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O medo de Anna Carolina Neves era que a filha fosse um “bicho do mato”
Por Fernanda Almeida
Os desafios da maternidade não são segredo para ninguém. A presença de uma nova vida que depende completamente da sua, a introdução de uma nova rotina do dia para a noite, e aprender a conciliar as responsabilidades são alguns dos desafios enfrentados pelas mães. Com a pandemia do Covid-19 o desafio ficou ainda maior, pois com a necessidade de isolamento social, a realidade mudou e introduziu diferentes situações e preocupações nas mães de bebês que nasceram durante a quarentena, sendo o desenvolvimento social adequado o principal deles.
O maior medo da advogada Anna Carolina Victorino Andrade Neves, 34, de Campinas, era a filha ser um “bicho do mato” por conta do isolamento social. Luiza nasceu na segunda quinzena de Janeiro de 2020, e desde que a pandemia começou teve pouco contato com outras pessoas que não fossem os pais.
“Tive medo dela não gostar das pessoas e de não se relacionar com ninguém, mas ela é muito simpática e adora ver outras pessoas,” contou a mãe. Apesar de ser sociável, Luiza, de um ano e quatro meses, ainda não conhece vários familiares e amigos dos pais, além de não frequentar espaços públicos, como parques, uma vez que Anna tem medo das possíveis aglomerações.
“É muito triste que ela não conheça os lugares. Não saio com ela no fim de semana, ficamos em casa ou vamos à casa dos avós”.
A questão da socialização também é um ponto de preocupação para a vendedora de Indaiatuba, Sabrina Manfri, 32. Mesmo que acredite que seu filho Noah, de onze meses, esteja se desenvolvendo bem, até então ele teve contato apenas com pessoas que fossem da família imediata, mas bem pouco com outras crianças.
“Fico receosa em saber como vai ser esse relacionamento, e como vai ser a questão da partilha, por exemplo, porque hoje ele tem tudo só para ele”. Sabrina também afirma que gostaria que Noah frequentasse a creche, pois acredita que a criança desenvolve-se muito mais nesse ambiente, e espera que isso não afete o seu aprendizado.
“Faço o que eu posso. Minha irmã é pedagoga, então ela me ajuda a estimular ele corretamente, mas me preocupo na questão social”.
Sabrina, que se mudou para a casa dos pais para conseguir ter uma rede de apoio, conta que teve que se afastar do trabalho após ela e o filho pegarem Covid assim que ela voltou da licença maternidade, e isso aumentou o receio. Mesmo assim, vê um lado positivo na situação.
“Consigo estar mais presente com ele. É a única coisa que eu vejo de positivo nisso”, relata.
A professora Carolina Longano Mesquita de Souza Silva, 29, de Indaiatuba, conta que não teve nenhuma rede de apoio após o nascimento do filho Éttore, que nasceu no fim de fevereiro de 2020, duas semanas antes das primeiras restrições sociais serem implementadas. Ela explica que isso ocorreu uma vez que a sua rede de apoio era composta de pessoas do grupo de risco para a Covid-19, e não queria colocar ninguém em perigo. “Não deixei visitas virem por 8 meses, nem aceitei ajuda de parentes pois a minha casa é pequena e não teríamos espaço para isolar alguém com a doença.”
Se tornar mãe durante esse período de pandemia e isolamento social foi um grande impacto para Carolina, que teve dificuldades em conciliar o emocional e o profissional, além de desenvolver ansiedade e problemas para se conectar com o filho. Já para Éttore, de 1 ano e três meses, a mãe observa que houve atraso no desenvolvimento da sua fala.
“Isso acontece porque ele não enxerga a boca das professoras para associar o som ao movimento. Ele não consegue ainda falar palavras completas, só silabas”, conta Carolina. Mesmo assim, ela afirma que o filho é muito sociável, e que ao começar a frequentar a escola ficou mais calmo e conseguiu desenvolver melhor a coordenação motora grossa, ou seja, dos braços e pernas.
Desenvolvimento
A pediatra especialista em medicina intensiva e com pós-graduação em alergia e imunologia, Paula Beatriz da Silva, enfatiza a importância do convívio com outras pessoas e de ambientes diferentes para o desenvolvimento motor, social e linguístico da criança. “O desenvolvimento é extremamente afetado pelos estímulos e experiências que ela tem oportunidade de vivenciar”, afirma.
Ela explica que a restrição de relacionamentos imposta pela pandemia foi um grande fator para o aumento no atraso da fala e na capacidade de relacionamento das crianças, e incentiva os pais a estimularem os filhos.
“É necessário enriquecer o tempo que os pais passam com os filhos com muito diálogo, brincadeiras dirigidas para cada idade, leitura e passeios ao ar livre,” instrui a pediatra. Paula recomenda a internet para procurar quais são as brincadeiras mais adequadas para a idade do filho.
A doutora, que também é mãe de bebês gêmeos nascidos durante a pandemia, conta que mesmo sendo pediatra, ainda tem momentos em que questiona se está estimulando os filhos da forma correta. “O acompanhamento médico regular é fundamental para não deixar nenhum atraso passar”, aconselha.
Ela aponta o uso de telas como um impacto negativo no desenvolvimento da linguagem, uma vez que não há interação. Para um ano de idade, ela lista ações esperadas das crianças: dar “tchau” com a mão, apontar para o que querem, balançar a cabeça simbolizando a palavra “não”, começar a dizer as primeiras palavras, imitar gestos, estar engatinhando, firmar o corpo em pé com apoio e se sentar sem ajuda. E, por fim, ressalta: “As crianças jamais podem perder habilidades que já haviam adquirido”.
Segundo a pedagoga Grazielly Ferreira, o desenvolvimento social durante esse período pode ser aprimorado por meio de exemplos da família. Para ela, tanto a escola quanto o ambiente familiar colaboram para essa interação social, trabalhando com habilidades como a empatia, respeito e cooperação.
“A criança observa todas as atitudes de quem está a sua volta, então é importante que ela tenha bons exemplos e que exista constantemente diálogos e abertura para que ela consiga expor seus sentimentos, e seja compreendida”, diz.
Para Grazielly, os efeitos negativos trazidos pelo distanciamento social das crianças são mais fáceis de reverter nos mais jovens. Ela explica que isso ocorre uma vez que a necessidade de crianças de um ano é mais voltada para o convívio com os familiares, enquanto as mais velhas já tem um maior leque de relacionamentos, principalmente com outras crianças.
Ela aponta o relacionamento de ambos como importante, mas afirma que as habilidades adquiridas são diferentes. “O contato entre crianças ajuda no desenvolvimento do faz de conta, por exemplo. Elas conseguem se entender melhor e tem uma interação mais fácil. Com o adulto, é diferente”.
Orientação: Profa. Amanda Artioli
Edição: Leonardo Fernandes
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