos de Fábio e Flávia sejam divergentes em alguns pontos, ambos os profissionais compreendem que crianças e adolescentes precisam de atenção e cuidado afetivo, que às vezes os adultos não estão tão disponíveis para fornecer. Mesmo após todos os argumentos fornecidos por ela, Flávia ainda acredita que nos dias de hoje, os pais devem frequentar os lugares que de fato estão preparados para receber crianças. Enquanto Fábio acha que não há problema em uma criança frequentar um restaurante com sua família, desde que aquele lugar tenha uma classificação indicativa e não cause danos para o desenvolvimento dessa criança. Perceba que, em ambos os casos, o dilema continua sendo sempre do adulto.
Orientação e edição: Prof. Artur Araujo
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