Destaque
O artista plástico Diogo Marciano, de Campinas, é um dos 157 mil cadastrados no grupo
Por: Roberta Salles Mourão
Nem mesmo a administradora do grupo que convida simpatizantes de esquerda a fazerem compras de outros seguidores da mesma linha política imaginava chegar a uma comunidade tão grande. Voltado principalmente ao estado de São Paulo, o grupo fechado do Facebook, que reúne artesãos, cozinheiros, taxistas e uma variedade enorme de prestadores de serviço chegou a 157 mil adesões em menos de cinco meses. No mundo todo, iniciativa semelhante já atinge outros 39 países.
“Eu imaginava que o grupo seria bem recebido, mas nem nos melhores sonhos achei que teríamos tanta gente em tão pouco tempo”, espanta-se a artista plástica Erica Caminha, que criou o grupo “esquerda compra da esquerda” no final de novembro do ano passado.
Também artista plástica, Raquel Pires de Menezes, 57 anos, de Campinas, uma das integrantes do grupo, viu na iniciativa uma boa oportunidade para negociar com pessoas com as quais tem alguma identidade política. “Eu não sou aposentada, não sou casada, não tenho renda, não tenho herança e não tenho nada. Tenho apenas as minhas cerâmicas”, avisa a artista, para completar logo em seguida: “Esse grupo de esquerda me tirou do sufoco”.
Em meio à pandemia, Raquel Margarida – seu nome artístico –, afastada das feirinhas regionais de artesanato em função do coronavírus, passou a oferecer aos militantes do grupo os bandós e móbiles de cerâmicas que produz em casa. Assim como os demais integrantes, ela passou por um processo de filtragem dos candidatos.
De acordo com a administradora Érica, quando o interessado envia a solicitação para ingresso na comunidade fechada é levado a responder perguntas para que se conheça seu perfil político: o que pensa em relação ao Bolsa Família, às cotas nas universidades, à função empresarial e identidade política. Por último, abordam pauta ambiental e ecológica.
O processo de filtragem também conta com a análise do perfil do interessado no Facebook. Os administradores observam suas postagens e avaliam as respostas para, a partir daí, aceitarem ou não a solicitação de ingresso. “Isso blinda um pouquinho, principalmente o pessoal da direita de entrar no grupo. Não dá pra garantir que não tem uns espiões, mas até agora não tivemos nenhuma surpresa”, afirma a criadora do grupo.
Para conseguir pagar aluguel e as contas de água e luz durante a pandemia, a artista Raquel Margarida, que vive apenas com a venda das cerâmicas, afirma que as compras feitas pelos integrantes do grupo contribuíram para superar as dificuldades do período de paralisação do comércio. Ela costuma vender seus produtos nas feiras artesanais de Campinas e em lojas de São Carlos e Rio Claro. O auxílio emergencial de R$ 300,00 durante o ano passado, e nos meses iniciais de 2021, não foi suficiente para pagar as contas.
Além de complementar a renda, Raquel Margarida encontrou, no grupo, o acolhimento para continuar com o trabalho e enfrentar as dificuldades do dia a dia. A artista diz que o grupo é acolhedor e que nunca tinha visto um movimento desta natureza. As interações nas postagens, sejam as curtidas ou os comentários – diz ela – estimulam os membros a acreditarem no seu trabalho e a permanecerem vendendo, mesmo com o fechamento do comércio em lojas físicas ou na queda das vendas.
“Sinto-me sortuda por conhecer pessoas que apoiam o trabalho de outras pessoas por solidariedade e companheirismo”, disse Raquel.
A psicóloga Sheise Piezentini, de Jaguariúna, que começou a vender telas a óleo e acrílico há quatro meses naquela comunidade, também diz que suas postagens são muito bem recebidas no grupo da esquerda, e que existe um importante acolhimento para as histórias pessoais ali relatadas. “A ideia é apoiar o comércio da outra pessoa, conhecer histórias de vida e não permitir que o outro desista da iniciativa”, afirma.
