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Ao lado de Djamila, ativista francesa sustenta que “neoliberalismo se apropriou dos direitos das mulheres”
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Por Aline Nascimento
A ativista e escritora francesa Françoise Vergès, em debate promovido remotamente pela Editora Ebu, na quarta-feira (29), apontou que o neoliberalismo se apoderou da luta feminista para colocá-la a serviço dos seus propósitos políticos. A autora ponderou que o discurso sobre a igualdade entre homens e mulheres, reproduzido no mundo ocidental eurocêntrico, autointitula-se como a única cultura contrária ao patriarcado, retratando as outras culturas como naturalmente hostis aos direitos das mulheres. Vergès apontou esse discurso como artificial, que não leva em consideração a realidade contemporânea, revelando-se colonialista.
Françoise Vergès, autora da obra Um feminismo decolonial, participou do evento ao lado da filósofa brasileira Djamila Ribeiro, autora do best-seller Pequeno manual antirracista. Elas debateram o tema “Feminismos Decoloniais”, que foi ao ar pelo canal da editora no Youtube, com tradução simultânea.
Vergès classificou o feminismo neoliberal ocidental como colonialista, apontado que ele se declara como detentor da luta feminista, mas que, na verdade, contenta-se com mulheres ocupando cargos de autoridade, escondendo toda a exploração e racismo que está por trás da estrutura do regime capitalista. A francesa disse ainda que o feminismo decolonial se opõe a essa maneira de encarar a busca pela igualdade, defendendo que é preciso romper “todas as amarras de poder” impostas, desligando-se da visão eurocêntrica, e contrapondo-se à imposição de uma cultura única.
A escritora francesa fez críticas à forma como o feminismo europeu encara o islamismo. “O Islã se tornou o inimigo das mulheres, e a sociedade islâmica se tornou naturalmente hostil aos direitos das mulheres. E na Europa, são feministas brancas e universitárias que vão lutar contra o véu, e o véu acaba simbolizando o sinal da submissão”, criticou. Segundo ela, esse discurso – o qual considera “mascarado de prol da igualdade de gênero” – acaba por maquiar o racismo colonial, dando origem à islamofobia, no caso citado, que em todos os tempos é representado como que animalizando as mulheres.
Ainda sobre o eurocentrismo, Vergès salientou que as relações coloniais são intrínsecas à própria cultura europeia. “Não podemos esquecer que todos os museus da Europa têm coleções que se baseiam em roubo praticado nos continentes africanos, no Caribe, na América do Sul e na Ásia. Não existe um único museu da Europa que não tenha sido montado sob o roubo. E um francês vai ao museu e vê, diante dele, o mundo, e se acostuma a pensar que o mundo pertence a ele”.
Enquanto Françoise Vergès desenvolveu análises sobre o retrato do colonialismo na Europa e América do Norte, Djamila Ribeiro apontou a expressão do feminismo civilizatório e do racismo estrutural na realidade brasileira. A filósofa destacou a predominância dos homens brancos no meio acadêmico e o apagamento dos trabalhos e da contribuição das mulheres racializadas brasileiras. “Quando eu quis estudar as autoras feministas negras, era tido como ‘isso é perfumaria, isso não é filosofia’. Então, você chega na universidade, e se depara com uma grade, onde a dominação é branca e masculina. Confrontar isso é muito difícil”, queixou-se.
Complementando a sua experiência pessoal, Djamila ressaltou a importância de as editoras publicarem livros de pessoas negras, sobretudo de mulheres negras. Ela pontuou sobre a necessidade de alterar as grades de disciplinas das universidades do Brasil.
“É fundamental democratizar o acesso ao ensino superior para populações negras e indígenas, mas também é fundamental mudar a grade curricular das universidades. Não é possível que, quando meus colegas demonstram desejo de estudar filosofia africana, ouvem do chefe do departamento de pós-graduação que filosofia africana não existe”.
No decorrer do debate sobre acessibilidade ao conhecimento, Vergès pôs em pauta a importância de ouvir as pessoas mais vulnerabilizadas pelo chamado “capitalismo racial”. Ela acrescentou que, para chegar ao feminismo decolonial, é preciso principiar as reflexões a partir das palavras dessas mulheres, e não textos encontrados em bibliotecas.
Aqui, acesso ao debate “Feminismos decoloniais”, no YouTube.
Orientação: Prof. Carlos Alberto Zanotti
Edição: Beatriz Mota
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