Destaque
Ombudsman da Folha e pesquisador da UFSC falam sobre laboratório que lucrou com vermífugo na pandemia
Por Fernanda Alves
Um informe publicitário de meia página, publicado nos 8 maiores jornais brasileiros, no qual médicos dissidentes assinaram a defesa do “tratamento precoce” ineficaz contra o novo coronavírus, foi tema de debate no VIII seminário promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), neste sábado (28). Na época em que foi publicado, em 23 de fevereiro deste ano, o anúncio já contrariava o consenso consolidado, entre cientistas e a classe médica, de que Ivermectina e Hidroxicloroquina eram inúteis para prevenir ou evitar mortes pela Covid-19.
“O episódio arranhou a reputação dos jornais”, disse o professor Rogério Christofoletti, da faculdade de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no debate do qual também participou o ombudsman José Henrique Mariante, do jornal Folha de S. Paulo. O jornal paulista foi uma das publicações de grande porte que acolheram a publicidade dos “médicos negacionistas”, conforme foram chamados os profissionais signatários do documento.
Sob o título de “Manifesto pela Vida”, a publicidade afirmava que “num momento em que dezenas de milhares de casos surgem todos os dias, não podemos ficar de braços cruzados e deixar de tratar esses pacientes!”. No subtítulo, o documento trazia a inscrição: “médicos do tratamento precoce Brasil”. No pé da propaganda, aparece a informação: “A publicação deste manifesto é realizada pela Associação Médicos pela Vida, com sede em Recife.”
Se não fosse o senador Humberto Costa (PT), que fez levantamento de informações junto aos jornais em função de seu trabalho na CPI em andamento no Congresso, a sociedade não teria sabido que a publicidade não foi paga pelos médicos, mas sim pelo fabricante de um medicamento do chamado “Kit-Covid” – o laboratório Vitamedic, disse Christofoletti. Em tom irônico, o docente, que é um dos líderes do Observatório da Ética Jornalística (ObjHetos), ponderou: “os médicos foram os laranjas” do episódio.
De acordo com o professor da UFSC – recorrendo a dados divulgados na CPI – a Vitamedic vendeu, em 2019, um total de 5,7 milhões de caixas de ivermectina, volume que subiu para 75 milhões em 2020 em função da fama injustificada que adquiriu de ter efeitos benéficos no tratamento da Covid-19. “A Vitamedic viu suas vendas crescerem 1.230% em um ano”, ponderou Christofoletti.
Segundo defendeu o docente, os jornais deveriam se preocupar mais em manter coerência entre seus conteúdos noticiosos e as propagandas que acolhem em suas páginas, sob o risco de confundirem a opinião pública e perderem reputação entre seus leitores. Ao abordar o assunto, o ombudsman da Folha de S. Paulo, José Henrique Mariante, disse haver uma barreira intransponível entre a parte editorial e a parte comercial dos jornais: um não se envolve no trabalho do outro, o que teria sido um erro naquele episódio.
“O próprio [departamento] comercial tem regras. E acho que, nesse caso especifico, falhou, não na letra fria do dia, mas falhou no longo prazo. Você acolher naquele momento um anúncio… e depois de 6 meses você descobrir que o anúncio foi pago pelo laboratório, aonde não era uma concepção médica, nem uma concepção do médico, ali a coisa azeda”, reconheceu Mariante.
O ombudsman da Folha criticou também a falta de posicionamento claro da Associação Médica Brasileira (AMB) nos debates em torno do “tratamento precoce” e da conduta de médicos que aderiram à terapia com ineficácia já comprovada. Lamentou também que a instituição médica não tenha se manifestado sobre a divulgação do documento assinado pelos médicos da ong de Recife ao defenderem abordagem contrária à evidência científica.
Ao final do debate, Christofoletti propôs a ampliação de instâncias de transparência no jornalismo. “A transparência ajuda a cultivar credibilidade”, disse ao lembrar que nos manuais de redação de jornais como Folha de S. Paulo, Estadão e Grupo Globo” há um conjunto de regras para diferenciar o que é conteúdo editorial de conteúdo publicitário. “Mas precisamos andar mais em relação a isso. Quem sabe dizer quem pagou por aquilo, ou a pedido de quem a propaganda foi publicada”.
Mariante, por sua vez, disse que o caso ali analisado foi “muito atípico” nos processos jornalísticos. “Foi uma falha, pois o jornal tem cautela sobre o que é divulgado”, afirmou. De acordo com ele, o caso “Médicos pela Vida” serve de exemplo para os cuidados que os jornais precisam tomar para que episódios semelhantes não voltem a ocorrer.
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Fernanda Almeida
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