Raquel lembra que uma integrante do grupo chegou mesmo a lhe oferecer ajuda financeira no momento em que não sabia como fazer para pagar as contas de água e luz do mês de abril. “A pessoa me ligou e falou que queria me ajudar. Fiquei com um pouco de vergonha e falei que não queria, mas mesmo assim a pessoa me ajudou com dinheiro”, disse agradecida.
Já o desempenho nas vendas foi diferente para a assistente social Lucilene Felipe Gomes, empreendedora da marca Abaiô Aromas, que produz vela aromatizada, difusor de aromas, escalda-pés, argila facial, sais de banho, spray de aromas, sabonete de argila e banho de ervas. A marca nasceu no final de 2019 e início de 2020 com a busca do autoconhecimento de Lucilene e o desejo de produzir produtos aromáticos 100% artesanais com qualidade e delicadeza. A assistente social diz que o nome da marca veio da palavra abayomi, que tem origem iorubá. “Refere-se a uma boneca negra que traz felicidade ou alegria. Abayomi quer dizer encontro precioso”, explica.
A entrada da empreendedora no grupo foi em novembro de 2020, antes do “boom” de integrantes, como diz. Com isso, foi convidada a ajudar na administração do grupo devido às muitas solicitações de entrada, mas acabou não aceitando pois tem seu trabalho de assistente social e está apostando na marca de aromas. Quando fez sua primeira publicação, não teve grande retorno ou muitos acessos na página, mas na segunda vez teve retorno positivo e venda da mercadoria.
Lucilene também ressalta o motivo do título “esquerda compra da esquerda” no logotipo do grupo. “Por que iria comprar do grande empresário, que paga o trabalhador com baixíssimo salário, se posso apoiar o pequeno comércio ou uma empresa que tem este olhar para as causas sociais e paga o trabalhador corretamente? Eu acho que a sociedade começou a se abrir mais e a se questionar sobre isso”.
Experiência parecida ocorreu com Alexia Schmidt-Hebbel, formada em audiovisual em 2016, mas desempregada no momento. Residente em Campinas, ela acredita que, apesar de ter enviado mais de mil currículos durante o último ano e ter passado por duas entrevistas, o motivo de não ter conseguido emprego formal em nenhum processo seletivo tenha sido por discriminação, já que possui deficiência auditiva.
Foi dessa dificuldade que surgiu a ideia de criar a marca Te Gusta Conservas. Alexia sempre produziu geleias para consumo próprio e para a família, já que possui uma amoreira muito produtiva, sendo a produção de geleia a melhor opção para conservar as frutas. A ideia de vender o produto surgiu da necessidade de conseguir pagar as contas e adquirir independência financeira. “A geleia acabou sendo a opção que me oferece melhor custo-benefício com gastos, lucros e tempo”.
Com a entrada no grupo de esquerda, ela afirma que, até o momento, teve pouco impacto nas vendas, mas a divulgação foi ótima. As vendas para os integrantes do grupo não afetaram tanto na renda como gostaria, pois não são tão regulares, mas deram “algum alívio”. Já em relação aos contatos entre os membros, diz que é mais fácil criar empatia ou identificação com princípios comuns. “Não é necessário esconder aspectos da vida ou personalidade por conta de divergências políticas”.
O artista plástico Diogo Marciano, residente em Campinas, produz bijuterias com resina e artes plásticas com camadas de vidro. Diogo é integrante do grupo há quatro meses e explica que está tentando arranjar mais tempo para voltar ao trabalho com as artes e colocá-las no grupo. “É muito mais trabalhoso e ainda não consegui me organizar e produzir na velocidade que pretendia”.
As vendas para os membros do grupo foram poucas, mas garantiram visualizações e curtidas nas publicações e sites pessoais de Marciano. Conforme diz, a divulgação junto a pessoas com as quais o interessado se identifica politicamente permite o efeito dominó. Mesmo que não faça tantas vendas com as primeiras publicações, a interação acaba alavancando os produtos e o conhecimento do seu trabalho em redes sociais e sites de marcas. Marciano acredita no valor da identificação em causas comuns. “A impressão que eu tenho é que o grupo ganhou uma força de irmandade entre os seus integrantes”, completou.
Orientação: Prof. Carlos A. Zanotti
Edição: Letícia Franco
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