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18 anos depois, ensino da cultura negra é precário no currículo escolar, avalia Ieda Leal
Por Roberta Salles Mourão
Promulgada há 18 anos, a lei 10.639/03 – que obriga a inclusão de conteúdos referentes à história e cultura afro no currículo de escolas púbicas e privadas, em especial no âmbito da educação artística, literatura e História do Brasil – ainda é precariamente cumprida. Foi o que apurou o debate remoto promovido pela vereadora Guida Calixto (PT), na Câmara Municipal de Campinas, na sexta-feira, 23, com estudiosos do tema.
Estavam presentes o pedagogo Adriano Bueno, mestrando em educação pela Unicamp, e os educadores Wilson Queiroz e Ieda Leal – ela, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU). De acordo com Bueno, de um modo geral a lei de 2003 é fruto das lutas do movimento negro. “Foram lutas de resistência contra a escravidão, lutas pela liberdade, mas principalmente a partir da reorganização do movimento negro que acabaram desaguando na aprovação da lei”, disse.
Bueno afirmou também que a cidade de Campinas protagonizou de maneira pioneira a discussão sobre essa temática, antes mesmo da criação do dispositivo legal no âmbito federal. As primeiras ações na cidade tiveram como resultado – segundo lembrou – o Programa Memória e Identidade: Promoção da Igualdade na Diversidade na Rede Municipal de Campinas (MIPID).
De acordo com o pedagogo, uma pesquisa publicada na revista da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, em 2018, conseguiu recolher comentários de apenas 218 pessoas de um total de 7.080 profissionais. “Só 3,8% dos profissionais de ensino acabaram participando dessa pesquisa e respondendo ao questionário, o que mostra o constrangimento do fato de a lei não estar sendo cumprida efetivamente na cidade de Campinas”, afirmou Bueno.
O material pedagógico é outro desafio para a promoção de uma educação anti-racista na rede de profissionais da educação infantil, do ensino fundamental e da educação de jovens e adultos (EJA). Gestores da cidade, entre os entrevistados na pesquisa, responderam que há algum material pedagógico sendo destinado a essa educação, mas é insuficiente.
Segundo Bueno, a preocupação em discutir sobre a história afro-brasileira no calendário escolar só surge quando chega o mês de novembro, que conta com o feriado da consciência negra, se tornando uma discussão pontual, ausente no dia a dia do ensino escolar. “As escolas pensam que precisam dar conta do debate sobre a consciência negra, correm atrás de um rapper, um MC, um capoeirista, fazem uma oficina na escola, uma coisa muito pontual”.
O professor de matemática na rede municipal em Campinas Wilson Queiroz disse não discordar de as escolas comemorarem o feriado da consciência negra, mas disse ser importante lembrar que a data precisa repercutir em todos os dias letivos, do primeiro ao último ciclo.
O professor ressaltou que o primeiro parágrafo da Lei 10.639/03 inclui estudar da História da África à luta dos negros no Brasil, bem como a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política. Segundo ele, em todas as áreas da História do Brasil seria necessário entender a presença e a participação da população negra ao longo do cotidiano escolar. É um trabalho que ele considera fundamentalmente associado à humanização de um grupo ou de grupos étnicos oriundos do continente africano, e que por anos ficaram à mercê da violência.
Pensar um currículo que contemple todas as áreas do ensino, com um conjunto de professores da rede, é um compromisso a ser assumido com a educação anti-racista, observou o professor Queiroz, mencionando as aulas de educação física e geografia. “Na educação física, o professor ou professora pode colocar a capoeira como atividade física, mas para isso é preciso uma política estruturante e não pontual”, exemplificou.
Segundo a coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado, Ieda Leal, graduada em padagogia pela PUC-Goiás, mesmo após os 18 anos de homologação da lei, ainda há muito o que fazer, pois o racismo não acabou e nem existe para ele um fim previsível. “Juntamos sindicatos, políticos, quilombolas, organizações não-governamentais, estudantes e apresentamos nossa indignação e um parecer dizendo que precisamos continuar cobrando do poder público a efetivação da Lei de Diretrizes de Base da educação nacional”, afirmou.
Ieda diz que o movimento social vem cobrando ações efetivas para que os profissionais da educação possam ter condições de discutir temas como identidade e posição do negro na sociedade. “Não é um problema do professor que está dentro da cidade, mas do racismo estrutural do país”, acentuou. De acordo com ela, o poder público precisa responder porque essa lei não está sendo cumprida de forma correta, e as consequências de não se aplicar uma lei que é para ajudar no combate ao racismo.
Aqui, acesso ao debate público promovido na Câmara de Campinas
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Oscar Nucci
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